O cabeçalho

>> segunda-feira, 24 de maio de 2010

O meu computador é ‘topo da gama’. Dizem. Eu não precisava de tanto, mas para o meu caso tinha de ser aquele e não outro. Aceitei o super computador. Carregam-se em duas teclas, e o que era pequeno, passa a ser grande, enorme. É especial para mim, e estou grata a quem o ideou. Penso que foi ‘alguém’, espero que tenha havido ali a mão humana, mas em computadores nunca se sabe. Eles já fazem tudo por si. É normal. Dizem. É normal, que nas Amazon dos diferentes países se lembrem de mim, me escrevam a lembrar a sua existência e me saúdem com simpatia quando volto a aparecer. É normal em computador, não precisa de ninguém para o fazer. E pois normal que ele me proponha livros que estão dentro dos meus hábitos de leitura. Cheguei a Imaginar que uma bibliotecária escolhia para mim os meus livros. Sentia-me lisonjeada pela atenção. Sei já que não é bem assim, que não há ali a mão humana, que é o computador. É normal. Assim como é normal que ele me emende os erros de ortografia. Não porém a pontuação. Não gosta da pontuação. O escritor que se arranje.
O meu computador faz tudo o que fazem os seus colegas e um pouco mais. Tive ocasião de constatar que o meu computador lê os meus pensamentos, que me ajuda espontaneamente em casos de dúvida.
Preparava-me para escrever à minha filha. Escrevi ‘sexta-feira’, e pensei para comigo “dia 19 ou dia 20?” O meu computador sentiu a minha dúvida, e, solícito, escreveu:20 . Era o dia 20.
Aceitei, mas um pouco irritada. Como sabia ele que eu quisera saber o dia do mês? Talvez tivesse querido escrever o dia do Santo, sexta-feira, dia de São João, por exemplo. Mas eu queria de facto a data, e o computador sabia-o. Tudo quanto há de mais normal.
Tive ontem nova prova de solicitude informática.
Estou a preparar para publicação uma série de cartas do século XIX. Vão de 1834 a 1910., e são sobretudo cartas de mulheres. Cartas compiladas e copiadas por mim. Da minha bisavó materna e suas filhas. Mulheres instruídas, cultas, falam dos acontecimentos mundanos, sociais e políticos do dia, discutem-nos. Pareceu-me por isso adequado iniciar as cartas de cada novo ano, com um pequeno resumo dos acontecimentos mais importantes desse ano, com um cabeçalho. Assim, por exemplo:
1853
Em Portugal: Morte de D. Maria II. Regência de D. Fernando II na minoridade de D. Pedro V. Primeiros trabalhos de assentamentos dos caminhos de ferro. Utilização de selos postais.
Sucede que, ao rever agora esse aspecto do – futuro e ainda hipotético - livro, constatei que para o ano de 1869 não havia esse resumo. Virei-me para o lado, e anotei: “1869, falta cabeçalho”. Olho de novo para o ecran, e o que vejo? A observação: “falta o cabeçalho”. Acho demais!

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Um bom romance

>> terça-feira, 18 de maio de 2010

Num destes sábados ‘à hora nobre’ ouvi no segundo canal, as últimas frases de uma conversa da locutora com José Rodrigues dos Santos. Pareceu-me que o assunto fora uma série de dez entrevistas que José Rodrigues dos Santos vai fazer, ou já fez a dez romancistas. A entrevistadora pediu no fim ao seu convidado, que lhe dissesse como definia um ‘bom romance’. José Rodrigues dos Santos respondeu sem hesitar: “um bom romance é uma boa história, bem contada”.
Que simples. Que fácil. Que bom deve ser, pode responder com tanta confiança, tanta firmeza, a tão difícil pergunta.
A definição não é errada, é até óbvia, mas o que nos diz ela? Suponhamos que alguém, talvez a minha filha, me perguntava, como muitas vezes o fez, que tal era o livro – romance – que eu estava lendo.
“Lê-se muito bem, uma óptima história”, responderia, ou talvez: “Gosto. A história é Interessante, e está muito bem contada.” A interlocutora perceberia, que eu estava lendo um ‘bom romance’. Um dos milhares de livros que anualmente são editados, que nos contam bem – com habilidade - uma boa história.
Fosse a resposta à mesma pergunta um pouco diferente, se respondesse, por exemplo: “Um grande livro”, ou “este sim, este vai ficar”, então a minha filha perceberia que, em minha opinião, havia naquele livro qualquer coisa, que fazia dele mais que uma boa leitura, mais do que ‘um bom romance’.
Alguém pode falar de “O Tempo e o Vento” de E. Veríssimo como um bom romance? Ou de “O Pavilhão dos Cancerosos’ de Soljenytsine? Ou de ‘O Primeiro Círculo’ do mesmo autor?
São todos eles boas histórias, bem contadas. Mas não são aquilo que correntemente entendemos por bons romances. O que são é grandes livros.
O que distingue uns dos outros? Dois livros podem ter o mesmo tema, os seus autores podem, um e outro, tratar o tema com grande habilidade, dando-nos uma história bem contada, pode suceder que um dos livros seja só um ‘bom romance’ e o outro seja um ‘grande livro’. Dois exemplos:
‘Kim’ de Kipling e ‘The Far Pavillions’ de T. F. Kaye. O tema é o mesmo, o rapaz inglês que nasce na Índia, e que, por acidente, vive desde criança como hindu e se considera tal, só muito tarde vindo a saber que é inglês. Os dados são os mesmos. ‘The Far Pavillions’, é empolgante. Enorme, lê-se de um fôlego. ‘Kim’ também é empolgante. Mas lê-se mais lentamente. Também queremos saber o que se vai passar na página seguinte, mas temos de saborear página por página. ‘Kim’ é um grande livro.’ The Far Pavillions’ é só um óptimo romance.
Consideremos duas obras mais recentes: ‘O primeiro Círculo ‘ de Soljenytsine e ‘Doutor Jivago’ de Pasternak. O último é um grande romance, o ‘Primeiro Círculo’ é um grande livro.
Quem os lê, sente que são diferentes. Que um deles nos dá mais do que o prazer de uma boa leitura. Porque nos faz sentir e pensar. E admirar.
Observação à margem
O verbo ‘estar’ conjuga-se agora da seguinte forma:
Eu tou
Tu tas
Ele tá
Nós tamos
Vós tais
Eles tão. Não esquecer

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Recordar poemas

>> terça-feira, 11 de maio de 2010

Nos meus tempos de escolaridade, aprendiam-se versos. Aprendi versos em alemão e português, em francês, em inglês. E tínhamos de os recitar. Em festa escolar, era sabido, fazia parte do programa que um aluno recitasse uma poesia. Não nos fez mal.
Sei as primeiras linhas de inúmeras poesias, e muitas sei por inteiro. Gosto de as relembrar e recitar para mim, e agora mais do que nunca, que não as posso ler.
E o gosto não é só de agora. Em viagens de automóvel, ao volant5, sempre recitei para mim. Em voz alta. Poesias fáceis, que não me distraíssem. Confesso que tenho pena das crianças a quem não ensinam versos. Não sabem o que perdem. Porque os versos que se aprendem em criança nunca mais se esquecem por completo. Alguma coisa deles fica, nem que seja só uma estrofe, ou só duas ou três linhas. Um dia vêm-nos à memória, e é uma alegria.
Quando há não muito tempo uma leitura me fez recordar a peça ‘Wallenstein’ de Schiller, veio-me de imediato, sem pensar, a lembrança dos versos que toda a nossa classe, rapazes e raparigas, recitava com entusiasmo, sem sermos obrigados. Para nós, porque gostávamos do ritmo empolgante daqueles versos: “Vamos, camaradas, a cavalo, a cavalo” “Wohlauf, Kameraden. Aufs Pferd, aufs Pferd, ins Feld, in die Freiheit geritten”. E por aí fora.
Há poesias para todas as emoções, todas as impressões, todas as ocasiões. Há poesias alegres e poesias tristes, românticas e realistas, profundas e ligeiras, é só escolher. E lembrar.
A propósito da muito falada crise, lembrei-me da fábula de La Fontaine sobre a cigarra e a formiga. Aprendi-a nas aulas de francês. Em Portugal já não se aprende francês, La Fontaine deve ser pouco conhecido. Não importa. Tenho vontade de recordar ‘La Cigale et la Fourmi’, Acho que vem a propósito a história da cigarra que cantou durante todo o verão sem pensar em juntar qualquer coisa para o inverno. E a laboriosa formiga, que se nega a lhe emprestar, aconselhando-a a dançar, já que passou o verão a cantar. Aqui vai, portanto:
“La clgale, ayant chanté tout l’été,
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue.
Elle alla crier famine
Chez la fourmi, sa voisine,
La priant, de lui prêter
Quelques grains pour subsister
Jusqu’á la saison nouvelle.
La fourmi n’est point préteuse,
C’est lá son moindre défaut.
Que faisiez vous au temps chaud?
Demanda-t-elle à la quéteuse.
Au temps chaud?
Je chantait, ne vous déplaise.
Vous chantiez? J’en suis fort aise.
Et bien, dansez maintenant.

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Biografia ou romance histórico?

>> terça-feira, 4 de maio de 2010

Aos sábados, das 10 da manhã ao meio-dia, há na Antena 1, um programa intitulado ‘Hotel Babilónia’. Nos meus tempos de leitora, não o ouvia, agora, que sou sobretudo auditora, oiço o ’Hotel Babilónia’. Na sua segunda parte, quando os anfitriões, João Goberne e Luís Delgado, conversam com uma convidada. Neste sábado, a conversa foi com Isabel Stilwell, e sobre livros seus. Três livros sobre três rainhas: D.Filipa de Lancastre, D. Catarina de Bragança e D.Amélia de Orléans. Isabel Stilwell narra as suas vidas sob a forma de romance histórico. Uma opção perfeitamente aceitável.
Ora sucede, que em todos os três livros se vê na capa o nome da respectiva rainha e o seu retrato. Vendo isso, o leitor, que pega no livro, pensa naturalmente que se trata da biografia daquela personagem. Foi o meu caso, quando há tempos peguei numa livraria no ‘D.Catarina de Bragança’ da autora. Com curiosidade e simpatia, já que o meu primeiro livro fora a biografia do marquês de Sande, o homem que negociara o casamento daquela infanta portuguesa com Carlos II de Inglaterra, e que depois conduzira a futura rainha, e lhe aturara os maus humores. Abri portanto o livro de Isabel Stilwell, curiosa de ver como ela pegara naquela pouco simpática figura. Abri o livro ao acaso para ter uma ideia. E li, com algum espanto, confesso, como D.Catarina, falando a seu marido, lhe dirige estas palavras: “não me diga, Carlos”. Para já não falar no pouco provável uso de uma expressão que tem muito poucos anos, por alguém do século XVII, era impossível em biografia, onde o discurso directo não existe, a não ser numa citação. Era forçoso concluir que aquele livro, intitulado ‘D.Catarina de Bragança’ e com o retrato da rainha na capa, não era afinal o que parecia ser. Não era uma biografia daquela rainha. Pois não, disseram-me, era um romance histórico.
Agora saiu o ‘D. Amélia de Orléans’, que é, da mesma autora, que, tal como os dois livros precedentes, é um romance histórico. Que tal como estes, aparenta ser - pela capa e título - uma biografia.
Tratando-se de um romance histórioco, ou seja de um romance, no qual aquela senhora é evocada de forma lúdica, então isso devia ser percebido. Por exemplo, dando-lhe um título deste tipo: ‘Uma Orléans?’ Já que aquela rainha de Portugal ainda sofria do estigma de ser uma Orléans, dava-se a entender que o livro trataria de D. Amélia, mas ninguém pensaria estar a comprar uma biografia da rainha.
Uma ninharia, dirão. Não é. O editor está a atrair o público com um engano literário. E o engano é duplo. Está oferecendo uma coisa que não é o que a capa e o título prometem, e leva o leitor menos conhecedor a pensar que uma biografia se escreve em forma de romance histórico. Tudo vale para vender livros? Assim é, pelos vistos.

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Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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