A coisa não podia durar, os reis não viam com bons olhos o
enriquecimento dos mosteiros em detrimento dos particulares. Foram, promulgadas
leis, proibido a aquisição de bens de raiz por parte de religiosos e mosteiros,
assim como doações e disposições testamentárias a favor de institutos
religiosos. Lei que os reis frequentemente ajudavam
a violar. Em Lorvão dar-se-ia disso um flagrante exemplo. Uma certa Maria da
Panha, ‘dona filha dalgo e de bom logo’ tinha ‘muitas herdades e bens’, que
desejava dar em vida a sua filha, dona Guiomar, monja em Lorvão. Eis se não
quando D.Diniz resolve promulgar a lei proibindo as monjas de herdarem bens de
raiz. Dona Maria da Panha não vacila. Entra também ela como monja para o
mosteiro de Levando trazendo consigo todos os seus grandes bens. Pede ao rei -
conclui-se que o fez em pessoa – que fosse permitido a sua filha herdar esses
bens. D.Diniz, atendeu o pedido, ‘fez-lhes graça e mercê, e permitiu que os
seus bens ficassem a sua filha, e, consequentemente, dela passassem a Lorvão.
Os bens de dona Maria da Panha estendiam-se por montes e vales, com terras e
casas em Paredes de Gestaçô, em Sobrado de Paiva, em Linhares, e de lá até à
Guarda, em Torres Vedras e em muitos outros sítios.
Os mosteiros de mulheres não foram entusiasticamente aceites pelas
Ordens. Mas era escusado protestarem. À cabeça dos mosteiros de mulheres
estavam abadessas de grandes famílias, mulheres influentes que eram ouvidas na
Corte por elas, ou, se necessário, por alguma das monjas que tivesse laços de
família com a personagem de quem podia depender uma decisão importante. E os
soberanos, que periodicamente se insurgiam contra os ditos mosteiros, fundavam outros.
Odivelas foi fundação de D. Diniz. Seu filho bastardo, D.Afonso Sanches, fundou
o mosteiro de Santa Clara em Vila do Conde, deixando uma verba destinada a lá
manter duas religiosas, que tinham por missão rezar por ele e por sua mulher. O
exemplo dos reis foi seguido por famílias nobres, fundando pequenos mosteiros
nas suas terras, ou perto delas, colocando neles as suas filhas para que rezassem
pelos pais e lhes alcançarem o perdão das suas culpas. Em geral reservavam para
si o direito de lá se hospedarem. O que faziam com tal frequência e tanta
demora que acabavam por ser a ruina da sua própria fundação
Grandes ou pequenos, os mosteiros medievais de mulheres foram
necessariamente instituições aristocráticas. Para a rapariga nobre, era
‘desonesto’ não era aceitável, exercer uma profissão. Casava, ou à falta disso,
entrava em religião.
Nas famílias de mercadores e obreiras na cidade e no campo, o
problema não se punha. Se as filhas não encontravam marido, não lhes faltavam
ocupações e profissões que podiam exercer e exerciam. Na cidade, as filhas dos
pequenos comerciantes e artesãos trabalhavam, vendendo e fabricando. No campo,
as filhas ajudavam os pais nos trabalhos da lavoura. Se não casava, era mais um
braço para trabalhar. E havia, então como sempre, os trabalhos domésticos, em
casa, ou para fora.
Houve alguns
conventos abertos às famílias da alta burguesia. O mosteiro de Chelas, da ordem
de São Domingos, junto a Lisboa, foi por excelência, e, pelo menos, até à
primeira metade do século XV, convento das filhas da alta burguesia lisboeta.
A classe dos mercadores ricos e os altos magistrados rivalizava
com a fidalguia, possuidora de bens patrimoniais nem sempre muito produtivos.
Essa gente de dinheiro e de letras não tinha grande hipótese de colocar as
filhas em mosteiro fundado, ou há muito dominado, pela alta nobreza. Teve em
Chelas o seu convento. Encontram-se entre as suas religiosas filhas de
magistrados, como as Alvernazes, filhas e sobrinhas de grandes mercadores, uma
das prioresas era sobrinha direita do riquíssimo João Palhavã. Há em Chelas
filhas de famílias estrangeiras estabelecidas em Lisboa, como as Reineis e as
Donteis. Chelas abria as portas a mulheres viúvas, e a mulheres separadas de
seus maridos. Chelas é um curioso caso, talvez um dos mais interessantes
mosteiros português, e, para a história de Lisboa, uma mina de informações. Mas
quando se fala de vida monástica feminina no Portugal medieval, está-se falando
dos grandes mosteiros, fundados pelo rei ou por membro da família real. Está-se
falando de Arouca, de Celas, de Santa Clara de Vila do Conde, e, evidentemente,
de Lorvão, o nec plus ultra em
mosteiro de mulheres.
Os superiores das Ordens tiveram cedo consciência dos problemas
inerentes à vida em comum de muitas mulheres. A mulher é mais suscetível que o
homem, irrita-se mais que este com modos e maneiras do seu semelhante. A
irritação podia tomar proporções explosivas. Em consequência, na admissão de
uma religiosa olhava-se muito à condição física da candidata. O defeito físico
podia incomodar, meter nojo e causar grandes problemas. No mosteiro da Madre de
Deus de Lisboa foi muito discutida a entrada de uma noviça, natural da Guarda,
por as religiosas não lhe poderem avaliar a condição física com os próprios
olhos: ‘nos pareceu em os primeiros combates cousa ridícula tomar uma mulher de
setenta ou oitenta léguas daqui, de quem não podíamos saber se era torta ou
aleijada, ou alguma selvagem, que é ainda pior aleijão". Em Lorvão não encontramos menção de mulheres aleijões, ou surdas,
ou com outro defeito físico incomodativo, mas encontram-se numerosos casos de
irmãs gémeas, o que no tempo era considerado uma anormalidade, mas não um
defeito incomodativo.
Requeria-se também que as monjas tivessem boas maneiras e uma
razoável cultura para que não se incomodassem umas às outras. O ensino de boas
maneiras era tomado muito a sério, seguindo com variações pontuais a regra que
Santo Agostinho redigira para a ordem fundada por sua irmã. Para poder haver um
relacionamento pacífico e agradável das religiosas entre si, Santo Agostinho
recomendava que a mestra de noviças instruísse a jovem professa nesse sentido.
Além de ensinar a ler às que não o sabiam - o que era a maioria delas - a
mestra devia informar as noviças dos costumes do seu mosteiro e incutir-lhes
modéstia e boas maneiras. Devia admoesta-las a que não se gabassem de
parentesco com pessoas graves, ‘nem se jactem de fidalguia ou nobreza da sua
geração’. E que não se ‘ensoberbeçam com as honras do século, ou riqueza dos
pais, ou parentes.’ ‘E que as ricas ponham em comum o que tenham; as pobres não
queiram ter no mosteiro o que não tinham fora dele. E que as pobres não se
enalteçam por ter trato com aquelas às quais lá fora se não atreveriam a
chegar´.
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Santo Agostinho |
Os séculos não apagaram o valor dos preceitos de Santo Agostinho sobre
a melhor forma de viver em comum, ‘em
sociedade’, e a sociedade civil adoptaria gradualmente para si alguns dos
preceitos de ‘boas maneiras’ estabelecidos para religiossas.
A par de disciplina religiosa, a noviça aprendia regras de
comportamento. Às monjas de um mosteiro inglês era ensinado que, à mesa, as
religiosas não se deviam encostar com os cotovelos, não deviam comer de boca
aberta, não deviam escolher para si os melhores bocados Nos mosteiros alemães
havia igual preocupação com boas maneiras. Na Alemanha o ‘Novizenspiegel’, ou “Espelho
de noviças”, recomendava à noviça: que não coma com a rapidez da gula, como se
receasses que não chegasse para ela. Que não se inclinasse sobre a comida, que
não olhasse em redor para ver se não haveria outra que tivesse mais e melhor
que ela. Ao sentarem-se, as monjas deviam fazê-lo bem direitas, segurando as
extremidades dos seus mantos ou cogula, dizia-se às monjas inglesas. Nos locais
de silêncio deviam manter as mãos nas mangas da cogula. Não deviam estender demasiado as pernas nem cruzar os joelhos, um
sobre o outro. Deviam cobrir os pés honestamente sob as suas vestes e não
brincar com eles. Quando sentada entre duas companheiras, a monja devia fazê-lo
de modo a não ter a cara virada só para uma, ou só para a outra das suas
vizinhas, e não estar de costas viradas para uma ou para outra, nem virando a
cabeça alternadamente de um lado para outro. E nada de sonoras gargalhadas. A
mestra das noviças devia ensinar as suas pupilas a ‘não serem fáceis em rir, e
menos com risos acompanhados de vozes altas.’, A religiosa ‘não devia rir em
demasiado nem a despropósito”, ensinava-se também às inglesas. Contudo, caso o
soberano, ou alguma das irmãs mais idosas, rissem, a brincar, de alguma outra
irmã, ou irmãs, então, ‘cortesmente, por amor à qualidade, deverão sorrir ou
rir modestamente também’.
O estar de pé também tinha
os seus preceitos. Não se devia estar só sobre um pé, com o outro encostado,
nem com um cruzado sobre o outro, diziam as mestras inglesas a suas pupilas. A monja
manter-se-ia em pé, direita, ligeiramente encostada na cadeira do coro, com as
mãos diante de si, dentro dos mantos ou das mangas da cogula.
O andar não devia ser de cabeça no ar, recomendava-se às monjas
portuguesas, mas sim ‘com os olhos postos em terra e as mãos recolhidas debaixo
do escapulário ou dentro das mangas do hábito junto à cintura’.
Quando professava - com a pompa devida, com ofício religioso
próprio - a noviça fora ensinada a ler, escrever e cantar, e estava formada em
boas maneiras. E -idealmente - não irritaria as suas companheiras.
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