Incunabulos. Sabe o que sao?

>> segunda-feira, 29 de dezembro de 2008



18. Incunábulos. Sabe o que são ?
A minha filha, achando, e com razão, que uma bloguista que se estreava com um blog próprio, gostaria de ler das experiências nesse campo de um conhecido critico literário, deu-me pelo Natal o livro de Pierre Assouline, “BRÈVES DE BLOG Le Nouvel Âge de la Conversation”. É uma antologia dos comentários que o autor recebeu desde que iniciou a sua aventura na blogo-esfera: “reunindo 600 comentários, escolhidos entre os melhores e os mais engraçados. Há lado a lado trocas de impressão de alto gabarito, confidências, polémicas, apreciações literárias, e autênticas criticas inéditas.”*
--E o que tem isso a ver com ‘incunábulo’?-perguntarão. Tem a ver com isso, devido a uma frase do autor no seu prefácio. Escreve ele: “Il n’ya a pas eu rupture lorsqu’on est passé de l’incunable à l’imprimerie.......”, ou seja “não houve ruptura quando se passou do incunábulo à impressão”. Subentende-se que Pierra Assouline pensa que o incunábulo é qualquer coisa que antecedeu a impressão, quando o incunábulo é na verdade um produto da impressão. Se entre os leitores do seu livro se encontraram bibliófilos, Assouline deve ter sido inundado por indignados comentários.
“Comentando” eu por minha vez este lapso em conversa com a minha filha e o meu genro, constatei, com grande espanto e alguma indignação, que eles - pessoas cultas e lidas - também não sabiam o que era um incunábulo. É verdade que estão decerto em boa companhia, mas mesmo assim...
“Incunábula é o mistério dos mistérios na bibliofilia”, escreve Bernard J. Farmer em ‘The Gentle Art of Book-Collecting’*, e conta a história do neófito em coleccionar livros que entrou numa livraria e perguntou pelas obras do "Sr. "Incunábulo".
No ano de 1456 publicou-se na Alemanha, na cidade de Mogúncia, uma Bíblia que não fora escrita à mão. Dizia-se que fora "impressa", e o homem que descobrira como produzir um livro sem ser escrito à mão chamava-se Johannes Gutenberg. A Bíblia de Gutenberg seria um dia conhecida como o mais importante e o mais valioso dos incunábulos.
A descoberta de Gutenberg consistia basicamente nisto: compor o texto de um livro por meio de cubos nos quais estava uma letra em relevo. Alinhavam-.se essas letras - formando as requeridas palavras - numa vara do tamanho duma linha e colocava-se depois essa linha de letras dentro duma caixa, ou "forma", e isso, sucessivamente, até formar uma página de texto.
Uma vez o texto composto com aquelas letras "moveis", passava-se tinta nas letras, colocava-se em cima da forma uma folha de papel e, por meio duma prensa, premia-se o papel sobre as letras: Estas ficavam 'impressas' na folha de papel. Dessas folhas podiam se imprimir tantas quanto se quisesse.
Houve vozes que troçaram da nova invenção. Afinal o que era isso? Que vantagem tinha sobre os livros escritos à mão? Gutenberg confessava ter levado cinco anos a compor a sua Bíblia. Era o mesmo que levava um copista a copiá-la. Pois era. Só que o copista copiava um único exemplar, enquanto que, com a "impressora", uma vez a obra composta, se podiam fazer, se podiam "imprimir", inúmeros exemplares da mesma obra.
A arte propagou-se, espalhou-se pela Europa. Imprimiam-se livros de devoção, de ciência, de história, de filosofia, de poesia, de matemática, de astronomia, de navegação.. Acabara a cópia laboriosa de livros à mão, e um exemplar de cada vez. Em fins do século XV já só excepcionalmente se copiavam livros à mão.
De uma publicação da Universidade de Bamberg “Von Buechern und Bibliotheken, libri e biblioteche” copio a seguinte informação:
◦ Incunábulos são livros impressos entre a invenção da impressão com letras móveis em 1445 e o ano de 1500. Dos cerca de 40.000 textos conhecidos, cerca de 10.000 são folhetos e textos de uma só folha, e o número total de exemplares de incunábulos é de mais de meio milhão.
Calcula-se que as edições eram em média de 200 exemplares.
A maioria dos incunábulos conhecidos e identificáveis é de origem alemã, francesa ou italiana. .
A partir de 1457 encontram-se exemplares contendo no final da obra um ‘colophon’ com a indicação de autor, local e ano de impressão, assim como do editor.
Páginas de título aparecem pela primeira vez em 1465 ….
A partir de 1470 aumenta a produção de livros ilustrados com gravuras em madeira, ---- “
.
A arte de imprimir de forma mecânica, a 'arte secreta', a 'irrepressível arte', como alguns lhe chamaram, viera para ficar e revolucionaria o mundo.
Sobre a origem da palavra “incunábulo” para designar esses primeiros livros impressos, lê-se em Wikipedia: “Inkunabel“ é a “designação metafórica significando que se trata de uma obra que ainda está no berço (cuna), ou em fraldas. A expressão encontra-se comprovadamente pela primeira vez entre 1640 e 1657 na bibliografia Antiquarium impressionum a primaeva artis typographicae...de Bernhard van Mallinkrodt...

Observações à margem
Na livraria de D. Manuel I, que não era muito vasta – o rei tinha ao todo 49 livros - distinguiam-se, no inventário feito em 1522 por sua morte, os livros “de pena”, ou seja escritos á mão com pena, e os livros “de letra de forma”, ou seja de letras colocadas em forma, impressos. Por exemplo:
“It. hum livro pequeno encadernado de couro vemelho, o qual livro é de forma, e tem pimturas dos vultos dos emperadores de Roma. e assy escripto de letra de forma. E no princípio começa Leo Papa.....”
It. outro livro de letra de pena emluminado, que se chama Regimento dos Reys darmas....
It. outro livro de pena que se chama marco pólo, cuberto de veludo cramesy com duas brochas de prata anylada”

O que dizem outros
Num engraçado livro intitulado “Le Journal du Monde”* que publica as notícias históricas em forma de notícias de jornal dos nossos dias, lê-se para o ano de 1453
“De notre envoyé spécial a Mayence 1453
Il s’appelle Johann Gutenberg, c’est un artisan de Mayence. Il effectue actuellement des essais d’impression selon un procédé nouveau qui semble promis a um grand avenir. Si ses espoirs ne sont pás décus, toute la technique de la diffusion des écrits pourrait simplement s’en trouver bouleversée... ....... Imagine-t-on l’aspecr sésolant d’une bibliothèque òu tous les livres seraient écrits dans le même caractère?”
* Traduzido de “News of the World” Prentice Hall Inc.

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O Livro de Natal

>> segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


17. O livro de Natal
No Natal passado escrevi para a família, para circulação particular, um livro intitulado “Quando éramos pequenos”. Retiro dele o que se segue:
“Umas semanas antes do Natal chegava a nossa casa um pinheiro do Norte. Vinha de lá. O nosso pai era alemão, recebia da Alemanha uma árvore para o nosso Natal. A árvore ia para um quarto que estava sempre fechado, onde só entravam as pessoas grandes. O pai enfeitava a árvore com as bolas e estrelas prateadas que trouxera de casa dos pais dele, punha velas nas hastes da árvore, a mãe armava o presépio em baixo, ao pé da árvore, e, na véspera do Natal, pelas sete da tarde, tocava uma campainha, badalando que o menino Jesus chegara, e deixara presentes. Os meus irmãos e eu estávamos ansiosos à espera de ser chamados, de ouvir o toque da campainha, que nos dizia que podíamos vir. Entrávamos, emocionados, no quarto onde estava a árvore. Os presentes eram sempre, sempre, surpresa. Mas sabíamos de certeza absoluta, que um dos presentes seria um livro. Além do livro havia mais um ou dois presentes, mas o livro não faltava.
Era o “Weihnachtsbuch”, o “livro de Natal”. Começava-se aos três ou quatro anos pelos livros de estampas, de folhas duras, ou mesmo de pano, e com sete ou oito anos, recebíamos o nosso primeiro livro “bom”. Um livro a sério, “para ficar”. Eu recebi esse meu primeiro livro quando tinha sete anos. Eram os contos de Grimm, livro grande, grosso, com muitos contos que ainda não conhecía, com bonita encadernação, e ilustrações de página inteira. Ilustrações lindas, misteriosas, maravilhosas. O meu irmão mais velho recebeu nesse Natal, tinha oito anos, o livro das sagas alemãs. Eram visivelmente livros especiais, que não devíamos estragar com borradelas a lápis de cor. O primeiro livro de Natal que se recebia era para a vida. Eu ainda tenho o meu”.

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Primeira frase

>> segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


16. A primeira frase
Tenho um pequeno livro contendo a compilação das melhores respostas recebidas num concurso organizado na Alemanha, no qual os participantes - de crianças a adultos - deviam indicar qual o livro em língua alemã “cuja primeira frase os tinha especialmente encantado e impressionado, ou que lhes tinha provocado mais curiosidade, e que no seguimento tinha cumprido a promessa da primeira frase, proporcionando-lhes o prazer de uma boa leitura”.
Ou seja, os participantes, deviam não só indicar a frase, como explicar o porquê da sua escolha. O concurso teve óptima aceitação, responderam alunos de escola primária, punks, escritores, professores, o presidente do parlamento.
Achei graça constatar nos participantes mais pequenos a predilecção pela frase com uma certa musicalidade. Uma rapariga de oito anos escreve que era por isso, e por causa do nome dos ‘vavuchos’ que gostava da sua primeira frase:
“Era um lindo dia de verão, o sol brilhava na floresta, e na sua montanha os vavuchos escutavam”. Não li o livro, ignoro que criaturas sejam os vavuchos, mas percebo a leitora.
Muito escolhida foi também entre os mais novos a primeira frase do conto “A Transformação” de Kafka, e muito curiosas as explicações para essa escolha. As explicações da opção são talvez a parte mais valiosa do concurso.
Alguns não-concorrentes deram a sua opinião sobre o que lhes importava na primeira frase de um livro. Da parte dos escritores consultados havia unanimidade, todos declaravam dar particular importância à primeira frase. Entre os leitores, havia os que julgavam o livro pela sua primeira frase, e não liam para diante, se esta não lhes agradava, havia outros menos radicais, mas, com uma única excepção, eram todos da opinião que a primeira frase marcava o livro.
Pensei também eu sobre o assunto.
Acho natural dar importância à primeira frase, e nunca comecei um livro sem a ter considerado e escrito. Posso depois modificá-la um pouco, mas na essência não mudará.
Como leitora, é possível que alguma vez tenha escolhido um livro pela excelência da sua primeira frase, mas é o que leio no interior que me guia. Começo por abrir o livro desconhecido ao acaso, leio umas linhas aqui, umas linhas, ali, e só depois vou ao início e leio a primeira frase. Se o livro é bem escrito, a primeira frase decerto também o será. Não necessariamente, memorável, mas decerto adequada. Nessa altura ainda nem sei se vou gostar do livro, ou não. Ora, é depois de ter lido o livro, e gostado dele que fixamos a sua primeira frase. Se ela é digna disso, evidentemente. Há inúmeros livros que lemos com gosto, que até relemos, e que começam com primeiras frases que não nos passa pela cabeça recordar. Dizem aquilo que têm a dizer - cumprem a sua obrigação - são frases perfeitamente adequadas ao texto que se segue, mas não são “memoráveis”.
Há primeiras frases, e primeiras frases.
Há uma ou outra primeira frase de que nos recordamos, por gosto pessoal, sem que ela seja, em si, “memorável”.
Há a modesta primeira frase de um livro preferido em criança.”Natal, não é Natal sem o pai, disse Jo” nas “Quatro Raparigas” de Luísa May Alcott
De algumas primeiras frases podemos ter esquecido o texto completo, mas basta ouvir delas as primeiras palavras, e sabemos de imediato de onde vem. São os prelúdios das grandes obras da literatura.
--“Muita coisa de espantar nos é dita em velhas sagas: de heróis de grande fama, de trabalhos sem conta, de alegrias e altos momentos, de lágrimas e lamentos”
A primeira frase do canto dos Nibelungos

--“No meio do caminho em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura, porque a direita via era perdida”,
da Divina Comédia, agora traduzida por Vasco Graça Moura:

--“As armas e os barões assinalados, que da ocidental praia lusitana, por mares nunca antes navegados, passaram ainda além de Topobama”
dos Lusíadas,

--“Estudei, ah! filosofia, juristeria, medicina e, infelizmente, até teologia com firme empenho”
do Fausto, de Goethe

Em outras obras de ficção, talvez tenhamos fixado a primeira frase, pela sua extraordinária afirmação, como sucede em Ana Karenine de Tolstoi
--“Todas as famílias felizes se assemelham, mas as infelizes são cada uma infeliz à sua maneira.”

Algumas primeiras frases marcam de imediato o tom da obra. Em As Três Irmãs de Anton Tchekow é a nostalgia:
--”Foi exactamente há um ano que nosso pai morreu, neste mesmo dia cinco de Maio, o dia do teu aniversário, Irina.”
O mesmo sucede em Brideshead Revisited de Evelyn Waugh
--“Eu já antes aqui tinha estado”

Algumas traçam em uma linha o retrato do principal protagonista da estória:
--“O meu amigo Jacinto nasceu num palácio com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e olival” As Cidades e As Serras Eça de Queiroz

Algumas primeiras frases questionam:
--“Como se chega a esse misterioso arquipélago?” O Arquipélago Gulag A. Solchenitzyne

Em algumas delas, as palavras têm uma certa cadência:
--“Num fim de tarde excepcionalmente quente, em princípios de Julho, um homem novo saiu do sótão onde vivia na praça S. e dirigiu-se lentamente, como que hesitante, em direcção da ponte de K.”
Crime e Castigo Fyodor Dostoiewsky

--“Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor de rosa, trabalhava.” A Ilustre Casa de Ramires Eça de Queiroz
33 palavras em Dostoiewsky, 35 em Eça.

Algumas primeiras frases parecem pequenas para tão grandes obras, e, no entanto...
--“Durante muito tempo deitei-me cedo”
Du Côté de chez Swann” Marcel Proust
--“Era uma noite fria de lua nova”
O Tempo e o Vento Erico Veríssimo

Algumas primeiras frases são irónicas:
“É uma verdade universalmente reconhecida que um homem possuidor de uma boa fortuna tem de estar à procura de mulher”
Orgulho e Preconceito de Jane Austen

Isto, quanto a ficção. A poesia é um caso àparte. Mas também na outra literatura, nas grandes obras de História, nas Memórias, em Biografias, não faltam memoráveis primeiras frases.
--“Como produto do nosso ensino estatal, acabei a escola em 1832 como panteísta, e se não como republicano, em todo o caso com a convicção de que a republica era a forma de governo mais racional, e a reflexão sobre os motivos que levavam milhões de homens a obedecer a um só, enquanto ouvia à gente crescida tantas acerbas ou irónicas críticas aos soberanos.”
Pensamentos e Recordações Otto v. Bismarck

O que todas as primeiras frases que se recordam, que merecem ser lembradas – que são memoráveis - têm em comum, é que todas, de uma ou de outra maneira, dão a entender ao leitor o que o espera na leitura que se segue. E nenhuma memorável primeira frase - seja ela curta ou comprida - tem palavras a mais.
Acho eu. Mas quem sabe se não me podem provar o contrário.
E a sua primeira frase?

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Pequenas escritoras

>> segunda-feira, 8 de dezembro de 2008


15. Pequenas escritoras
Anna Pelizarri tem oito anos, mora em casa diante da minha, e, quando soube que tinha uma vizinha que escrevia, pediu para a conhecer. Quer ser escritora, já escreve estórias, e não está muito segura “quanto a parágrafos”. Conversámos sobre parágrafos e outras coisas que - como escritoras - interessam a ambas. Anna lê muito. Lê naturalmente livros para a sua idade. As estórias de Anna são estórias de criança inspiradas em livros para crianças. É entusiasta da escrita, em uma das suas estórias, “O Universo de Matilde”, ela interrompe a narrativa para escrever: “ADORO ESTA HISTÓRIA!!!!!” Estou convencida que Anna virá a realizar o seu sonho, e ser uma escritora a sério, e muito produtiva.
Anna, escrevendo as suas histórias aos oito anos, lembrou-me Daisy Ashford.
Daisy tinha nove quando escreveu uma estória que intitulou “The Young Visiters” (sic). Daisy confessaria um dia, que, em criança, lia todos os livros que lhe caíam nas mãos. E não só livros de criança. Salta à vista que ela se inspirou em romances para adultos. The Young Visiters é uma história de adultos vistos por uma criança, uma estória que é apreciada, direi mesmo que, só apreciada, por adultos.
Daisy tinha tudo para vir a ser escritora a sério, e no entanto não escreveu mais que The Young Visiters e uma outra estória. Só que o seu livro ficou. As acções dos adultos vistas pelos olhos de Daisy, são de um cómico irresistível. “The Young Visiters” é uma pequena obra prima de humor involuntário.
Terry Rose, neta de Daisy, escreve sobre a avó, que ela nunca pensara ser escritora ”para ela e as irmãs escrever estórias era um entretimento. A sua ‘carreira’ como escritora começou aos 4 anos, quando ditou ao pai “The Life of Father McSwiney” e terminou aos 14 anos com “The Hangman's Daughter”. “The Young Visiters” foi escrito em 1890 quando ela tinha nove anos.”
O livro foi descoberto quando Daisy e as irmãs procediam a uma limpeza da casa depois da morte da mãe. “Encontraram um masso de cadernos e, entre eles, um com The Young Visiters. Acharam a estória tão divertida, que a mandaram a uma amiga doente para a distrair. Esta por sua vez mandou-a a Frank Swinnerton, autor de livros de ficção e leitor para a editora Chatto and Windus. Que decidiu publicar a obrinha.”
JM Barrie, autor de livros para crianças, (entre eles Peter Pan) escreveu o prefácio, “e um público pasmado, não conseguindo acreditar, que uma criança de nove anos tivesse escrito aquilo, assumiu que Barrie é que era o autor. O que resultou em enorme publicididade para o livro. Foi um bestseller, e Daisy, sempre timida e modesta, viu-se obrigada a aparecer e falar sobre o seu livro para provar que o autor era ela e não Barrie.”* Até aqui Terry Rose
*Traduzido de um comentário em Amazon.co.uk para uma edição do livro em 1988.

O livro foi publicado tal como Daisy o escreveu, sem emendar erros de gramática ou de ortografia. A primeira edição do livro é de Maio de 1919, o meu exemplar, encontrado em dia feliz num alfarrabista, data de Agosto desse ano, e é de uma 13ªedição.
Tentarei dar uma ideia do “Young Visiters” .

O protagonista do romance é um Mr. Salteena, que “era um senhor de idade”. Tinha 42 anos. Com ele vivia “uma rapariga bastante nova, chamada Ethel Montecue”. Tinha 17 anos. Um dia Mr. Salteena recebe pelo correio o convite de um senhor chamado Bernard Clark para passar uns dias em sua casa. Que venha e traga também uma rapariga bonita. Juntamente com esse convite vem um embrulho com um chapéu alto para Mr. Salteena usar durante a visita. Mr Salteena fica muito contente com o convite, e escreve de imediato a aceitar: “subiu as escadas muito depressa nas suas gordas pernas, preparou o mata-borrão, fungou duas vezes com força, e isto foi o que escreveu:
Meu caro Bernard, irei com certeza na segunda-feira. Levo Ethel Monticue, geralmente chamada Miss M. É muito activa e bonita. Espero divirtir-me. Gosto muito de cavar no jardim, e sou parcial a senhoras, quando são simpáticas, julgo que é da minha natureza. Não sou bem um gentleman, mas quase não se nota, e de resto não há nada a fazer”.
No dia da partida Mr. Salteena dispensa o ovo ao pequeno almoço, “no caso de enjoar durante a viagem”. No comboio que os leva a casa de Bernard Clark, Mr. Salteena e Ethel debatem a forma de se portarem numa casa como a de Clark. São recebidos por um imponente butler, que os conduz à presença do dono da casa, gentleman muito bem parecido, “um pouco inclinado no meio” que cora ao olhar para Ethel.
Passados uns dias, com pequenos problemas causados pelos caprichos de Ethel, Mr Salteena parte para Londres, para que um amigo de Bernard Clark, o conde de Clinsham, lhe dê lições de como ser mais gentleman.
“Quando Mr. Salteena chegou a Londres começou a passear nas principais ruas e a pensar que alegre que tudo era. Presentement avistou um restaurant (sic) com um homem muito grande à porta. Entrou corajosamente. Era um local sumptuoso todo feito em oiro com bastantes espelhos.” Muitas bonitas senhoras e homens já estavam “degustando comida suculenta e ricos vinhos e whisky” e Mr Salteen tomou um pouco de whisky para ganhar coragem. Depois da refeição, Mr Salteena saiu e um amável policio indicou-lhe onde era o Palacio de Cristal. Chegando finalmente a esse “admirável edifício” Mr. Salteena encontra o conde, que o recebe muito amavelmente:
“--Olá--disse essa amável criatura.
--Olá--respondeu o nosso herói, inclinando-se profundamente,e deixando cair o seu chapéu alto.
--Estou-me dirgindo ao conde de Clincham?-
--Está-o na verdade--respondeu o conde com um sorriso agradável-- e a quem me estou dirigindo, eh?—
O nosso herói inclinou-se de novo
--Alfredo Salteena--disse em voz grave.
--Muito bem-- disse o bom do conde, --em que lhe posso ser útil?”
Mr Salteena explicou que “na verdade não era ninguém de importância, e que não era bem um gentleman, como se costumava dizer”
--Ah, bom, tome um pouco de whisky--disse lord Clinsham, e encheu um copo que tinha a seu lado. Mr Salteena engorgitou-o gratamente.
--Bem, meu bom homem—disse o bondoso conde-- o que eu digo, é que não podemos ser todos do sangue real.”
A conversa prosseguiu, o conde quis saber se Mr. Salteena tinha muito dinheiro, e estava preparado a gastá-lo.
“--Oh, sim, respondeu Mr. Salteena --tenho muito no banco, e tenho 10 libras em oiro aqui no bolso.
--Óptimo, disse o conde.”
É que aquilo ali era dispendioso, explicou, “eram as paragens da aristocracia, e aguentavam-se graças a homens que não queriam ser só
–Se é que me faço entender?
--Oh, perfeitamente --respondeu Mr. Salteena
Pessoalmente, ele até gostava de pessoas que eram só somente, disse sua senhoria, o conde, mas o treino ali era caro, e se Mr Salteena não podia pagar, nada feito.
Mr Salteena poz logo ali dez libras em cima da mesa, que o conde pôs na algibeira,
--Antes que eu o tenha despachado, precisará de 42 libras--disse o conde --mas pode pagar aqui e ali, conforme convenha.
--Oh, obrigada--disse Mr. Salteena
--De nada--disse o conde --e agora vamos a isso.”
Explicou a Mr. Salteena que seria instalado ali mesmo, “num apartamento designado por andar de baixo”, e que, de vez em quando, se “misturaria com ele para um pouco de gramática”, que talvez o levasse a caçar, “e que também tinha ali quantidade de senhoras”, e dava festas a que ele poderia às vezes assistir.
“Os olhos de Mr. Salteena brilharam de excitação
--Vou gostar--gritou
O conde tossio com força.”
Também era preciso que Mr. Salteena escolhesse uma profissão, disse sua senhoria, o conde,
“--Já que a sua instrução depende conforme.
--Poderei eu ser qualquer coisa no palácio de Buckingham?--disse Mr Salteena com olhos a brilhar.
--Bem, não sei bem-- disse o nobre conde--talvez que possa galopar junto da carruagem real, se quer exprimentar.”
Seguem-se mais informações sobre os passos que Mr. Salteena teria de seguir para ser menos e o capítulo termina pouco depois.
“E aqui vou acabar o meu capítulo”, declara Daisy.
Quando o conde de Clinsham entendeu que Mr. Salteena já estava apresentável, levou-o a uma recepção ao palácio de Buckingham.
Antes de entrarem nos salões do palacio, “o conde torceu o bigode, e muito calmamente bateu na perna com a sua luva branca. Mr. Salteena suava profusamente e ajeitou os suspensórios, para estar seguro.”
As portas dos salões abriram-se de para em par, os criados anunciaram em voz alta o nome do conde de Clinsham e do seu amigo.
“O sumptuoso espaço estava cheio de homens de nobre natureza, e de senhoras de todos os tons, com longas caudas e jóias às dúzias. Havia duques por toda a parte, e uma boa porção de príncipes e de arqui-duques, porque era na verdade uma muito sumptuosa recepção.”
O conde e Mr. Salteena conseguiram furar através dos duques e príncipes até chegarem a uma plataforma drapeada de veludo branco. “E aí numa cadeira de ouro estava sentado o príncipe de Gales com um lindo casaco de arminho e uma pequena, mas custosa, coroa na cabeça.”
Houve os cumprimentos da praxe, o príncipe conversou com o conde, e a dada altura declarou que lhe apetecia um calmo copo de champagne.
“--Venha também Clinsham, e traga o seu amigo. Estão a chegar os dipomatas, e eu não estou muito in the mood para conversa profunda, Já assinei doze documentos, por isso já fiz o meu dever.”
Foram para uma pequena sala, onde o príncipe bateu com os dedos numa mesa e logo apareceu um criado a quem ele ordenou que trouxesse champagne
“--E alguns gelados—acrescentou.”
As coisas apareceram “como por mágica”, e o príncipe pegou numa caixa de charutos que passou à volta.
“--Fica-se cansado da vida de corte—observou.
--Ah, sim—concordou o conde.
--Incomoda-me--disse o príncipe, lambendo o seu gelado de morango. --Eu só quero paz e sossego e um pouco de divertimento de vez em quando, e aqui estou preso a esta vida –disse, tirando a coroa da cabeça,-- isto de ser real tem muitos dolorosos inconvenientes
--Na verdade, disse o conde.”
E por aí fora, até que Daisy acha que já é tempo de mudar de assunto
“E agora vamos deixar o nosso herói gozando do seu glimpse de vida na alta roda, e voltar para Ethel Montecue”. escreve.
Ethel ficara em casa de Bernard Clark, e, como era de prever, este declara-lhe o seu amor. A proposta de casamento é especialmente comovente. Ethel desmaia de felicidade quando ouve “as místicas palavras”. Bernard fica muito aflito, e , “pousando a delicada carga na margem do rio, foi encher um copo com o fragrante fluido para a deitar na pálida testa da sua bem amada”
Mr Salteena, sofre de terríveis ciumes quando é informado do noivado de Ethel, mas virá a consolar-se casando com uma criada da casa real, “uma simpática rapariga de 18 anos chamada Bessie Topp, com uma cara redonda e corada e olhos bastante pretuberantes”. De resto realiza a ambição ”que a sua alma implorava”: um emprego em Buckingham Palace. E todos os dias podia ser visto “galopando loucamente atrás da real carruagem, elegantemente vestido de veludo verde”.
Daisy não deixa os seus leitores em dúvida sobre o destino dos seus heróis. Informa-nos que Ethel e Bernard passaram a lua de mel no Egipto. Ethel enjoou um pouco no barco, mas Bernard enfrentou a tempestade em “estilo masculino”, Ethel recuperou quando chegaram ao Egipto “e aqui os deixamos por umas alegres seis semanas de felicidade enquanto regressamos a Inglaterra.”
Os recém casados voltaram da lua de mel com “um filho e herdeiro, um engraçado e gordo rapazinho chamado Ignatius Bernard”, e pelos anos fora nascem-lhes muitos mais flhos.
Mr Salteena também teve uma grande família, dez raparigas e dez rapazes, pelo que a sua casa era bastante barulhenta. A mulher era às vezes um bocado massadora, sobretudo quando o marido sonhava alto com Ethel, e se lamentava de não ter casado com ela. “Mas, enfim, ele era um homem piedoso e consolava-se com a oração-”
Quanto ao nobre conde de Clincham, casara com uma senhora que não era tão bonita como Ethel, mas tinha bonitos pés e bastante dinheiro. Tiveram duas filhas, uma chamava-se Helena, a outra chamava-se “Marie, porque parecia um pouco francesa”. O conde “depressa se cansou das suas doentias filhas, e a sua mulher tinha feroz feitio, e assim ele pensou em divorciá-la e experimentar outra vez, mas depois de várias tentativas, desistiu da ideia, e oferecê-o como mortificação.”
Chegara-se ao fim.
“Por isso agora, meus leitores, vamos nos despedir dos catacteres neste livro.”

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Pequenas escritoras

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"Gabai-vos de ler e cantar bem?"

>> terça-feira, 2 de dezembro de 2008


14. “Gabai-vos de ler e cantar bem?”
Um dia – há muitos anos - publicou-se na secção ‘Cartas dos Leitores’ do hoje desaparecido "O Independente" uma carta, intitulada "Estimado JPC", na qual um grupo de leitores - que assinavam "Club dos Snobs" - ironizava a mania do jovem João Pereira Coutinho de gabar as suas leituras e os seus livros e, juntamente, criticar as patéticas poucas leituras e poucos livros dos ignorantes leitores das suas crónicas.
Senti-me frustrada por outros que não eu terem exprimido tão bem, e com tanta graça, o que eu queria ter escrito e não escrevi. É que também eu muitas vezes me encanitara com aquele jovem que me apontava determinados livros como um must absoluto, considerando ineptos aqueles que porventura não tivessem lido a obra prima por ele recomendada.
O que os autores da carta provavelmente ignoravam, e também eu até há pouco ignorava, é que a bazofia das leituras e o gabar da posse de muitos livros era - em tempos idos - considerado uma das manifestações da soberba e, como tal, era pecado! Verdade. Lê-se no “TRATADO DA CONFIÇOM”*, aquele livrinho impresso em Chaves em 1489, que - até prova em contrário (que fatalmente virá) - é considerado o primeiro livro impresso em Portugal em português.
Os "Tratados de Confissão" eram manuais onde os confessores encontravam as necessárias informações sobre o que era pecado e quais as penitências a aplicar aos fautosos. Ora ao passar os olhos pelo parágrafo que se refere à soberba, constatei que entre as manifestações pecaminosas da soberba está classificado o pecado de nos gabarmos dos nossos livros. Recomendava-se ao confessor que indagasse do seu confessado, se ele, se gabara de "ler e cantar bem", ou de "ter muitos livros e bons". Assim mesmo. Nada de gabarolice.
O mesmo – com outros propósitos - recomendava um inglês do século XVIII a seu filho.
Philip Dormer Stanhope, Lord Chesterfield, vivia na preocupação de incutir ao filho as boas maneiras, e de o precaver contra as pequenas manias que pudessem estragar a impressão favorável que desejava que o jovem Filipe Stanhope produzisse na primeira sociedade. A 22 de Fevereiro de 1748 escreve ao filho :
"Se queres evitar, por um lado a acusação de pedantismo, e, por outro, a suspeita de ignorância, evita a ostentação intelectual. Fala a fala da companhia em que te encontras, fala-a com simplicidade e não a salpiques com qualquer outra. Nunca queiras parecer mais sábio ou mais erudito que a gente com quem te encontras. Usa a tua erudição como o teu relógio, numa algibeira interior."**
*Tratado de Confissom. Fac-simile....Portugalie Monumenta Typographica. Imprensa Nacional. Casa da Moeda. Lisboa 1973
** Lord Chesterfield Letters to his son and others. London. J.M Dent&Sons Ltd


Observações à margem
Também já aconselhei livros e sugeri leituras. É verdade, já o fiz. Mas desisti. Aprendi a não o fazer, quando percebi que, quando a minha filha declarava - e ainda hoje o faz - , “não sei o que hei-de ler”, olhando-me com uma pergunta nos olhos, que a ultima coisa que ela na verdade queria - e quer - era uma sugestão sobre que livro ler. A pergunta estava-se ela fazendo a si mesma, e a resposta encontraria ela. Não aconselho livros, portanto. E não espero conselhos em matéria de leitura. Pior. Não aceito, com a gratidão que todo o conselho bem intencionado merece, que me aconselhem livros. Basta alguém me dizer: “Já leu o livro tal do autor tal? É óptimo, deve lê-lo” para eu estar imediatamente decidida a não ler o livro tal do senhor tal. Por melhor que seja. Pelo menos nos tempos mais próximos. Espírito de contradição? Pura e simples teomosia? Falta de humildade? Terei também eu de me confessar de soberba? Receio que sim. Mea culpa.

Das cartas à minha filha
Lisboa, 15.XI.1997
“........Como já lhe disse pelo telefone, o velho Chiado está ressuscitando, as pessoas estão a voltar. Quando de lá saí pelas 11 e meia não havia um lugar. O público das lojas: não elegante, mas "solid". A "esplanada" do Fernando Pessoa com todas as mesas ocupadas, porque estava um dia lindo, já se vê, mas porque é agradável estar ali. Ou deve ser, nunca lá me sentei. A Bertrand muito concorrida, os vendedores claramente com instruções de "aconselhar" o comprador. A um senhor que saía com um livro sobre as Cruzadas, um dos vendedores veio à porta dizer-lhe que havia também um livro sobre as Cruzadas vistas pelos árabes. O que até nem era despropositado, mas talvez um pouco excesso de zelo, porque o comprador já estava à porta. A outro ouvi "aconselhar" uma jovem leitora. Ela queria um livro - barato - de poesia francesa, e ele informou-a que tinham ali, nos Livres de Poche, as Flores do Mal e ....o Pére Goriot !!! São coisinhas destas que me fazem ganhar o dia”.

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Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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