Entre 1531-33, o superior da Ordem de Cister, dom Edmé de Seaulieu, abade de Claraval,
realizou uma visita às casas cistercienses de Espanha e Portugal. O secretário
do abade, frei Claude Bonseval anotava
diariamente os acidentes da viagem, os caminhos percorridos, as hospedarias
onde se instalavam, e, sobretudo, a situação dos mosteiros que visitavam. O
texto desse seu diário de viagem foi recentemente traduzido do latim para
francês, e publicado sob o título de ‘Peregrinatio Hispanico’. Neste nosso caso,
o livro é de grande interesse pelo que nele se lê sobre a situação religiosa e
moral em alguns mosteiros femininos portugueses.
A preocupação
de reforma monástica, que, a partir de meados do séc. XV e princípios de XVI,
se deu um pouco por toda a Europa, tinha razões de ser. Reinava a
irreligiosidade e imoralidade em muitos mosteiros, preocupando tanto as
autoridades religiosas como civis. Em Portugal, tanto D. Manuel, e, depois
dele, D. João III desejaram, e apoiaram os esforços de reforma de alguns dos
mosteiros. No caso de D. Manuel, não houve mais que o natural interesse pelo
assunto, mas o filho dedicou-se-lhe pessoal e activamente com bispos por ele
escolhidos. Certo que ele e os bispos portugueses resolveriam os problemas, a
vinda a Portugal de um francês, superior da poderosa ordem de Cister, com
pretensões de autonomia em relação aos mosteiros portugueses da sua Ordem, irritou
D. João III, e haveria, como se verá, acesas disputas até que o superior de
Cister recebesse a autorização real para efectuar a visitação.
Dom
Edmé chegou a Portugal em
princípios de Junho de 1532, tendo previamente visitado os mosteiros de
Espanha. O seu séquito compunha-se do dito secretário, Claude de Bronseval, de um padre, de homens para tratar dos cavalos
ou mulas, e, como era sabido que na maior parte das
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Porto idade média |
hospedarias de Espanha e
Portugal não se podia contar com comida, os visitadores traziam consigo um cozinheiro,
um ‘marmiton’, para lhes preparar a
comida. Entraram em Portugal pelo Norte, vindos da Galiza, e fizeram a primeira
primeira paragem em terra portuguesa em Caminha. O único sítio em Portugal onde
a Abade e o seu séquito ficaram bem albergados, escreveria depois o secretário.
Decentemente deitados e copiosamente alimentados, escreve frei Claude, com bom
peixe, e os seus cavalos bem instalados numa excelente cavalariça. Dali em
diante as coisas seriam bem diferentes, uma instalação pior que a outra. Em
Viana do Castelo uma hospedaria pequena e nojenta, ‘dégoutante’. O Porto deixou-lhes má impressão, mal servidos de
comida e de camas: ‘lamentablement
traités, logés et couchés’.
A população da cidade era rude, pouco polida,‘très rustre et très dure, dépourvue d’urbanité.’ Escreve frei
Claude. Tinham ido à Sé, onde não puderam entrar, sendo corridos a pau por um
rustre barbudo que os correu como a
cães, ‘ nous fit sortir comme un chien
avec un baton”.
Do Porto a Lisboa encontraram maus caminhos, piores alojamentos e
comida. Chegados à Azambuja, Dom Edmé
mandou o secretário a Lisboa para lhes preparar instalação. Frei Claude não poupa a capital do
reino.
Materialmente, escreve ele, Lisboa era sem dúvida uma cidade
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Lisboa |
florescente. Mas quanto ao resto: “recetáculo de Judeus, ama de quantidade de
Indianos, jaula de filhos d’Agar, depósito de mercadoria, fornalha de
usurários, estábulo de luxúria, caos de avareza, montanha de orgulho, e porto
seguro para franceses fugidos da justiça”.
A custo conseguia-se uma instalação razoável, e pouco depois da
chegada de Dom Edmé, veio-lhes recado da abadessa de Odivelas. A abadessa fora
informada da chegada do Abade, e mandava-lhes um grande saco de alimentos. Que
fora recebido e usado com acções de graça e alegria, segundo frei Claude:
Dom Edmé visitara o Rei, a Rainha, o Cardeal-infante D. Henrique e
os outros príncipes, e começara as diligências para a Visitação com um discurso
pronunciado perante o rei. Falara das dificuldades que durante anos tinham
impedido a visita dos abades de Claraval aos mosteiros da sua Ordem em
Portugal, e dissera-se esperançoso de obter agora, da boa vontade de Sua
Majestade, o consentimento para realizar a visita
D. João ouvira pacientemente o discurso, dissera no fim, por
intermédio de mestre Francisco de Melo, seu intérprete, que iria ler as cartas
que o Abade trazia e pensar no assunto. Seguiram-se avanços e recuos, promessas
dadas e retiradas da parte do Rei, ameaças de partida da parte do Abade, e, por
fim, a desejada autorização de visitação fora concedida.
No dia 5 de Agosto, com a autorização, se bem que ainda
provisória, do Rei, o Abade e o seu séquito põem-se a caminho de Odivelas,
primeiro mosteiro a visitar.
‘Deixámos Lisboa,
libertados daquela prisão e daquela fornalha’, escreve Frei Claude. O caminho para Odivelas era largo, fácil de percorrer,
agradável, entre campos de oliveiras e de vinhas. À porta do mosteiro foram
recebidos pela abadessa, acompanhada de setenta monjas e de catorze irmãs
conversas,’ todas em boa ordem, com a cruz e a água benta’. Dona Abadessa
aproximara-se do Abade, abrira os braços - ‘que a idade tornava pesados’ - e,
de lágrimas nos olhos, dissera em voz alta: ‘Bendito seja aquele que vem em
nome do Senhor’. Abraçou Monsenhor e dera-lhe a cruz
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Cozinha de Odivelas |
a beijar. A visitação
procederia de princípio ao fim em perfeita ordem. Frei Claude só tem que gabar.
Tinham passado do claustro ao coro inferior. Logo que aí terminarem os
cânticos, Monsenhor dera a bênção solene, e passaram à Sala do Capítulo, onde
foi lida a acta de visitação. A monja que a leu fizera-o na perfeição:
‘Impossível ler, acentuar e exprimir-se melhor. Monsenhor fizera uma admirável
alocução às monjas, e, acompanhado da abadessa, da prioresa e da sacristã,
examinara os objectos de culto e as instalações da Ordem.’
Os visitadores ainda assistiram nesse dia à missa, celebrada com
grande solenidade, e bom canto. ‘Fiquei feliz por ouvir, neste rabo do mundo,
um conjunto tão perfeito’, comenta frei Claude. Nos dias seguintes, Monsenhor
continuara a visita e, no dia 8, fez ler em Capítulo a Acta da visitação. A
abadessa e as religiosas receberam-na como se viesse do Céu”. No dia 9, o Abade
e seu séquito regressaram a Lisboa, de onde lhes viera recado que el-rei D.
João decidira alargar a visitação a mosteiros que não eram de Cister. Devendo
essa visita começar pelo mosteiro de Almoster.
Almoster era uma prioridade. Em 1522, pouco depois da sua ascensão
ao trono, D. João III, que já ideava a reforma dos mosteiros, encarregara o
bispo de Tripoli, D. Francisco da Fonseca, de fazer a visitação a esse mosteiro,
e o Bispo ficara horrorizado com o que vira: administração desastrosa, total
falta de disciplina. De moral, o melhor da falta dela, era melhor não falar. As
religiosas tinham sido convidadas a responder a nove questões essenciais: sobre
a forma como se rezavam os ofícios, sobre a regularidade das comunhões e
confissões, sobre o cumprimento do silêncio nos claustros, sobre os
dormitórios, sobre a castidade e honestidade que reinava entre elas, sobre a
forma como a porteira cumpria o seu ofício, e, finalmente, sobre a autoridade
da abadessa: se a prelada era firme, e se fazia obedecer. As respostas tinham
sido muito pouco edificantes.
Quanto à regular reza dos ofícios, as religiosas tinham sido
unânimes em dizer que naquele ano não os tinham cantado como deviam. Umas
diziam que não o tinham podido fazer por o ano ter sido estéril, e elas terem
sido obrigadas a trabalhar de suas mãos para se alimentarem, não tendo portanto
tido tempo para cantar os ofícios. Outras diziam que não os tinham cantado
devido ao barulho causado pelas obras que então se faziam no mosteiro.
Questionadas sobre as comunhões e confissões, e se o faziam regularmente, a
resposta da maioria fora que não se confessavam nem comungavam regularmente. À
pergunta sobre o silêncio nos claustros, se este se guardava, as respostas
tinham sido explícitas: ‘que não se guarda em nenhum lugar’ , ‘que não se
guarda mais que na rua’. E nos dormitórios? Cumpriam-se as regras? Dormia cada
uma em seu leito e todas no dormitório? Respostas: ‘que quanto era ao dormir no
dormitório, que dona Guiomar de Albuquerque e dona Isabel da Cunha dormiam
ambas fora do dormitório em uma cama’, e o mesmo fazia Antónia Freire com
Filipa da Cunha sua irmã. Uma das inquiridas acrescentou que dona Guiomar era
muito soberba e fazia desunião entre as monjas. A opinião era partilhada:
‘muito odiosa’, diziam umas, ‘odiosa porque desonra as monjas deste mosteiro e
poucas há com que já não pelejou’. Ela e dona Isabel da Cunha faziam
feitiçarias, afirmavam outras.
Curiosamente, essa dona Guiomar quem ao ser questionada, mais
pugna pela reformação do mosteiro. Respondera ao questionário, que a abadessa
era ‘espiritual e boa’, mas demasiado velha. Precisava duma assistente, duma
‘regedor’, que a ajudasse a corrigir a casa. E o que tinham as donas a dizer a
castidade e honestidade das religiosas? Nomearam-se algumas religiosas de
notória má fama. Uma delas, de nome Brites Pinto, emprenhara de Gaspar Dias,
Prior de Arrifana, e tivera seu filho no mosteiro. Sobre a forma como a
porteira cumpria o seu ofício, as respostas também tinham sido pouco
abonatórias: que não cuidava da sua porta como devia, ‘deixa receber e dar
qualquer coisa e fia a porta a uma moça’. As únicas que se tinham pronunciado a
seu favor eram aquelas a quem as suas companheiras justamente acusavam de se
servir da porteira para receber e mandar cartas, e até para receberem os seus
namorados.
Quanto à autoridade da abadessa, questionadas se ela era firme e
se fazia obedecer: ‘É velha e faz tudo quanto pode para fazer bem’, diziam
umas, ‘mas precisaria de uma ‘regedor’ que a ajudasse ‘por sua doença e velhice
e frouxidão’, ‘que lhe parecia que era necessária outra regedor por sua
fraqueza e já não dar pelas coisas da ordem’, diziam outras. E uma sua
sobrinha, dona Ana da Cunha, respondera que, quanto a ela, lhe parecia que sua
tia era ‘fraca e remissa em seu ofício’.
O bispo de Tripoli, o visitador de então, ralhara, castigara,
introduzira algumas reformas, mas, a avaliar pelo que o Abade de Claraval, dez
anos depois, lá iria encontrar, o resultado fora nulo.
D. João, tão adverso à presença do abade de Claraval, não devia
ter mudado de ideias a esse respeito, mas parecia conciliado com a presença de
Edmé, esperando provavelmente, que este, com a sua reconhecida autoridade e, o
que era vital, com a sua independência em relação aos familiares das monjas e
abadessa do mosteiro, conseguisse aquilo que um visitador português não
conseguira: pôr ordem naquela casa.
Munido de carta do rei para a abadessa, Dom Edmé partiu para Almoster. Saiu de Lisboa com os seus homens a
13 de Agosto, tinham passado por Loures, São Julião do Tojal, Alverca.
Almoçaram em Vila Franca de Xira. Em tão boa hospedaria, anotou sarcasticamente
o secretário, que não havia lume para cozinhar, e que tiveram de almoçar de
figos, peras e uvas. De ali, seguiram caminho, passaram pela Castanheira, e foram
dormir a Azambuja. Deitados no chão, elucida frei Claude.
No dia seguinte, o secretário acompanhado do monge de Alcobaça,
que agora fazia parte da comitiva, tinham ido à frente para anunciar no
mosteiro a próxima chegada de Dom Edmé.
Frei
Claude descreve o trajecto. Ele e
o seu acompanhante partiram de madrugada, pela fresca, atravessaram terras
férteis, mas incultas, e chegaram a um pequeno vale, que conduzia ao mosteiro.
Deixaram os cavalos na aldeia contígua, e seguiram a pé, anunciar à Abadessa a
vinda do Abade Claraval. A senhora ficara perturbada: ‘e todo Jerusalém com
ela’, escreve Frei Claude,
parafraseando uma frase bíblica. Era compressível. Uma visitação do severo e
poderoso Abade de Claraval não apetecia A abadessa, dona Catarina de Meneses, era
irmã do conde de Linhares e tia do marquês de Vila Real. Tinha tal orgulho na
sua parentela, que desprezava todas as outras abadessas, escreve Frei Claude. Quanto a visitações, não
precisava delas, dizia a senhora. Pessoa como ela, não lhe devia estar sujeita
a visitação. Foram precisas duas insistentes visitas do secretário para que a
abadessa se dignasse receber Dom Edmé
para um primeiro encontro, prelúdio de uma luta que duraria quase um mês. Nem
as cartas do rei, que o Abade lhe mostrou, conseguiam convencer dona Catarina.
Receava fazer coisa contrária aos direitos de Sua Alteza e do Cardeal Infante,
dizia ela. Ao que o Abade retorquira que, antes de el-rei, do cardeal, e de ele
e ela estarem no mundo, já aquele mosteiro era casa de São Bernardo, e filha de
Claraval. E que assim seria quando todos eles estivessem apodrecendo sob a de
terra.
As abadessas eram obrigadas a cuidar do sustento dos visitadores,
e, em geral, elas esmeravam-se na quantidade e qualidade das iguarias que
forneciam àqueles hóspedes. A abadessa de Almoster parecia apostada em fazer o
contrário. Esperando provavelmente afastar pela fome a incómoda visita. A única
coisa que viera do mosteiro para a primeira refeição do Abade e sua comitiva,
fota constituída por pão, dois ovos, pêras e uvas. Quando o criado do Abade
fora ao mosteiro reclamar, trouxera um pouco de vinho, e tão mau, que ninguém o
bebera.
A dada altura chegou reforço na pessoa de um padre que o Cardeal
Infante enviara para ajudar Dom Edmé. O padre foi ao mosteiro, e, em nome do
Cardeal, ameaçou as monjas de usar de força, caso elas não obedecessem a
Monsenhor. Não convenceu. A abadessa opunha-se a tudo que o Abade propunha, e
as religiosas, seguras do apoio da sua prelada, mangavam do visitador. Uma das
monjas declarou que tinha um rescrito apostólico, e que tencionava servir-se
dele para não seguir o que o Visitador lhes quisesse impor. Quando o Abade
conseguiu finalmente penetrar no mosteiro, uma das monjas fingiu-se louca,
conta frei Cluade. Só se curara do
ataque de loucura quando o Abade lhe mandou dar a disciplina.
Dom
Edmé conclui-o que a única forma
de resolver aquilo era tirando dali algumas das monjas, transferindo-as para
outros mosteiros, e deu ordem nesse sentido. A partida das exiladas foi
tumultuosa. Uma das monjas que tinha uma amiga entre elas, berrava como se lhe
arrancassem o coração, quando a viu de partida. Depois ensaiou bêlements de carneiro, e por fim,
resolveu relinchar como um burro. Só se calara quando Monsenhor ameaçara de a
mandar para Arouca, escreve frei Claude. Arouca,
como se verá adiante, tinha uma abadessa muito severa, o que devia ser sabido
no mundo monástico. Isto feito Dom Edmé
decidiu ir a Lisboa para falar directamente com o rei, e, a 31 de Agosto, dava
conta a D. João do que se
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Convento de Almoster |
passara em Almoster. Em sua opinião as coisas
só entrariam na ordem se saísse de lá a abadessa. “Senhora tão apta a governar
um mosteiro como um monge a governar um império”, dizia o Abade. O rei
concordava, mas havia que ter em conta a poderosa família da senhora. O marquês
de Vila Real e o conde de Linhares, queriam evitar o escândalo da saída da tia
e irmã por ordem superior. Soube-se, que um padre no qual o Abade confiara,
atiçava em segredo os nobres parentes de dona abadessa contra Dom Edmé. Reuniões sucediam a reuniões.
Até que, a 24 de Setembro, se chegou a um acordo. Enviar-se-ia um emissário a
Almoster, com a missão de ‘docemente’, convencer Dona Catarina a deixar o
mosteiro.
O rei, que tão relutantemente concedera o direito de visitação ao
Superior de Cister, conciliado com aquele visitador, que se conseguira impor
até às insubordinadas de Almoster, encarregou Dom Edmé de nova tarefa, visitação do mosteiro de São Bento de
Castris, junto de Évora, outro caso de notória imoralidade e de indisciplina. Dom Edmé não tinha sobre esse mosteiro a
autoridade que tinha sobre os mosteiros da sua Ordem, mas aceitou o encargo.
Um primeiro exame do que se passava nesse mosteiro já fora feito
por tal doutor Mangano, a quem D. João nomeara para o efeito. O inquiridor descobrira
tantas personagens da Corte gravemente implicadas no que lá se passava, que não
quisera entregar o resultado da sua tarefa sem ter apagado o nome dos
implicados: ‘para que as suas numerosas e graves faltas não fossem conhecidas’,
escreve frei Claude. Precaução
inútil, acrescenta ele. Os mesmos nomes e as mesmas acções, iriam ficar
registadas na inquirição que se seguira.
Dom Edmé chegou a Évora a 13 de Outubro. Aí ficou - mal instalado
como sempre -, e, no dia seguinte, dirigiu-se ao dito mosteiro de São Bento de
Castris. O qual, ‘verdade ou não’, escreve o Secretário, era tido então pelo
mais mal-afamado de todo o país.
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Claustro de São Bento de Cástris
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Dom Edmé fora recebido por abadessa e religiosas ‘aparentemente’, escreve
Frei Claude, ‘com grande humildade’
Até houvera lágrimas durante a alocução do Abade: ‘Não sei se de alegria, se de
dor’, comenta o mesmo. Monsenhor visitara a igreja, que encontrara em miserável
estado. Ócio dos enfermos era coisa que não existia, a sacristia estava
dividida em duas partes, uma era destinada às vestes sacerdotais, que estavam
acomodadas como ‘tripas secas no mercado’. A outra parte da sacristia servia de
dispensa. Guardavam-se lá alimentos de toda a sorte, tinha uma chaminé onde se
penduravam presuntos. Todo o resto, condizia. A inquirição à abadessa e
religiosas foi agitada. Estava o Abade procedendo à inquirição de uma das
monjas, quando ouviu um grande grito, foi ver do que se tratava, era a
abadessa, que fingia estar a morrer. Monsenhor ‘conhecendo bem a malícia
feminina, trovejara tão forte e tão alto, que dera a saúde á semi-moribunda, e
enxotara com o seu vozeirão as monjas que assistiam ao espetáculo. Que se
repetiu dias depois, com a abadessa fingindo-se novamente doente.
As actas daquela visitação ficaram em Portugal, informa frei Claude, porque o que nelas se lia
era mau demais para que se pudesse levar para fora do reino. ‘Trinta e três
homens, quase todos cortesãos, estavam implicados’ .
Ao visitar em seguida os mosteiros femininos de Arouca e de Lorvão
da sua Ordem, Dom Edmé teve
finalmente alguma coisa a louvar.
A Lorvão chegou o abade a 8 de Dezembro vindo de Salzedas.
Atravessara a serra do Bussaco, avistando do alto o mosteiro de Lorvão:
‘situada entre duas assustadoras serras, local horrível e de absoluta solidão’,
escreve Frei Claude.
Por caminhos que só permitiam ir a pé, Monsenhor chegara em meia
hora de descida ao ‘muito piedoso mosteiro de Lorvão’ onde foi recebido em
procissão pela abadessa e as suas monjas, e onde a visita revelou um mosteiro
do qual não tivera que se queixar, que pudera mesmo louvar.
Frei Claude não costumava poupar as
críticas, como se viu. Se fala de Lorvão como um muito piedoso mosteiro, era
porque de facto assim era. Ora seria justamente contra Lorvão, que D. João III,
no prosseguimento dos seus esforços de reforma, mais se empenharia. Foi um
muito curioso episódio, do qual se trata a seguir.
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