Livros de ferias
>> segunda-feira, 27 de outubro de 2008
4. Livros de férias
Há períodos do ano em que os media se ocupam mais particularmente com as leituras dos seus conterrâneos.
Com os primeiros calores, é sabido: nos jornais aparecem inteligentes sugestões para as leituras de férias, e os leitores entrevistados confessam-se unanimemente desejosos de ler naquele verão aquele ou aqueles livros que – por absoluta falta de tempo - não leram durante o ano. Dom Quixote, À Procura do Tempo Perdido (os dois primeiros volumes, pelo menos), Guerra e Paz, quem sabe se não algum filósofo, vão ser lidos em casas de praia e de quinta, em hotéis de estâncias balneares, e talvez nas praias de Cuba e do México. As livrarias devem ficar desfalcadas de exemplares dos grandes clássicos.
Este ano não se fugiu à regra. No ‘Publico’ de 1 de Agosto, em duas paginas de texto rodeado de imagens de livros voltejando qual borboletas tontas de sol, temos a divertida confissão de Alexandra Lucas Coelho: “O Verão de tudo que nunca li”. A autora questiona-se: “Quando é que lemos o que nunca lemos? Vale a pena ler a Odisseia sem ter ido à Grécia? E ir à Grécia sem ter lido a Odisseia? Temos tempo para acabar o Proust? E quando é que dançamos?” A autora julga já ter lido “Madame Bovary”. Interroga-se: “mas é possível lê-la só uma vez?” Respondo-lhe: --para meu gosto, uma vez chega. Quanto à questão da Grécia e da Odisseia. Estou razoavelmente certa que dos milhares (ou milhões?) de turistas que anualmente procuram as águas azuis e as praias brancas da Hélade, só uma ínfima parte se preparou para essa estadia com uma leitura da Odisseia. Também não se espera dos frequentadores do verão algarvio que tenham lido os Lusíadas.
No mesmo dia 1 de Agosto, e no mesmo jornal, outro articulista se preocupava com as leituras de férias, e recomendava que naquele período não se lesse só ficção. Propunha “meia dúzia de livros recentes, verdadeiramente de não-ficção, que poderão alimentar o espírito nesta época estival.”
Os veraneantes, alguns já na estrada à saída dos jornais, possivelmente só abrem o Publico no primeiro local de descanso –desculpem, de abastecimento. Dão com essa recomendação de “Livros para férias”, e ficam em sobressalto. E eles que se tinham esquecido de levar livros, bom, compra-se qualquer coisa na Praia da Rocha, em Lagos, em Faro.
Confesso que tenho uma certa pena do veraneante de poucas leituras. Espera-se dele que leia no seu mês de férias o que nunca teve vontade de ler em todo o ano. Espera-se dele, que “aproveite” as férias para se cultivar, lendo livros que “lhe alimentem o espírito”. Exige-se dele aquilo que mesmo o mais lido dos veraneantes na sua maioria não faz. É verdade que no saco de livros sem o qual o verdadeiro leitor não viaja, há uma boa porção de obras escolhidas. E, no entanto, quanta dessa literatura de valor não sai do saco, quanta não é vencida pela irresistível chamada de gordos bestsellers vendidos nos quiosques de jornais à mistura com as ultimas revistas e artigos de protecção solar.
Enquanto os leitores que lêem muito, se deliciam sem complexos com ficção de aventura, de suspense, com bons policiais, até, quem sabe, se não com um arrepiante livro de terror, o veraneante não leitor sofre dolorosos rebates de consciência – quem sabe se não fica stressado – se não lê coisa importante, de valor, se não “alimenta o espírito”. Uma das vantagens de alguém ser grande leitor é o de não se sentir na obrigação de ler livros ‘importantes’ nas férias.
Observações à margem
No antigamente, quando em mares longínquos ainda havia ilhas perdidas sem complexos turísticos, fazia-se por cá periodicamente um pequeno jogo literário, no qual se perguntava a certos leitores, que livros gostariam de lá ter, no caso de se verem na necessidade de viver numa ilha deserta. Não me lembro como era suposto os leitores irem parar à ilha, se vítimas de naufrágio, se por gosto próprio. O importante era ser ilha, e deserta. Desejosos de mostrar os seus requintados gostos, os futuros Robinsons ou ermitãos faziam escolhas sublimes, ao desafio a ver quem se mostrava literariamente mais à altura. Também tive a honra de ser questionada, e, também brilhei com literatices. Já então, as férias, inclusive aquela forma muito especial de férias, que são os naufrágios em ilhas desertas, eram supostas requerer livros “bons”.
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O que dizem outros
“Para muito gente, um dos pontos altos no planear das férias....... é o firme propósito de ler nesses dias um ou outro livro “bom”. Há até quem tenha uma determinada obra em vista, por exemplo aquele livro em que, no decorrer do ano, já pegara várias vezes, que começara a ler, e que depois de algumas páginas largara, já que os livros “bons” nem sempre são os mais palpitantes..................
Há decerto muita gente que regressa das férias não só descansada, como enriquecida pela leitura de obras de qualidade. Por outro lado há grandes obstáculos entre as férias e a boa leitura. A coisa começa logo com o fazer das malas. Encaixar na mala à última hora as “Afinidades electivas” de Goethe, ou a linda carteira encarnada? A decisão nem sempre é a favor da obra do grande poeta”.*
* von der Mehden, Heilwig Schoen ist es auch anderswo (m/trad)
E outros
“Por isso, recusar as férias como um tempo de leituras, é a solução mais sensata; ler todo o ano, sobretudo no Verão, ou não. Sobretudo recusar a obrigação de ler isto ou aquilo, nesta ou naquela altura. Ler apenas. Enriquecer o ócio. O cálcio necessário para o intelecto. Produzir.” (Sérgio Lavos no blog ARTE DE LER Domingo, 3 de Agosto 2008)
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Mais observações à margem
O comercio é mais realista do que a imprensa, sabe que há que fornecer ao veraneante qualquer coisa menos substancial do que só livros para “formar o espírito”. A Amazon. de (alemã) propõe um sem número de livros para férias, e pela amostra que percorri é tudo espuma ligeira, e até muito ligeira. A Amazon fr só cita livros de vacances juvenis, ou por nem sequer pôr a hipótese dos pais das crianças lerem em férias, ou, pelo contrario, por saber que, sendo franceses, e portanto portadores do facho da cultura, monsieur e madame Dupont só irão ler livros de grande qualidade, que não cabem na categoria de livros de férias. Quanto aos americanos recomenda-se-lhes como muito útil para aproveitarem os seus 14 dias de férias a leitura do livro On Holiday do prof. Orvar Lofgren. “Students of culture, emotions, industry, modernity, and transnationalism will profit and take pleasure from embarking On Holiday with Oliver Lofgren”
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