VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XIX INTRODUÇÃO DA DOÇARIA CONVENTUAL MANJAR BRANCO E DOCE D' OVOS , NOTAS FINAIS E BIBLIOGRAFIA
>> quarta-feira, 29 de junho de 2016
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Pingo de tocha de Arouca
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Manjar branco ‘ Blancmange’
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VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XVIII LIVROS ILUMINADOS E OUTROS
>> quarta-feira, 8 de junho de 2016
VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XVII O CASO DE D. FILIPA D'EÇA - PARTE 4 - O CASO DE D. FILIPA EM ROMA
>> quarta-feira, 25 de maio de 2016
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D. João III |
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Papa Paolo III E os sobrinhos Ottavao e Alessssandro Farnese (Tiziano) |
Nota: Na próxima semana não haverá publicação, retomaremos daqui 15 dias
VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XVII O CASO DE D. FILIPA D'EÇA - PARTE 3 - REVOLTAS
>> quarta-feira, 18 de maio de 2016
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Mosteiro de Arouca |
‘Eu são informado que vós tendes havido da Rota executarias com vossas três sentenças sobre a posse e finitos da abadia de Lorvão, pelo que vos encomendamos muito que, vindo-vos as ditas executórias, não useis delas sem me primeiro as enviardes mostrar para eu as ver e prover nisso como for justiça.’ E não queria que ela continuasse a viver em Celas, comunicando com Lorvão ‘dando vexação’ às monjas do mosteiro. Esperava que ela tivesse esse seu desejo em conta, e se afastasse dali para mais de 15 léguas. Ele receberia disso prazer e serviço e o agradeceria muito. Dona Filipa respondeu, que recebera entretanto as sentenças dadas na Rota papal a seu favor. Era de crer, escrevia ela, que em Roma não julgariam a seu favor, sendo ela tão desfavorecido no reino como era, se a razão não estivesse de seu lado, ‘se me não sobejava na justiça pano para mangas’. Agora, que recebera as sentenças, podia falar sem receio, declarava, que não tencionava ceder no que era seu direito reconhecido pelas sentenças papais. Assinava: “De Vossa Alteza, abadessa de Lorvão dona filipa D’Eça ”A notícia da sentença favorável a dona Filipa soubera-se naturalmente em Lorvão, e as suas adeptas rejubilaram. Esperavam ver a sentença cumprida, e a abadessa por elas eleita, de novo no seu cargo. Como nada sucedesse, escreveram ao rei. A carta é de 3 de Fevereiro de 1544. Estranhavam, dizem aquelas religiosas, que, tendo elas escrito tantas vezes e com tanta verdade, a Sua Alteza, nunca tivessem tido resposta, e que Sua Alteza as deixasse à mercê das maldades de dona Ana. As anciãs, e a maior parte do convento e religiosas do convento, que tinham elegido a Filipa d’Eça por abadessa do seu mosteiro, informavam Sua Alteza, que viera um breve do Santo Padre, ordenando o secreto das rendas do dito mosteiro, para que dona Ana Coutinho não lhes pudesse tocar. E que o Juiz encarregado do dito sequestro, lhes dissera dele o necessário. Isso não sucedera. Não era a primeira vez que escreviam a Sua Alteza, contando como eram vexadas e desonradas. Agora pediam que el-rei, por pessoa insuspeita, mandasse tirar inquirição daquilo que dona Ana Coutinho lhes fazia. ‘Não era mulher para pessoa sofrer’. Se elas se queixavam, era porque as coisas eram mais do que se podia dizer. Elas eram mulheres fracas e enfermas, e não sabiam por quanto tempo poderiam resistir aos males e injustiças de que eram alvo. Havia doze ou treze monjas no cárcere ‘Deus haja misericórdia de nossas almas’.
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Cárcere Monástico |
Pediam de novo a Sua Alteza, que
interviesse, para que não houvesse naquela casa ‘tantas exorbitâncias (sic),
pois é Rei Cristianíssimo de que esperamos Justiça’. Esperavam que Sua Alteza não
fizesse com aquela carta o que fizera com as outras, que elas lhe tinham
escrito. Que lhes desse ouvidos, e não acreditasse falsas informações delas.
"Oiça-nos, pois lhe pedimos justiça e mercê e por verdade nos assinamos aqui
todas”. Seguem-se
as assinaturas de quarenta e quatro religiosas.
D. João continuou a ignorar pedidos, ou não
recebeu as cartas que lhe eram dirigidas. As cartas escritas do mosteiro eram decerto
na sua maioria apreendidas. Pois apesar da vigilância que decerto existia, uma
carta dirigida pela mesma ocasião a dona Filipa lhe chegou às suas mãos, e foi
por ela enviada a D. João. A carta, dirigida ‘À muito ilustre e magnífica
Senhora, a senhora Dona Filipa d’Eça, abadessa de Lorvão minha senhora’ , é
assinada por dona Violante de Castro.
Dona Violante agradece a carta de dona Filipa, que lhe chegara às mãos. Fora
consolação ver letra de Sua Senhoria em tempo em que tinham tanta necessidade
dela, quando andavam todas ‘tão atribuladas e cheias de paixão’ com as coisas
que dona Ana Coutinho lhes fazia. Não se poderia sofrer aquilo por muito tempo,
‘porque de duas há-de ser uma: ou morrermos todas juntas, ou fazermos mil
desatinos como este que agora fez dona Ursula de Sotto Maior, filha de dom Nuno
e dona Isabel sua mulher, que se vira tão desesperada com má vida e muita
perseguição suas, e vitupérios e desprezos que lhe fez.’ Muitas vezes lhe ouviram
dizer, que, ou se havia de matar, ou fugir. Na última Quinta-feira de
Fevereiro, deram por falta dela. Não lhes parecia que pudesse ter fugido, por
ela ser muito nova, e não conhecer ali ninguém. Além de que era muito virtuosa.
Viriam a saber, que a desesperação dela fora tão grande, que lhe fez parecer
que poderia fugir, e ir ter a casa de sua mãe. Procurara fugir por um telhado,
mas, estando nele, enfraquecera de tal maneira, que descera de novo, e se fora esconder
no sótão da casa de lavor. E ali ficara quatro dias e quatro noites, sem comer
e sem beber, ‘com desejo e determinação de se deixar morrer assim desesperada
antes que se tornar ao poder desta mulher’. Ao quinto dia do seu
desaparecimento foi sentida de uma religiosa, que a fez sair do buraco onde
estava. Parecendo já mais coisa do outro mundo do que daquele, escreve dona
Violante. “Nós, quando a vimos, não se podemos dizer o prazer que tivemos e as
muitas lágrimas que com ela chorámos’
A Intrusa - dona Ana Coutinho - não a quisera
ver, e no dia seguinte ‘se foi a Cabido e a mandou levar lá, e, depois de a
vituperar e desonrar, e assim a todo o convento,’ mandara-lhe tirar o hábito e
véu preto, e fizera- lhe vestir uma mantilha de burel, que a cobria até aos
pés, e pô-la no grau mais abaixo de todos. E ordenara que às Sextas- feiras
jejuasse pão e água, e que sempre comesse em terra, e ‘fosse em cruz toda
(sic). E, de cada vez que acabassem as horas, se deitasse à porta da igreja
estirada’. Todas se tinham indignado, e todo o convento se levantara, e se
pusera de joelhos, pedindo-lhe ‘que se houvesse com ela piedosamente, e não lhe
quisesse dar azo outra vez a tentar.
Pediram-lho todas, e com tantas lágrimas, ‘que não houvera coração, por
duro que fora, que se não demovera’ Pois a Intrusa, não cedera, ficara antes
mais furiosa. Até Violante d’Azevedo, que era tão partidária dela como todas
sabiam, ela empurrara com tanta força, que quase a ditara ao chão. Quando ela
fazia isto a uma mulher tão velha, e que sempre fora coxa, ‘julgue Vossa
Senhoria o que fará a outras’. Por fim,
a abadessa castigara a todas tirando-lhes um dos pães até à Páscoa. Mas o que
elas mais sentiam, escrevia a autora da carta, era que ninguém acreditaria no
mal delas, porque elas mesmas, que o padeciam, não o conseguiam dizer, porque
as coisas eram tantas e tão grandes, ‘que por umas (se) esquecem as outras, e
fica em nossa memória o que elas causam. Que são muitas enfermidades
desvairadas e tanta magreza, que todas parecemos tísicas’. Se Deus não se
lembrasse delas, e lhes trouxesse dona Filipa de volta, e as livrasse de dona
Ana, ela tinha a certeza que muitas delas morreriam. ‘Se nos Vossa Senhoria de
alguma maneira poder acorrer, faça-o, por amor de Nosso Senhor ao menos. Pois,
já (que) os corpos estão destruídos, não percamos as almas, que é impossível
poderem-se salvar em tal poder. As queixas soam a verdade, e nem todas as cartas que foram
dirigidas ao Rei foram confiscadas. Ele não podia ignorar por completo o que se
passava. Seria difícil perceber com, sabendo-o, não lhes deu remédio, se não
houvesse claros indícios - já apontados -, de que D. João tinha uma concepção inquisitorial
da religião, e estava perfeitamente de acordo com os rigores impostos às monjas
pela abadessa por ele nomeada.
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VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XVII O CASO DE D. FILIPA D'EÇA - PARTE 2 - A EXPLUSÃO
>> quinta-feira, 12 de maio de 2016
Colocado perante a eleição de D. Filipa, que dois bacharéis não tinham sabido impedir, o rei nomeia novo magistrado para tratar do caso. Magistrados de Coimbra tinham demasiadas ligações com o grande mosteiro. Era mais que certo, que lhes faltava ânimo e entusiasmo para expulsar uma dona Filipa d’Eça, que fora eleita abadessa. D. João encarregou desta vez a missão ao doutor Gaspar Vaz, um juiz que tinha a grande qualidade de não ser de Coimbra. Saberia correr com dona Filipa e colocar outra abadessa em seu lugar. Estava já escolhida. Tratava-se de dona Melícia de Melo, monja de Arouca. Dona Mélicia encontrava-se há tempos instalada em Botão, na quinta que o mosteiro ali tinha, esperando pelo momento em que houvesse finalmente um juiz capaz de a instalar à cabeça do mosteiro. O rei declarava estar apoiado nessa medida pelo Cardeal Infante, que era este quem indicara dona Melícia de Melo - abadessa de Arouca. - para o abadessado de Lorvão. O Cardeal dera as suas ordens ‘pelas quais deveis vós – o Dr. Gaspar Vaz - tomar posse do dito mosteiro de Lorvão.’ A prioresa e as monjas do mosteiro deviam obedecer às ordens do Cardeal Infante, e receber como sua, a abadessa por ele, Cardeal, indicara. Sua Eminência ordenava mais, que dona Filipa, que estava no dito mosteiro de Lorvão, e dizia ter sido eleita nele, saísse de lá. Devia largar a posse. que dizia ter dele, e entregá-la ‘livre e expeditamente’. O Cardeal, juntamente com Dom Augusto, bispo d’Angra, fizera já processo à dita dona Filipa. O doutor Gaspar Vaz tinha plena autoridade para executar aquela missão: ‘vos designo e certifico como tendo a vara (sic) de magistrado’. Logo que o doutor Gaspar Vaz recebesse aquela carta, iria a Lorvão, levando consigo as forças que lhe parecessem necessárias para se fazer obedecer. Uma vez chegado ao mosteiro, diria à dita dona Filipa, que saísse de lá, e obedecesse em tudo às ordens do senhor Cardeal e dos seus delegados, ‘notificando- lhe a ela, da minha parte, que a isso tenho por serviço de Deus e meu. E que cumpra em tudo a dita ordem que vos confio’. Caso dona Filipa não obedecesse, o juiz podia usar de força. ‘Podeis tirá-la fora do dito mosteiro e sítio de Lorvão pela força e contra sua vontade’, escrevia ainda o rei. Notificaria disso a prioresa e as religiosas, ordenando-lhes, que obedecessem às ordens do Cardeal. E dizendo-lhes da parte dele, Rei, que lhe abrissem as portas do dito mosteiro, visto ele ter mandato para ‘expulsar a dita Dona Filipa e pôr na posse a dita Dona Milícia de Melo’. Prevendo o caso de dona Filipa não obedecer, e das monjas estarem de seu lado, D. João dava claras instruções sobre como proceder. O juiz, com os homens que para isso levava, abriria as portas do mosteiro com os fortes, ‘se bem que honestos, modos, que pudesse, e extrairia dele à dita Dona Filipa’.
Se a prioresa e as monjas quisessem vir onde o juiz estivesse para saber o que se passava, o doutor juiz podia permiti-lo. Em seguida diria à porteira para lhe abrir as portas, e, se ela não o fizesse, mandaria abri-las pela força. E entraria no dito mosteiro: ‘com a advertência que, quando entrardes, não fáceis desonestidade, nem nada que não seja devido’. Mandaria pôr portas novas em todo o mosteiro, ficando com as chaves de tudo, advertindo as oficiais, que não tirassem nada do que havia na casa. Uma vez isto feito, o juiz enviaria ao lugar do Botão buscar a dona Melícia, e a instalaria na posse do mosteiro, entregando-lhe as chaves deste. Ordenaria às habitantes dele, aos seus rendeiros, enfiteutes e colonos ‘e todas as outras pessoas a quem interesse’, que obedecessem e reconhecessem a abadessa dona Melícia, e lhe entregassem as rendas do dito mosteiro
Obedecendo a estas instruções, o doutor Gaspar Vaz, que, na altura de receber a carta do rei, se encontrava em Coimbra, partiu para Lorvão. Chegou no ‘oitavo dia do mês de Abril, véspera da Páscoa da ressurreição’ do ano de 1538’.
O notário que anotou os acontecimentos, enumera um por um os doutores e executores que se deslocaram a Lorvão.
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Magistrados e Mensageiro |
E ainda António de Sá, executor, João Cerveira, notário, João Fernandes, escrivão de notário, e Afonso Fernandes, seu mensageiro: ‘E com esses magistrados vinham os ditos ferreiros, com serras e escopos e outras ferramentas para com eles abrirem e demolirem as portas do dito mosteiro, como com efeito fizeram, semeando pavor e criando terror’, comenta o autor do relato. Aproximando-se das portas, os homens procuraram abri-las com traves de ferro. Então apareceram à porta do mosteiro o doutor Francisco Mendes, e o procurador do mosteiro, os quais, declararam, que vinham da parte de dona Filipa d’Eça e do seu convento saber ao que vinham. O doutor Gaspar Vaz disse das ordens que trazia, e que pretendia entregá-las. Então, anota o notário, ‘perante mim, notário público e testemunhas abaixo indicadas, compareceram em pessoa dona Filipa d’Eça, abadessa eleita do dito mosteiro, e a mim me disse, que era verdade que, como o dito mosteiro vacasse por morte de Margarida d’Eça, última abadessa, as religiosas do mosteiro fizeram a sua eleição, na qual fora ela própria eleita por abadessa pelas anciãs e pela maior parte daquele mosteiro no dia 11 de Fevereiro ano de 1538’. Desde esse tempo estivera sempre em pacífica posse, estando à frente do dito mosteiro com a obediência das supraditas religiosas. Quanto à carta que el-rei lhes enviava, Dona Filipa e as religiosas declararam que não iriam ao locutório recebê-la. Os notários anotaram-no devidamente: ‘e disso fizeram acta o doutor Francisco Mendes e o licenciado João Vaz’. No entanto, passado algum tempo, aquelas senhoras reconsideraram. Dona Filipa e algumas monjas vieram às janelas, e disseram que se tinham aconselhado com seus procuradores, e ouvido o magistrado enviado por el-rei, e que, tendo-as o dito magistrado feito ir ali sob pena de exílio, elas, ‘setenta e cinco mulheres mais ou menos’, aceitavam ouvir a carta de el-rei, e responder-lhe. O doutor Gaspar Vaz veio então com ‘seus oficiais de justiça e a supradita gente’, e dissera, que vinha da parte de el-Rei, o qual mandava que a dita dona Filipa saísse espontaneamente do mosteiro para outro local, E que ele a expulsasse caso ela não obedecesse. Exibira a carta, e as monjas leram-na. O doutor Francisco Mendes, respondeu pelo convento que a dita ‘Dona Filipa, eleita, e a maior parte das suas religiosas e convento’ queriam saber, se o juiz ‘lhes dava licença para que movessem justiça da dita Dona Eleita, se bem que o debate fosse com o Rei Nosso senhor, e tivessem visto as ditas ordens’. O juiz dissera que lhes dava licença. Da parte da dita dona Filipa fora então levantada a questão do braço secular. Que o bacharel Sebastião Lopes já quisera usar dele, diziam, e viam que Sua Alteza pretendia fazê-lo de novo. Elas queriam apresentar por escrito a sua oposição a esse acto. O juiz retorquiu, que ele era simples executor, que ‘não era defensor, salvo de actos para que tenha sido designado pelo Rei. Que, contudo, lhes dava uma hora para que a dita Eleita e o convento consultassem o que queriam fazer’. Ao fim da hora, o procurador do mosteiro dava conta do resultado da consulta. A dita Eleita, e o seu convento, não admitiam apelação a nenhuma justiça eclesiástica ou secular. Elas tinham o apoio ‘do Santíssimo Senhor nosso Papa Paulo 3º’ para que não se partissem as portas do seu mosteiro, nem se intrometessem nele, pondo a mão sobre dona Filipa, visto ela ser abadessa e sagrada, e que também o mosteiro era consagrado’. Caso procedessem da dita forma contra elas, ofenderiam o próprio Santo Padre, sob cuja protecção e defesa elas já tinham posto as suas pessoas, e o seu mosteiro com seus rendimentos. Já tinham também falado a cardeais e ministros do Papa para que se opusessem ao parecer do bispo de Angra e aos enviados do rei. Perante esta resposta, o juiz não esperou mais, deu ordem aos serralheiros para arrombarem as portas. O que eles fizeram ‘com machados, escopos, serras e outras ferramentas’, escreve o notário. Os homens irromperam então por ali dentro.com o juiz Gonçalo Vaz à frente. O notário não perdia pitada. Competia-lhe anotar, anotava. Anotou que a dita Eleita e as religiosas clamavam pelo auxílio de Deus e do Papa, que gritavam que ‘todos eram testemunhos, que as espoliavam, e com oposição delas entravam em seu santo mosteiro, cujas portas partiram, querendo, contra justiça, tirar de lá a que canonicamente fizeram abadessa, elegendo-a em justa forma, segundo seus privilégios’. Aquelas religiosas tinham-se refugiado no coro, onde se encontravam já outras monjas ‘recitando as suas loas, pois que era a vigília de Páscoa da Ressurreição’. Seriam umas setenta e cinco religiosas, as que em seguida ali se fecharam e fortificaram ‘com ferros fortes e outras muitas ferramentas’, e colocando ainda uma trave na porta do coro. Pondo os braços nessa trave, conseguiram durante algum tempo impedir a entrada dos homens do juiz, até ao momento em que um deles, o soldado bacharel Benedito Fernandes, feriu uma das religiosas com um corte no braço. As companheiras acudiram-lhe, permitindo assim que juízes e oficiais penetrassem no coro ‘pela força das armas’, ‘Dona Filipa eleita’ estava sentada numa cadeira, relata o notário, e, em sua roda, ‘como seu sustentáculo’, estavam as outras religiosas com a cruz alçada, cantando em uma só e alta voz: ‘in exit Israel de Egitii et super flumen Babilonis etc’ As religiosas continuavam lutando com o juiz e os seus oficiais para defender a abadessa, ‘chegando-lhes às mãos, até que eles chegaram à cadeira onde estava a dita dona Filipa Eleita’. Juiz, e bacharel, e escrivães, prenderam-lhe então as mãos e corpo, e, ‘horrivelmente rasgaram-lhe as vestes em parte, e trouxeram-na para o coro inferior, e, sem parar até ao coro da Igreja’. Ali colocaram-na ‘numa qualquer cadeira de madeira, digo, arrastaram-na a ela, - emenda o notário conscienciosamente - anunciando que discordavam, de que ela fosse abadessa benedita e sagrada’. Ao que dona Filipa retorquira, que era abadessa sagrada, sim, e que todos que ali estavam eram testemunhas, de como, por força e violência, a espoliavam da sua posse. Ela tinha instrumentos do Santo Padre e seus auditores, de como era abadessa benta e consagrada do mosteiro de que era expelida. E mais, era filha de D. Pedro d’Eça, bisneto de D. João, filho d’el rei D. Pedro, e já por isso, ao desonrarem a qualidade da sua pessoa, incorriam - como já lhe fora dito pela Cúria Romana - em pena de dez mil ducados por violência de direitos, e todas as outras multas, que eram aplicadas pela própria Câmara Secreta. As outras religiosas continuavam a defender-se, ‘e de tal forma, escreve o notário, ‘que algumas pessoas puseram mãos desonestas em dona Filipa, e a arrastaram até ao scriptorium do dito mosteiro, onde a puseram’. E então, como o juiz o tivesse autorizado, todas as religiosas, ‘umas sessenta ou setenta’, entre as quais a Prioresa e outras anciãs, aproximaram-se da cadeira de dona Filipa. E todas, ‘de que qualidade fossem’, aproximaram-se, e lhe beijaram as mãos, e a honraram, dizendo que ela era, e seria sempre a sua prelada e abadessa, que, para isso, elas a tinham elegido e dado obediência. E que as eleições por elas feitas, elas as consideravam válidas e ratificadas, e protestavam, que não obedeceriam a dona Melícia, nem por força, nem por nenhuma outra forma. Apoiavam declaradamente a Dona Eleita, sua prelada, e protestavam que por isso não incorriam em excomunhão nem em desobediência’. E para que Sua Santidade pudesse fazer justiça, restituindo-lhes a abadessa que tinham elegido segundo os seus estatutos, pediam aos notários e tabeliães ali presentes, que lhes dessem instrumentos do que tinham testemunhado. ‘E de todos os lados’, anota o notário, ‘se ouvia que elas eram filhas de Claraval, da Ordem de Cister, e portanto súbditas imediatas de Sua Santidade o Papa. El-rei e o Cardeal podiam dispor dos seus corpos e vidas, mas queriam arrancar-lhe as suas almas, e elas não reconheciam juramento a não ser ao Papa, aos superiores e abade de Claraval e cardiais. E muito mais disseram, escreve o notário, até que dona Filipa fora levada para fora’. Foia ‘lançada através das portas fora’, e transportada a um hospício que ali havia, pertencente a certas mulheres etíopes, que tinham sido servas do mosteiro. O Juiz entregou então as chaves do mosteiro a dona Melícia de Melo, nomeou outras oficiais para as diversas oficinas, e, como se tinham partido as portas, mandou homens ‘com lanças e partasanas’ ficar de guarda em frente delas. Read more...
VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XVII O CASO DE D. FILIPA D'EÇA - PARTE 1 - A ELEIÇÃO
>> quarta-feira, 4 de maio de 2016
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D. João III |
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