9. Livros "light"
>> segunda-feira, 10 de novembro de 2008
9. Livros “light”
Há muito que a expressão “livros ligeiros” é usada, mas na versão semi-inglesa, creio que nasceu por cá com os livros de Margarida Rebelo Pinto. Não se sabia como classificar o sucesso de um livro de modesta qualidade, que se vendia como castanhas quentes, classificou-se de “livro light”. Categoria a que esse seu primeiro livro sem dúvida pertencia, e os subsequentes não deixaram de pertencer. A autora indigna-se com a classificação, e isso, tanto quanto me é dado perceber, porque pretende ser tida por autora de obra de literatura.
E porque não? Romance, poesia, drama, tudo são obras de literatura, só que dentro dos géneros há divisões, e dentro do género romance, distinguem-se grosso modo uma primeira, segunda e terceira classe de obras: a literatura séria, intelectual, a literatura ligeira, ‘light’, e a literatura trivial ou popular. Dentro de cada uma há por sua vez divisões: há o muito bom, o bom, o razoável, o mau, o péssimo, o melhor e o pior. E há “literatura”. Quando se diz de um livro, que é “literatura”, isso significa que é a arte da escrita no seu melhor, que é “literatura” por excelência. Há muitos livros ligeiros que sobem a esse pedestal, e podia citar vários. Os livros de Margarida Rebelo Pinto não pertencem a esse número.
Nas últimas décadas tem-se produzido em Portugal sobretudo ficção intelectual ou com pretensão a tal, e alguma inspirada na vaga do “nouveau roman”. Foi nesse cenário que surgiu Margarida Rebelo Pinto com o seu “Sei lá”. Era um romancezinho de leitura fácil, que tratava de homens e mulheres, que se encontravam e desencontravam na linha de Cascais, nos bairros elegantes de Lisboa ou Porto, homens e mulheres de boa posição social e profissional que vestiam marcas caras, usavam grandes perfumes, que falavam mal - Margarida Rebelo Pinto põe na boca dos seus, e suas, protagonistas, palavras que não se costuma ouvir em conversa corrente – e o livro tinha numerosas cenas de sexo, o que contribuía para agradar. Não sei mesmo se não foi esse aspecto apimentado do livro a sua força motriz, se não foi isso que fez o seu sucesso. Para aquelas e aqueles que não pegavam em livro desde os seus tempos de liceu, que não liam inglês, e não conheciam uma Jackie Collins e outros autores do género, foi um achado. Aquilo pelo menos não era uma chatice como aqueles romances intelectuais, ou como aqueles outros que ninguém percebia. Até se dizia que era literatura.
A verdade é que se tratava de livro igual a muitos outros do mesmo tipo anualmente publicados em outros países. Em Portugal era uma novidade, o género fazia falta, não espanta que tivesse sucesso num público pouco exigente.
A coisa teria ficado por ali, se não fossem as pretensões da autora em matéria literária, e a indignada reacção dos críticos. É que Margarida Rebelo Pinto, como já se disse, acredita, e creio que com toda a sinceridade, que os seus livros são livros de boa, talvez até de grande literatura. O que – compreensivelmente, diga-se - irrita o meio intelectual da terra. Podiam ter encolhido os ombros e passado adiante. Preferiram rebater a pretensão, provar àquela intrusa que os seus livros não passavam de livros “light”. Sucederam-se artigos em jornais e revistas, entrevistas em rádio e televisão. Uma autora de “marketable fiction” tornou-se personagem literária.
Vejamos o que se lê em Wikipedia, portail litérature, sobre ficção ligeira. Designa, e traduzo: “romances que atingem um grande número de leitores, usando receitas literárias simples e experimentadas. ..........” e adiante: “Este último termo, às vezes tido por pejorativo, às vezes por positivo,(segundo Wikipedia) cobre uma grande variedade de obras: romances policiais, de aventura, históricos, regionais, de amor etc. O seu ponto comum é o de apresentarem uma história com uma cronologia simples, com personagens bem identificadas, e nas quais a intriga ou acção prima sobre as considerações de estilo....”
Acrescento que em francês se fala de “litérature de diffusion populaire”, ou “paralitérature”, em inglês de literatura light, lowbrow, ou seja que não exige do leitor um grande esforço intelectual, o seu fim sendo o de entreter, de distrair. Em alemão diz-se Unterhaltungsliteratur, literatura de entretenimento. Em aposição à literatura intelectual, de reflexão, de experiência literária. Se bem que essa literatura, a quem gosta dela, também “entretêm”.
Admiro a coragem com que Margarida Rebelo Pinto enfrenta as críticas pouco agradáveis que fazem a seus livros, e estou certa que ela não se defenderia com tanta energia das duvidas que lhe apontam os entrevistadores, se - a par de um desconhecimento evidente do que seja literatura - não estivesse sinceramente convencida que os seus livros têm qualidade literária.
Tenho lido algumas das suas entrevistas e salta à vista, que entrevistador e entrevistada estão a falar de coisas distintas.
O entrevistador não percebe como é que os livros de Margarida Rebelo Pinto têm tanto sucesso, quando são romances não muito bem escritos, sem grande história. Coisa leve.
A entrevistada não percebe como não reonhecem que o sucesso das suas vendas é prova da qualidade literária dos seus livros. Romances psicológicos, vividos entre gente “bem”, que discute problemas, que leu livros e os cita. Livros sérios, intelectuais, portanto. “Literatura”. Não livros light.
O curioso é que se está a defender de uma acusação, que não o é. Tanto entrevistadores como autora esquecem que escrever e ler livros ligeiros não é vergonha, que o livro ligeiro é um género apreciado por muito boa gente. Gente que sabe distinguir entre o bom e o mau livro de mistério, de crime, de amor, de aventura, de espionagem, de humor - tudo literatura ligeira - entre a históra bem ou mal contada, entre a novidade do enredo ou a falta dela. Que distingue entre o bem e o mal escrito, entre a espontaneidade e a falta dela, entre diálogos fluentes e diálogos esforçados.
Um exemplo:. Há tempos peguei no livro de outra autora portuguesa de livros ligeiros. Abrindo o livro ao acaso, dei em uma página com três parágrafos seguidos começando todos da mesma maneira. Assim:
“Rindo, Miguel disse.....
“Tirando a camisa, António disse...
“Imaginando o pior, Amélia disse...
Os textos não são estes, mas a forma da escrita é. Três parágrafos começando com o gerúndio e seguidos de “e disse”.........
Ligeiro, sim, mas que seja bem escrito.
O que dizem outros
“Montaigne...............admitia francamente gostar de leituras leves e até frívolas, que tantos de nós somos inclinados a condenar, mas que, em minha opinião, têm o seu lugar”*
*Holbrook Jackson The Anatomy of Bibliomania Faber &Faber Limited London
“Há um género de ficção popular contemporânea sobre a vida dos ricos, e destinada sobretudo ao sector feminino do público, que é conhecido no meio editorial por Sexo e Compras ou (menos polidamente) como Sexo e F. São romances contendo descrições detalhadas da compra de objectos de luxo pela heroína, não esquecendo a menção das respectivas marcas. Jogam simultaneamente nos desejos de realização de sonhos eróticos e de consumismo” *
*David Lodge The Art of Fiction Penguin Books
Observações à margem
“The chief fault in your style is that you lack distinction – something which is inclined to grow with the years”*
Carta de F.Scott Fitzgerald para a filha, que se estava iniciando na escrita
*F. Scott Fitzgerald On Writing
Das cartas à minha filha
6 de Fevereiro 2000.
”Esta carta vai com o livro da Margarida Rebelo Pinto, de que lhe falei
..........................
“Ela anunciou que vai já escrever outro livro. É como quem promete escrever já outro artigo. O que ela não realiza é que não se "formou”........
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