Reconhecimento
Em 1970, pouco depois da publicação do meu primeiro livro ‘Vida do
Marquês de Sande’, fui contactada pelo Dr. Eduardo Bravão, diretor da Imprensa
Nacional, com a sugestão que escrevesse um livro da minha escolha para a
Imprensa Nacional. Prometi pensar, mas outros projetos se meteram pelo meio.
Escrevi outros livros. Alguns anos depois o Dr. Ruben Andersen Leitão, sucessor
de Eduardo Brasão na Imprensa Nacional, repetiu a sugestão que aquele fizera.
Respondi que gostaria de escrever sobre os mosteiros medievais femininos em
Portugal. Mas seria um projecto pessoal. Impossível prender-me a datas ou
formas. E assim sucedeu. Mas o livro não teria existido sem a confiança de dois
homens, que então só me conheciam através de um único livro. Eduardo e Ruben já
não são deste mundo, já não lhes posso dizer o meu reconhecimento. Dedico o
livro à sua memória.
Sucede que o
Professor Dr. Veríssimo Serrão estava presente quando da minha conversa com o
Ruben. Ouviu-nos em silêncio, mas no fim, eu já estava à porta, disse-me: “Um
conselho. Foque-se num só mosteiro.” Segui o conselho. Obrigada, Professor
Veríssimo Serrão.
Introdução
Este livro é baseado em
documentos originais e tem por fim mostrar como era, na Idade Média, a vida num
mosteiro feminino. Sempre gostei de escrever uma introdução aos meus livros,
mas neste caso a particular de ter sido escrito depois de terminar o livro. É
que realizei então que havia neste caso muito a explicar. Tratando-se de livro
histórico, seria normalmente lido por quem se interessa por história, e que tem
alguns conhecimentos sobre dados da escrita histórica. Mas alguém que leia o
livro pela simples curiosidade do que fosse a vida num grande mosteiro, que
talvez lhe tenha vindo essa curiosidade por viver perto do que fora um deles,
talvez em Arouca, em Odivelas, talvez em Lorvão, ali onde a memória de um
mosteiro ainda se conserva. É para estes hipotéticos leitores que escrevo esta
Introdução.
Saber ‘história’ não é
preciso. Pode ser uma médica, um extraordinário engenheiro, e de história não
saber mais do que aquilo que aprendeu na escola. Espera-se deles, que saibam os
factos básicos da história do seu país. E não lhes fica mal se souber que houve
esta ou aquela guerra, este ou aquele grande homem. Aquilo que o ocupa, é o
presente não o passado. Acontece porem, que outro homem, outra mulher, gente
perfeitamente normal também, tenha a particularidade de se interessar pelo
passado, de ter esse curioso gosto de querer saber ‘como as coisas na verdade
eram’ em dada ocasião do passado. E que esses homens ou essas mulheres não só
queiram saber os factos, mas o porquê e o como deles. Procuraram ler o que se
escreveu sobre o assunto que os interessa.
Se não encontra resposta que os satisfaça em um livro procuram-na em outro, e
se, para isso tiverem tempo, lazer e algumas bases, talvez procurem solução
própria ao assunto que os interessa e intriga. Sucedeu-me a mim em várias
ocasiões. Foi por querer saber como fora a sua vida de soldado e de diplomata
da Restauração que escrevi a ‘Vida do Marquês de Sande’, foi por querer saber
como tinham sido os primeiros anos dos Portugueses na Índia que escrevi ‘a Rota
da Pimenta’. Em um e outro caso procurei elucidar-me com a leitura sobre aquilo
que outros tinham apurado e escrito sobre os assuntos que me interessavam. Mas
as bases dos dois livros foram as fontes contemporâneas, as cartas, os relatos
pessoais, os contratos firmados entre partes, foram os documentos da vida
daquela particular pessoa, no caso do Marquês de Sande, e daqueles particulares
acontecimentos no livro sobre os portugueses na Índia. É que, para de alguma
forma reconstituir o passado, e escrever sobre este, há que ir às fontes.
Imaginemos
que, daqui a mil anos, no ano 3015 alguém queira saber como eram as coisas no
nosso tempo, há mil anos dele. Procurará testemunhos deste tempo. Pode haver
poucos. Ponhamos o caso de uma destruição maciça, talvez o impacto de uma guerra
nuclear ter provocado inimagináveis destruições. Mas se, entretanto não tiver
havido um cataclismo, o pesquisador encontra nos nossos livros, nos nossos
discos, testemunhos de como nós Homens e Mulheres de 2015 eramos. Os discos, os
filmes, os livros serão os seus documentos. Ele terá talvez esquecido como se
escrevia na nossa época, tentará reaprende-lo, e decerto conseguirá. E com o que ler nos documentos,
reconstituirá o passado. Satisfaz a sua curiosidade. Se o resultado lhe parecer
de interesse vai partilha-lo, vai dizer a outros como as coisas eram. No caso
deste livro assim foi que procurei fazer. A minha história começa em 1221.
Procurei saber como eram as coisas há mil anos, tinha
curiosidade de saber como era a vida das monjas em um mosteiro medieval.
O monasterio, o cenóbio
de dez a doze homens reunidos sob o mesmo teto em oração, penitência e trabalho
foi ideado por homens para homens. Fazendo sua a ideia, algumas mulheres formaram
por sua vez pequenos cenóbios. Que não tiveram história. A história dos
mosteiros femininos começa quando a sociedade civil se serve dos mosteiros para
seus fins, quando cenóbios de doze mulheres vocacionadas para uma vida de
oração, se foram transformando em mosteiros, reunindo sob o mesmo teto mulheres
com muita, pouca e nenhuma vocação para a vida em religião.
Os mosteiros femininos foram-se adaptando à nova realidade, uns
com melhores, outros com piores resultados. Estudei com apaixonado interesse os
arquivos de grandes e pequenos conventos e mosteiros. Escrevi um primeiro livro
a partir desse estudo. Deixei-o por muitos anos na gaveta, como antigamente se
dizia. Reescrevi agora esse primeiro texto. Na primeira versão, talvez por
estar muito próxima daquilo que lera nos arquivos, não resistira a comentários próprios.
Cortei-os agora. História não é como nós achamos que devia ser, e não se
escreve sobre um tema histórico dizendo aos leitores o que nós pensamos, e o
que eles devem pensar sobre aquilo que se passara séculos atrás. Dei pois uma
nova forma à apresentação do texto, deixei falar os documentos por si. Espero
que um ou outro leitor tenha gosto em os analisar para si. Que talvez diga para
consigo, como eu tantas vezes disse: “Ah, então era assim que a coisa se
passava, que a coisa era.”
(continua)
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