Em l211 - pouco antes da conclusão do ‘negócio’ de Lorvão - dá-se a
morte de D.Sancho I, e o seu testamento iria complicar a vida de D.Teresa,
impedindo-a de se dedicar de imediato e directamente, como de outra forma
decerto o teria feito, ao mosteiro de que era a novel padroeira. O testamento
de D. Sancho seria contestado pelo seu sucessor, alegando o novo rei, e com
alguma razão, que seu pai favorecera exageradamente as suas irmãs, com
disposições que o prejudicavam a ele, e, consequentemente, ao Reino. Forte das
suas razões, D. Afonso II não se mostrava disposto a largar mão das vilas e
terras que seu pai destinara às Infantas. Estas, decididas a defender o que
consideravam seus legítimos direitos, pegaram em armas contra o irmão.
A luta que então
se acendeu duraria mais de dez anos. D.Teresa e D. Sancha, provavelmente
levando consigo sua irmã mais nova, D.Branca, e a filha de D.Teresa, que viera
de Leão com a mãe, deslocavam-se ao sabor dos incidentes da contenda, vendo-se
D. Teresa obrigada a delegar em outrem a administração do seu mosteiro de
Lorvão.
Alguns autores dizem que de início fora
uma laica, uma aia da Rainha, quem administrara o mosteiro nesse primeiro tempo,
outros autores afirmam que houvera uma primeira abadessa, de nome Goda. Em
história monástica não se deve ignorar uma tradição oral, e creio que se podem
conjugar as duas tradições. A primeira abadessa não foi uma D.Goda, isso está
provado por documentos, mas é muito provável que tenha existido uma senhora
desse nome, muito possivelmente aia da Rainha, a quem esta confiou o mosteiro
enquanto não encontrava uma abadessa adequada. O que não tardou
Em l213 há
comprovadamente uma abadessa em Lorvão. Chama-se Vierna ou Ivierna - nome que
não se encontra em nenhuma família portuguesa coeva - e foi decerto muito
cuidadosamente escolhida pela Rainha padroeira. Teria de ser de grande competência e
autoridade a mulher que iria tomar conta dum mosteiro que durante séculos fora
de homens e dirigido por abades que haviam deixado a sua marca na vida
religiosa, cultural e económica da região conimbricense. É fácil de imaginar
com que desconfiança os vizinhos de Lorvão - grandes e pequenos - olhariam para
a primeira cabeça feminina daquele mosteiro.
Obrigatoriamente, portanto, a primeira abadessa de Lorvão teria de
ser uma mulher que convencesse, que se impusesse como pessoa e como
administradora, com competência e autoridade para dirigir material e
religiosamente o grande mosteiro. Caber-lhe-ia ainda uma missão especial, a de
instruir as monjas beneditinas que estavam em Lorvão, nos usos e costumes da
sua nova Ordem. A primeira abadessa teria portanto de ser alguém que estivesse
a par dos usos de Cister. Em Portugal, Lorvão seria o primeiro mosteiro de
religiosas cistercienses. Em Espanha existiam já alguns, e um deles era o
mosteiro de Gradefes, que nascera em 1168 junto da capital leonesa. Fora
fundado por Teresa Peres, uma viúva rica que seria a primeira abadessa do seu
mosteiro.
A infanta D. Teresa, enquanto rainha de Leão, tivera forçosamente
contactos com o mosteiro e a sua fundadora. Ora é sabido, que a infanta
portuguesa não deixou, mesmo depois de separada, de comunicar com o seu
ex-marido. Que teve fidalgos leoneses a ajudá-la contra seu irmão. Era natural,
portanto, que ela tivesse procurado em Leão, e mais particularmente em
Gradefes, uma mulher competente para ser a primeira abadessa de Lorvão. O nome
Vierna, ou Ivierna, é indubitavelmente espanhol, e a abadessa que encontramos
em Lorvão com esse nome veio quase com certeza de Espanha, e de Leão.
Para coadjuvar a
abadessa foi nomeado um monge. Aquele que é provavelmente o primeiro contrato
firmado por dona Vierna, encontra-se menção de um ‘irmão Garcia’, o qual, como
vicário, garantia o contrato. De ali em diante, haverá sempre um religioso
encarregado de certos aspectos da administração do mosteiro. Em l213, esse
administrador era designado por ‘vicarius’, em l218 encontrámo-lo com a
designação de ‘comendador’, e, gradualmente, estabelecer-se-ia a designação de
‘procurador’ para o servidor masculino que se ocupava mais particularmente da
administração externa do mosteiro.
Temos pois o
mosteiro de Lorvão vivendo sob o governo de uma primeira abadessa, e esta sendo
coadjuvada na administração por um vigário. D.Teresa podia estar sossegada
quanto ao mosteiro. No entanto, apesar das suas ocupações bélicas - ela e as
irmãs em acesa luta com o rei seu irmão - D. Teresa não descurou as suas
obrigações como padroeira de Lorvão. O indispensável contacto do mosteiro com a
cúria romana foi estabelecido cedo, e certamente por D.Teresa. Há uma bula
expedida de Roma no ano de 1213, na qual, em evidente resposta a um pedido, se
ameaçava com excomunhão todos aqueles que atacassem ou violassem os privilégios
da ordem de Cister, e, naquele caso particular, do mosteiro de Lorvão sob a
referida Ordem.
A protecção do
Papa era muito necessária naquela ocasião. É que Cister estava a braços com uma
verdadeira avalanche de vocações e fundações femininas, e a Ordem, muito longe
de se congratular com tanta profusão, tentava eximir-se à obrigação de zelar
por novos mosteiros de mulheres. No capítulo geral dos cistercienses de 1212,
já se tinham ouvido queixas contra certos mosteiros femininos, que, no intuito
de terem maiores facilidades pastorais, se tinham instalado demasiado perto de
mosteiros de homens. Também houvera severos reparos quanto à liberdade de
movimentos que as novas religiosas se arrogavam, afirmando-se no Capítulo, que
a clausura não era devidamente guardada e respeitada pelas monjas. Em virtude
de estas e de outras queixas, a Ordem iria ao ponto de decidir, em 1228, que no
futuro não aceitaria a incorporação de novos mosteiros de mulheres. Só a
influência do Papa conseguiria por vezes superar essa decisão.
D. Teresa mostrara estar bem consciente da tendência anti feminina
que imperava em Cister quando procurou de imediato a protecção de Roma para o
seu mosteiro. A ligação de Lorvão com a Santa Sé seria duradoira. Mesmo mais
tarde, e apesar do mosteiro se encontrar directamente filiado a Claraval, a
casa mãe da Ordem de Cister, seria sobretudo em Roma que as abadessas de Lorvão
procuravam conselho e solução para os seus problemas.
Mas isso é olhar para o
futuro. De 1211 a 1223 os contactos do mosteiro com o exterior devem ter sido
reduzidíssimos. Lorvão foi nesses anos um mosteiro onde pairava a dúvida, com o
seu futuro dependendo da sorte da guerra que se travava entre a sua padroeira e
o rei. Era forçosamente então um mosteiro unicamente dedicado à devoção, e,
quem sabe se não foi naqueles anos que as monjas de Lorvão viveram os momentos
mais recolhidos da sua existência, conjugando-se a natural devoção dos
primeiros anos de fundação com o forçado isolamento em que o mosteiro se
encontrava.
As visitas de
seculares, tão prejudiciais ao recato da vida monástica, seriam forçosamente
pouco frequentes. O mosteiro estava em local muito isolado, e a incerteza dos
caminhos em tempo de guerra não convidava a deslocações. Constata-se que os
emprazamentos de terras e as compras e vendas que traziam muita gente ao
mosteiro, transacções que tinham sido tão frequentes em Lorvão no tempo dos
monges e o seriam de novo depois de 1223, que essas transacções praticamente
não existiram enquanto durou a guerra entre D. Afonso II e as irmãs, a ameaça
dum ataque devendo ter pairado constantemente sobre aquele mosteiro isolado.
Não seria decerto isso que impedira a
padroeira de residir lá. Ela encontrava-se sempre nos locais de maior perigo,
mas as suas terras e castelos, mais directamente ameaçados, exigiam
prioritariamente a sua presença. Nesses anos de luta entre irmãos, D. Teresa e
D.Sancha devem portanto ter visitado muito pouco o mosteiro. As monjas de
Lorvão não podiam ser a primeira das suas preocupações. Aliás de D. Sancha
nunca o seriam. O seu empenhamento religioso foi totalmente diferente do de sua
irmã mais velha. Enquanto essa foi comprovadamente
sempre, e só, uma adepta fervorosa da ordem de Cisterenquanto D. Sancha
protegeria dois outros movimentos religiosos: os mais avançados do seu tempo.
Foi ela quem acolheu na sua vila de Alenquer os primeiros frades franciscanos
vindos de Assis para Portugal, e foi ela quem se interessou activamente pelas
mulheres que pretendiam viver santamente e em pobreza, mas sem se submeterem a
uma determinada ordem religiosa. Ora 'religião' e 'ordo' tinham na época
sentido praticamente idêntico, e fora sempre um princípio basilar da Curia
Romana, que aquilo a que se chamava vida religiosas, a entrega total de alguém
a essa vida, ‘se processasse obedecendo a determinadas regras e a uma ordenação
fixa para poder existir no seio da Igreja’. Um movimento de mulheres que não
queriam Ordem e Regra, cheirava perigosamente a herético. Poderia até ter sido
declarado como tal, se não fosse o movimento ir ao encontro de aspirações
latentes na sociedade, e de ter encontrado um eloquente defensor na pessoa do
francês Jacques de Vitry. Em 1216, Vitry obteria autorização papal para que
certas mulheres pudessem livremente viver em comum, ‘exortando-se umas às
outras e fortificando-se por meio de recomendações mútuas’. O movimento das
mulheres independentes em religião, das 'beguinas', instalou-se, e espalhou-se
rapidamente por toda a Europa.
Em
Portugal, o movimento das enceladas ou inclusas, como se designavam
popularmente aquelas mulheres vivendo agrupadas em pequenas celas - no fundo em
pequenas casas próprias - surgiu primeiro em Alenquer. Era uma vila que ficara
praticamente despovoada depois da reconquista cristã, e onde D. Sancho I fixara
gente vinda de Renânia e de Flandres, e se um movimento como o das mulheres
santas, ou 'beguinas' , tinha que nascer em Portugal, era em Alenquer, com a
sua população de origem germânica, o sítio onde se podia esperar que isso
sucedesse. É difícil fixar exactamente a data em que se formou o primeiro grupo
de enceladas. Possivelmente já existiam em embrião quando D. Sancha herdou a
vila de Alenquer, e firmar-se-iam subsequentemente com o seu apoio. Ou talvez
só lá se tivessem firmado verdadeiramente após 1216, quando o aval do Papa
permitiu a sua existência legal dentro da igreja.
Encontra-se
contudo documentada uma primeira doação às celas de Alenquer em Novembro de
1211. Nessa data, a infanta D. Sancha dá parte do seu reguengo de Alenquer, e
ainda duas outras terras suas à igreja de Santa Maria das Celas de Alenquer,
portanto à igreja que iria servir as enceladas. Essa doação é acrescentada em Dezembro
desse ano com outra: uma azenha com todos os seus pertences junto da ponte nova
da vila. Ambas as doações foram feitas com a aprovação da rainha D. Teresa, e
ambos os instrumentos de doação foram selados com os selos das duas irmãs. As
duas transacções, e, particularmente, a primeira, foram testemunhadas por
numerosas testemunhas, sinal de que se tratava duma doação à qual a doadora
pretendia dar grande relevo. Entre os leigos que assistiram ao acto
encontram-se pelo menos dois homens cujos nomes apontam para a sua ascendência
franca. São eles ‘Johanes Rolan e Duran de Mozela’ ou seja ‘Johannes Roland e Duran von der Mosel.
De Alenquer, D.
Sancha levou a ideia dum agrupamento de celas para Coimbra. Em Julho de 1222,
estando então com sua irmã em Montemor-o-Velho, a Infanta doou duas azenhas no
local que se chamava Guimarães – Vimaranes – ‘às celas de Santa Maria que estão
junto de Coimbra’, para a obra das ditas celas e em honra de Santa Maria.
A partir daquela
data sucedem-se a um ritmo acelerado as doações para sustentar as inclusas das
celas, e isto não só por parte da infanta, como por parte de senhores da
vizinhança, desejosos de lhe agradar. Davam-se vinhas, olivais, terras de semeadura,
para as ‘celas domne regine Sancha’.
Foi a sua primeira designação, o nome evoluiu, acabando por se fixar em ‘Celas
de Santa Maria de Guimarães junto a Coimbra’.Tal como o fizera em Alenquer, D.
Sancha mandou edificar uma igreja junto das celas, e já em Janeiro de 1223
existia autorização do bispo de Coimbra para que na igreja se rezassem os
ofícios divinos. Em Agosto desse ano, a igreja era dotada com a terça parte da
vila de Aveiro, uma aquisição recente de D. Sancha.
Com igreja e terras
próprias, as celas de Coimbra estavam pois, em princípios de 1223, legalmente
estabelecidas e já razoavelmente dotadas, e a sua situação material ainda
melhoraria consideravelmente depois da morte de D. Afonso II, quando D. Sancha
pode dispor de todos os seus bens.
O rei morreu em Março
de 1223, e foi com o seu filho mais velho e sucessor, um rapaz com cerca de
quinze anos, com quem as irmãs do falecido rei D.Afonso iriam resolver o
litígio nascido com o testamento de D. Sancho I. Era palpável que as coisas tinham
mudado com a morte de D. Afonso II. Era visível até na escolha do local onde se
realizariam as conversações. Montemor-o-Velho, onde tias e sobrinho se
encontrariam, era símbolo da defesa dos direitos das infantas, e mostraria a
quem o quisesse ver, que o novo rei não ia tratar com vencidas.
O número e a qualidade
das testemunhas que subscreveram o tratado, que veio a sair daquela reunião, são elucidativos. O rei apresentou-se com toda a sua corte. O
‘maior domus curiae’, o primeiro senhor da Corte, era então D. Pedro Anes. Ele
lá estava. Presente também D. João Mendo, "signifer", alferes mor do
rei. Presentes também o Arcebispo de Braga com o tesoureiro mor da sua Sé e seu
capelão. Presentes altos dignatários das igrejas do Porto, de Lisboa e de
Coimbra.
É sabido que
grande parte do clero tomara parte pelas infantas contra D. Afonso II, pelo que
alguns dos prelados que testemunharam aquelas pazes deviam ali estar por essas
princesas. Outros porém estavam presentes porque faziam parte da administração do
reino.
Toda esta gente teve de se instalar em Montemor, distribuindo-se
fidalgos, cavaleiros, prelados, escrivães e sua criadagem pelas casas
existentes, enquanto se armavam tendas nos arrabaldes da vila para aqueles que
não encontravam lugar debaixo de telhado. Era o arraial que se armava sempre
que a corte pousava e, na opinião de alguns contemporâneos, a vida nestes paços
ambulantes era um verdadeiro inferno.
À falta de adequada descrição dessas situações por cronista
português coevo, temos as informações que nos são dadas por um francês, o
diácono Pedro de Blois, em uma das suas cartas, sobre a vida numa corte em
andanças em fins do século XIII. O diácono fala do cansaço daquelas deslocações da corte, dos
incómodos que lhe eram inerentes, com a comida preparada à pressa com produtos
muitas vezes deteriorados pelo calor e pelas dificuldades do transporte, com o
vinho estragado, o pão mal cozido, os criados do rei ávidos de gratificações,
‘aduladores sabujos, estorcionadores sem escrúpulos, infernais nas suas
exigências, ingratos para com aqueles de quem recebiam, maltratando os que se
negavam a dar e dar cada vez mais’. Pior que tudo isso, segundo o narrador, era
a incerteza quanto à duração das estadias da corte em cada local. Sucedia, por
exemplo, que o rei decidisse ficar durante algum tempo em certo local. Os
arautas proclamavam a intenção do monarca, a notícia espalhava-se, o séquito do
rei instalava-se. "Pois podeis ter a certeza, escreve Pedro de Blois, que
o rei partirá afinal na madrugada seguinte, desfazendo todas as
expectativas". Todos tinham de se precipitar, até os que tinham decidido
fazer uma sangria ou tomar uma purga se punham a caminho. Partindo no meio do
tratamento, arriscando a saúde. ‘Vereis os homens correrem como doidos de um
lado para o outro, as mulas empurrando as outras mulas, os carros esbarrando
com outros carros, um verdadeiro pandemónio’. Podia também suceder o contrário,
podia suceder que o rei declarasse a sua intenção de não se demorar, de partir
no dia seguinte de madrugada. ‘Pois podeis ter a certeza, escreve o mesmo
narrador, que o rei mudará de propósito e ficará na cama até ao meio dia’. E lá
se ficavam as mulas com as suas cargas esperando pacientemente, os carros
parados, os carreiros dormitando, os mercadores que seguiam a corte em ansiosa
expectativa"1
A corte dos reis
portugueses em andanças não devia diferir grandemente da dos seus congéneres
franceses, e quando D. Sancho II e suas tias se encontraram em Montemor para
tratar das pazes reinava lá provavelmente igual ou maior confusão do que aquela
que foi descrita por Pedro de Blois.
As infantas, essas, há anos que tinham a
sua residência praticamente estabelecida em Montemor. Possivelmente também se
tinha fixado lá comitiva daquelas senhoras. E toda essa gente lá devia ter
alojamentos mais ou menos fixos. Haveria os clérigos, conhecedores de latim,
para lhes rezar as missas e escrever as cartas. Já tinham porém começado a
surgir letrados leigos, e um ou outro lá estaria. Presentes com certeza também
cavaleiros das ordens religiosas e militares, Templários e Sapatários, a quem
tantas vezes encontramos testemunhando as escrituras e os contratos feitos
pelas duas senhoras.
Quem comprovadamente esteve presente em
Montemor nessa ocasião foi a abadessa de Lorvão. O tratado de paz firmado entre
as Infantas e seu sobrinho contemplaria Lorvão de forma notável. O mosteiro viu
o seu património aumentado e valorizado com uma aquisição de vulto: a vila da
Esgueira. Devido aos jejuns e abstinências que obrigavam a uma alimentação onde
o peixe primava, era importantíssimo para todo e qualquer mosteiro, sobretudo
para um mosteiro grande, ter a garantia de um fornecimento regular de peixe.
Ora Esgueira era um porto piscatório, situava-se a distância relativamente
curta de Lorvão.
Esgueira fora doada por D. Sancho I a sua
filha D. Teresa, e, em Montemor, ficou acordado que a vila pertenceria em suas
vidas a D. Teresa e sua irmã D. Branca, que esta usufruiria dos rendimentos da
vila se sobrevivesse a sua irmã, e que, depois da morte de ambas, a vila
passaria definitivamente para a posse do mosteiro de Santa Maria de Lorvão.Este acordo seria ligeiramente alterado na
reunião de Montemor. D. Branca acordou com a abadessa de Lorvão que, no caso de
ela, D. Branca, sobreviver a sua irmã e ficar com o usufruto da vila, que
cederia esse direito a Lorvão contra o pagamento de 300 morabitinos por parte
do mosteiro. Caso na ocasião o mosteiro não estivesse em condições de fazer
esse pagamento, a Infanta retomaria a administração da vila até à sua morte. As
duas contraentes puseram o seu selo no instrumento de contrato. ‘Sigillo meo et sigillo abbatisse de lorbano
istam cartam facimus commuviri’.2
D. Branca e suas irmãs foram das primeiras
senhoras portuguesas a usar selo próprio, e a abadessa Vierna foi certamente a primeira abadessa de mosteiro
português de religiosas a tê-lo. Lorvão saiu, como se viu, engrandecido daquela
reunião, e a posição que o mosteiro ali adquiriu perduraria, com altas e
baixas, por seiscentos anos.
A partir das pazes concluídas em Montemor,
D. Teresa poderia ter-se instalado em Lorvão, mas tudo indica que não o fez.
Deve ter considerado o mosteiro seguro e bem entregue, e não necessitando da
sua supervisão. A partir de 1223, e enquanto a abadessa Dona Vierna viveu, não
há qualquer documento de Lorvão assinado por D.Teresa, há sim numerosos
documentos seus datados de Celas, o mosteiro que sua irmã D.Sancha fundara
junto de Coimbra.
Celas, Lorvão. É
impossível separar a história dos dois mosteiros nas primeiras décadas do
século XIII. Tão impossível como separar a história das duas irmãs que se
empenharam pela fundação e vida das duas instituições. Foi ligação duradoira,
que não morreria com as infantas. Lorvão iria frequentemente buscar religiosas
de Celas para cargos no seu mosteiro, e sucederia por mais de uma vez, que a
abadessa de Lorvão fosse parente próxima da de Celas. Não consta que alguma vez
tenha existido entre os dois mosteiros a rivalidade e o quase antagonismo, que,
em determinadas ocasiões houve entre Lorvão e Arouca, o outro grande mosteiro cisterciense.
Quanto às razões
que levariam D.Teresa a viver em Celas, de preferência a Lorvão, só é possível
conjecturar. Celas era incomparavelmente mais salubre e risonho que o terrível
Lorvão, e havia razões de ordem prática. Coimbra era então a cidade portuguesa,
que mais se aproximava de uma capital administrativa do reino. Celas estava
perto de Coimbra, e para poderem zelar pelas suas obras, interessava às irmãs
estarem perto da corte e do rei. Fosse por essas ou por outras razões, facto é,
que foi, comprovadamente, em Celas, junto de sua irmã D.Sancha, onde D.Teresa
de preferência viveu, mudando-se para Lorvão só quando a sua presença ali era
necessária. O que sucedeu uma primeira vez por volta de 1228, após a morte da
abadessa dona Vierna. Os documentos provam que a Rainha tomou então conta do
governo do mosteiro, e residiu lá por um período de cerca dez anos. Tudo
indica, que essa estadia durou enquanto não se encontrava abadessa competente
para suceder a dona Vierna.
Em alguns dos documentos dessa época, D.Teresa
aparece agindo só, em outras vemo-la actuando juntamente com a comunidade das
religiosas. Assim, em Janeiro de l230, faz-se uma composição com o bispo de
Viseu sobre o direito de visitação às igrejas pertencentes aos coutos que
Lorvão possuía nessa diocese; a composição é feita, por parte do mosteiro, pelo
‘convento’ - ou seja a comunidade das religiosas -, com o consenso e sob a
autoridade de D.Teresa: ‘interveniente
auctoridade et consensum Regine domne Tharasie eiusdem monasterio domne et
patrone’.3 No ano seguinte o mosteiro, continuando muito provavelmente sem
abadessa, - dá-se a aquisição por parte de Lorvão comprava a um tal Petro Petri
uma sua propriedade em Serpins. A venda è feita à rainha, ao convento de Lorvão
e ao seu procurador, Frei Domingos. Em Julho desse ano há comprovadamente nova
abadessa em Lorvão. É dona Sancha Gonçalves, filha de Dom Gonçalo Mendo, da
linhagem dos Sousa e um fiel amigo de D.Teresa desde a infância. Talvez que
dona Sancha fosse muito nova para agir só, ou talvez que a Rainha por outra
qualquer razão não lhe reconhecesse autoridade suficiente, o facto é que ela
não irá largar mão da administração do mosteiro. A abadessa Dona Sancha
praticamente não actuaria sem o beneplacit de D.Teresa. Em todos os contratos
firmados durante este abadessado, lê-se que estes eram feitos com o consenso e
sob a autoridade da Rainha. No primeiro documento desta abadessa, datado de
Julho de 1231, chegando Lorvão a um acordo com o bispo de Coimbra sobre a
apresentação dos clérigos nas igrejas de Botão, Cacia, São Martinho da Árvore,
Vilela, Figueira e Serpins, D.Teresa figura no acordo como ‘patrona, procuratore et defensore’ de
Lorvão. De aí em diante, enquanto dona Sancha Gonçalves, é abadessa étodos os
contratos são feitos dessa forma, pela rainha e não pela abadessa. Quando a
rainha se ausenta, o que sucedeu durante esse abadessado - ela esteve em
Valença de Julho de 1231 a 1 Março de 1232 em conferência com a rainha D.
Berengária de Leão e, quem sabe, se não tratando de encontrar uma nova abadessa
para Lorvão - os contratos são feitos em seu nome e com a sua autorização ‘de mandato Regina Domna Tharasia facimus
carta’ etc.4
Isto durará até
que, em 1237, há uma nova abadessa em Lorvão. Chama-se dona Maria Afonso. Se no
caso de D.Vierna, a primeira abadessa, concluímos por indução que ela viera de
Gradefes, no caso de dona Maria Afonso sabemos por documento que Maria Afonso
veio do dito mosteiro leonês. Ao qual D.Teresa muit provavelmente recorreu por
não ter em Portugal quem lhe merecesse confiança para ocupar lugar de tanta
responsabilidade. A esta abadessa, a Rainha entrega em absoluto o governo do
mosteiro, os documentos respeitantes ao governo são da nova abadessa. E há
prova documentada de que D. Teresa passou a viver de novo em Celas, tendo ali
casa própria. Nos documentos assinados pela Rainha encontraremos homens que
declaram estar ao serviço da rainha ou serem da sua casa: ‘Dominicus Pelagi de domo regina’, Pedro Pequeno ‘ostiario´’, porteiro da rainha,
Domingos, homem da casa da rainha, e outros.O último documento emitido por D. Teresa é datado de Março de
1250. Foi feito em Celas, pouco antes da sua morte, e trata dum contrato entre
ela e a abadessa de Lorvão para que esta dê casa e comida durante o resto da
sua vida a uma protegida de Domingos, homem da casa da Rainha. À sua morte,
D.Teresa deixava o mosteiro de que fora padroeira bem preparado para poder
subsistir pelos séculos fora. Lorvão era não só o primeiro entre os mosteiros
de mulheres, como, em ordem de grandeza, depois de Alcobaça, o segundo entre os
mosteiros do reino.
Os bens materiais do mosteiro existiam
em grande parte quando D.Teresa tomou conta de Lorvão, mas foram as medidas de
protecção por ela obtidas por meio de sucessivas bulas apostólicas, que
garantiram a Santa Maria Lorvão a posição privilegiada de independência de que
usufruiria até ao século XVI.
Apesar das afirmações dos cronistas monásticos, nada prova que a
rainha D. Teresa tenha professado. Foi sem dúvida ‘religiosa’, no sentido de
entusiástica adepta à Ordem de Cister, mas monja da Ordem, não foi.
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