Camões e Vasco Fernandes Homem
>> segunda-feira, 12 de março de 2012
Resta a questão de quando e como o retrato de Camões teria entrado na posse do Dr. Gregório Mascarenhas Homem. No verso do retrato lê-se que este fora “do próprio”. Sendo assim, é lógico concluir ter sido o próprio quem dispôs do seu retrato. Também me parece lógico pensar que o tenha dado, ou vendido, a alguém da família do Dr. Gregório. Resta procurar prova, ou indício, de ter havido ligação entre Camões e alguém da referida família. Creio que houve a dada altura ligação, talvez só informal, mas não menos real.
Vasco Fernandes Homem, avô do Dr. Gregório, e Luís de Camões eram contemporâneos. Os dois estiveram em Goa quando do governo de Francisco Barreto, e
aí podem ter-se encontrado, mas onde se encontraram forçosamente foi em Moçambique no ano de 1569.
Segundo se lê na ‘Pedatura Lusitana’, Vasco Fernandes Homem foi com Francisco Barreto à conquista, ou exploração de Monopotapa, o lendário reino ao Sul do Zambeze, de cuja riqueza aurífera se contavam maravilhas. A coisa fora decidida em princípios de 1569 ou fins de 68, sendo Francisco Barreto nomeado para comandar a expedição. Abaixo dele ia Vasco Fernandes Homem, e as instruções eram, como subsequentemente se soube, que ele sucedesse a Francisco Barreto em caso de morte deste.
Em Abril de 1569 saem de Lisboa três naus com rumo a Moçambique e a Monopotapa. Ventos contrários deitam duas das naus, entre elas aquela em que ia Francisco Barreto, para o outro lado do Atlântico, indo parar ao Brasil. A nau de Vasco Fernandes manteve a rota, e, em Junho aportou a Moçambique. Nesse mesmo ano, em Fevereiro, tinha saído de Goa, de volta a Portugal, a armada do vice rei D. Antão de Noronha. A armada não conseguira dobrar o Cabo, e tivera de procurar abrigo em Moçambique. Quando lá chegou já não trazia o vice-rei, que morrera pouco antes de se avistarem as ilhas de Angoxe. Quem o relata é Diogo de Couto, que vinha nessa armada, e estava nela em Moçambique quando Vasco Fernandes Homem lá chega no mês de Julho.
Couto escreve que Vasco Fernandes ficara era Moçambique à espera de Francisco Barreto, sem o qual não queria iniciar a exploração de Monopotapa.
A ilha e fortaleza de Moçambique eram então comandadas por Pedro Barreto. Este resolvera largar o governo e regressar a Portugal ao saber que seu parente Francisco Barreto fora escolhido por cima dele para ir a Monopotapa. Com esta decisão Vasco Fernandes Homem ficava sendo a primeira, ou pelo menos, caso Pedro Barreto só largasse o governo no momento da partida, a segunda autoridade em Moçambique.
Sempre segundo Couto, quando ele chegara naquele ano de 1569 a Moçambique encontrar a lá “aquele príncipe dos poetas do seu tempo, meu matalote e amigo Luís de Camões, tão pobre, que comia de amigos, e, para se embarcar para o reino lhe ajuntámos os amigos toda a roupa, e houve mister, e não lhe faltou quem lhe desse de comer”. Temos pois Luís de Camões e Vasco Fernandes ao mesmo tempo, no mesmo local; e não em cidade grande, onde podiam não se ter encontrado. Na pequena fortaleza de Moçambique, os contactos eram forçosos. Até porque Camões necessitaria de contactar as autoridades para regressar ao Reino. E estas eram então Pero Barreto e Vasco Fernandes, ou este só.
Há quem afirme que Camões esteve preso em Moçambique por ordem do mesmo Pedro Barreto, e se assim foi, ser-lhe-ia duplamente necessária a influência de Vasco Fernandes para conseguir a vinda para Portugal na armada desse ano. Talvez lhe tenha dado o retrato em sinal de gratidão, ou em pagamento de serviço prestado. São conjeturas. Sem uma prova documental não se pode afirmar que foi por Vasco Fernandes, que o retrato veio parar às mãos de seu neto. Não fiz mais pesquisas, porque tinha na altura outra coisa em mão, e ninguém parecia interessado naquele Camões desbragado .
Sei no entanto o que há a fazer em matéria de pesquisa documental para apurar se Gregório Homem obteve o retrato por herança. A secção “ Testamentária”, na Torre do Tombo é como o nome indica uma coleção de testamentos e de inventários de bens feitos em caso dos herdeiros serem menores. O que era frequente em época de vidas curtas e arriscadas. Os documentos estão classificados pelo primeiro nome do testador. É possível que se encontrem os testamentos de Estevão Homem ou de Vasco Fernandes, e, se tivessem tido, um ou outro, filhos menores, pode haver inventário dos seus bens e menção – ou não – do retrato de Camões. Maçador? Com certeza. De duvidoso resultado? Sem dúvida. Melhor esquecer aquele Camões, e recordar o outro, elegante, sorridente, que nos saúda de livros e monumentos?
É uma opção.
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