Uma carta de criança

>> segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Pareceu-me que devia incluir algumas cartas de criança no livro de correspondência familiar que pretendo publicar. Uma delas é a de um rapaz de quatorze anos chamado João. Era filho de João Ferrão de Catello Branco e de D. Maria Rita Saldanha da Gama. Quando estes morrem João e seus irmãos deixam Paris e a casa apalaçada nos Campos Elysios onde tinham nascido e vêm para Portugal. Irão viver primeiro com a avó materna, a velha condessa da Ponte na sua casa, em Santo Amaro, e depois em casa própria na rua de São José. Como eram meninos ricos iriam estudar em casa. Para as línguas, o inglês e o francês já tinham professores: Miss Macky e Monsieur Richard tinham vindo de Paris com os seus alunos. Mas muito estava por combinar e João escreve sobre isso a seu tio António, irmão de sua mãe, que estava em Paris a tratar de assuntos das crianças.
João começa por se queixar de só ter recebido do tio uma carta muito curta, mas perdoa-lhe considerando que ele está em Paris por causa deles. Espera ansioso pela chegada do tio por várias razões. Porque tem vontade de o abraçar e porque precisa do tio para se aconselhar com ele sobre várias matérias e em particular sobre a escolha de uma carreira: “O tio conhece o meu gosto pela Marinha. Ainda não passou, mas ao mesmo tempo, considerando o mau estado desta em Portugal. E todas as reflexões (bem fundadas) que me foram feitas a esse respeito, fazem-me muito indeciso, e hesitar em entrar para esse corps. Quando se vê que só há um vaisseau em mau estado, duas ou três fragatas, o mesmo número de corvetas e alguns bricks, é o suficiente para desencantar a pessoa mais entusiasta. Por outro lado, a única perspectiva que se me oferece, e que toda a gente me aconselha, é de ir para Coimbra, coisa que não me sorri nada. Aconselham-me a não seguir a carreira militar, toda a gente a desaconselha, e de resto não conheço ninguém melhor do que o tio para me informar a esse respeito. Já conheço a sua opinião: a carreira judicial. Não tenho o mínimo gosto por ela, ou antes, tenho-lhe uma verdadeira aversão. Enfim, meu tio, não sei que escolha fazer. Espero que me ajude quando cá estiver. Conto com isso. Também não quero ficar muito tempo sem nada fazer. O meu maior desejo, e aquele que nutro há muito tempo, é de ser útil ao meu país de alguma maneira, e talvez também de aquérir alguma glória. Não me critique por isso. Creio que toda a gente – ou quase toda – tem esse desejo, e o tio se calhar também não se livra dele. O tio não pode imaginar como eu amo Portugal, a minha pátria. Estremeço quando oiço o nome daqueles que a ilustraram, e é este amor da minha pátria que me dá o desejo de me parecer com eles. É impossível exprimir o praque que senti, quando vim para cá, e avistei a costa de Portugal.
Disse-lhe os meus principais pensamentos, pensemos agora um pouco nas minhas ocupações. O tio já deve saber que tenho o Mr. Richard como professor de francês. Gosto muito dele e ensina muito bem. Por quanto não tenho outros mestres, mas a avó (a velha condessa da Ponte) está à procura de um professor de latim e um de português. Para primeira língua tentei provavelmente o senhor Santos, que dava lições a José Rio Maior e agora dá ao Manuel Ponte. Deve vir falar com a avó, mas ainda não veio. É verdade que Miss Macky e Monsieur Richard nos dão a fazer para nos ocupar o dia inteiro. Não me queixo, mas tenho pena de não ter nem um momento para escrever.”
Gostasse ou não em 1857 foi para Coimbra, iniciando aí os seus estudos e a sua carreira de aventuras quixotescas. Quando um ano depois apareceu em Coimbra o senhor Portevici com o seu balão, o nosso rapaz ofereceu-se para participar numa demonstração, o que fez, sendo ele assim, como se lê em “Portugueses Ilustres”, o primeiro português a subir à estratosfera. Coimbra aplaudiu o “popular estudante”, mas a família foi menos apreciativa. Quando constou que o menino saíra de Coimbra e se preparava para oferecer os seus serviços ao general Prim na sua campanha no Norte de África os tutores mandaram ordens para a fronteira para que o prendessem. João passou disfarçado de criado de outro viajante.
É óbvio que as coisas não ficaram por aqui, mas isso é outra história.

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Plano Nacional de Leitura

>> segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Em Agosto do ano passado o meu livro “Junia ou a Justiça de Trajano” foi um de dois livros de ficção portuguesa recente recomendado pelo Plano Nacional de Leitura. Fui informada do facto pela editora do livro. Perguntei o que isso significava. Responderam :“É que vai ficar”. Há, todos nós leitores o sabemos, livros que marcam de imediato, que sobem muito alto, mas não ‘ficam’. O Plano Nacional de Leitura decidiu, o que só lhe posso agradecer, que o meu “Junia ou a Justiça de Trajano” vai ficar.
A decisão deu-se em Agosto, fui ver que outros livros ‘ficavam’. Vi-me entre DostoievsKy, Miguel Torga, e não me achei nada mal acompanhada. Não são só os muito grandes e os grandes que ficam, há também entre os menos grandes livros que têm qualidade para ficar. O acento está na qualidade. É a sua qualidade, a sua seriedade que faz durar um livro. Que o Plano Nacional de Leitura tenha reconhecido qualidade e seriedade a este meu livro foi, e é, para mim uma grande satisfação.

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Sobre este blogue

Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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