“Digamos”

>> segunda-feira, 22 de novembro de 2010

“Digamos”
A crise económica deu novas vedetas à TV: os economistas. E com eles uma agradável novidade, ouve-se um bom português. Esses senhores sabem o que uma vírgula em sítio errado pode produzir, têm tanto cuidado com as palavras como com os números. É um prazer ouvi-los e um agradável contraste com as outras vedetas. Auditora atenta notei que na sua fala raras vezes se ouviam “digamos”, “na medida de” e o “significativamente” caros aos políticos e seus comentadores. Há dias um Secretário de Estado usou em pouco espaço de tempo por seis vezes a expressão “digamos”.
Nada já é “assim ou assado”, é, “digamos assim ou assado”. E tudo o que se faz, ou que sucede, é feito ou sucede “na mediada que”. E nada é simplesmente grande ou pequeno, ou um pouco maior ou um pouco mais pequeno. Agora é”significativamente” maior ou mais pequeno, ou melhor, ou pior.
Também notei que os economistas, honra lhes seja, usam o verbo “estar” na sua inteireza. Não se lhes ouve o “tá bem” e “tamos bem”, que hoje se ouve da boca de políticos do governo e fora dele.

Antes de haver TV falava-se provavelmente igualmente mal. Mas não se ouvia. Agora ouve-se. O problema é esse.

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Editoras

>> segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O primeiro livro de ficção que apresentei – timidamente – a uma editora foi “ As Casas da Celeste”. Disseram-me muito simpaticamente, que, caso se tratasse de um livro inglês – ou outra língua que não o português – que o podiam publicar, mas assim, não.
Um amigo que acreditava no livro decidiu mostrá-lo a outra editora.
- Não o podemos publicar. Bem vê – O meu amigo viu.
No livro um camarada, do qual se troça ligeiramente. Pouquíssimo, comparado com outras figuras, mas o bastante para incomodar o “partido”.
O livro foi depois publicado e não incomodou ninguém. As razões das editoras para aceitar ou rejeitar um livro nem sempre são compreendidas pelos autores. Experimentei-o recentemente, de novo. Perguntei à minha editora se estava interessada num livro sobre a sociedade aristocrata portuguesa no séc. XIX, baseado na correspondência de uma senhora dessa sociedade e suas filhas. De 1834 a 1911.
- Muito interessadas, mas queriam ver primeiro um apanhado. Achei justíssimo. Mandei logo um apanhado.
Resposta – Que lamentavam, mas que não interessava porque” não tinha pessoas conhecidas”. Considerando que aquelas senhoras eram mulheres cultas, que liam os jornais de toda as cores, que se interessavam vivamente por política, que por laços familiares estavam ligadas a muitas das figuras políticas da sua sociedade, que conheciam pessoalmente e contactavam com as figuras régias , e que sobre elas escreviam, e as comentavam, e que no índice onomástico se nomeiam 390 nomes de políticos de esquerda e direita, de rainhas e reis, de várias nacionalidades, de pintores e escritores, não sei que nomes conhecidos do séc. XIX, possam faltar. A editora lá saberá.

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Também isto é Europa

>> segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estávamos sentadas à mesa da cozinha a cortar peras para compota.
Ela é russa, e vem de vez em quando substituir uma amiga ucraniana, que trabalha para mim -
Foi casada com um búlgaro, e agora namora um português. Eu sou filha de uma portuguesa e um alemão, o meu marido era português e a minha filha é casada com um italiano.
Falámos de instrução. - A minha mãe foi ensinada pela minha avó – disse ela.
-Porquê? - perguntei,
-Sabe o que é Gulag ?
-Sei, tive lá um primo - respondi.
- Nos da Sibéria?
- Sim - respondi.
-Um português, perguntou ela, espantada.
-Não. Um alemão
-Ah, E voltou?
-Depois de dez anos apareceu.
-O meu avô não voltou - disse ela - Era professor. A minha avó esperou, esperou, mas ele não voltou. Como ela tinha o marido no Gulag, a filha não podia ir à escola e foi a minha avó que a ensinou. Foi uma grande mulher, a minha avó.
Tive um irmão na frente leste. Tive primos do lado alemão que lá ficaram. Mas aquele que esteve no Gulag, não era meu parente pelo lado paterno. Descendia de uma prima da minha avó que casara com um alemão-nunca esqueceu a sua longínqua ascendência portuguesa.
Entre milhões de outros houve também um prisioneiro de sangue português em um dos campos do Gulag.
Também isto é Europa

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Sobre este blogue

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