Sentido de História

>> segunda-feira, 14 de maio de 2012

História – mesmo designada por Ciências Sociais - não é uma ciência. Se amanhã um grande cientista declarasse que tinha estado a pensar, e que chegara à conclusão, que dois e dois não eram quatro, e sim quatro e qualquer coisa, o senhor seria respeitosamente conduzido ao mais próximo manicómio. Porque dois e dois são quatro, e se assim não fosse, e como tal reconhecido, ainda vivíamos em cabanas de lama ou cana. No caso da História a coisa é diferente. Se um eminente Historiador declarasse que certa batalha decisiva do passado não se dera afinal no dia e ano que todos conheciam, mas dois anos antes, alguns auditores encolheriam os ombros, o homem não estava bom da cabeça, mas não vinha dali mal ao mundo. Dias depois ninguém pensaria mais no caso. A não ser, possivelmente, uma daquelas curiosas criaturas que se gabavam de ter ‘sentido de história’. A esses todo o problema histórico interessava. Bom proveito. A maior parte da humanidade passa muito bem sem conhecer o passado, o homem europeu é que começou muito cedo a desejar desvendar, como disse o poeta, as brumas do passado. Queria saber como aquilo fora, e a questionar o porquê de ter sido de uma, e não de outra forma. Um dia, respondendo a esse interesse, nasceu uma disciplina chamada História, na qual se ensinava aos meninos como é que as coisas se tinham passado em tempos idos. Alguns desses meninos optariam um dia por estudar História a fundo, seriam professores ou escritores de História. O que não lhes dava automaticamente aquilo que designo por sentido de História. Trata-se de um sentido, e um sentido ou se tem, ou não se tem. Não se aprende. Ter sentido de História pressupõe naturalmente conhecimentos históricos. Aqueles que são básicos, e aqueles que se vão adquirindo pelos estudos, e estes aliados à imaginação, à curiosidade e à reflexão. A História passa a estar presente no pensamento, tem-se o sentido da História. Associam-se acontecimentos dos nossos dias a factos e dados do passado, e a este não se considera particularmente estranho ou maravilhoso. O passado não espanta a esses curiosos. Sentem-se nele à vontade. Creio poder dizer que tenho esse sentido. Não maço com ele, não impinjo a ninguém doutas reflexões ou associações históricas, é de uso particular. O que se segue é a excepção que confirma a regra. Um dia leio no arquivo do mosteiro de Lorvão de monjas cistercienses, um documento de contrato de arrendamento do século XIV. Na substância o documento não difere de muitos outros que já li. Noto porém que a letra é mais bicuda do que a usual, e que há no latim em que é redigido um ou outro termo que não é de ‘latinório’ português, que é latinório de estrangeiro, e, com toda a probabilidade, de um alemão. Tem graça, pensei. Vi em imaginação um religioso alemão de passagem por ali, imaginei o procurador do mosteiro ocupado e um contraente impaciente, querendo o seu contrato sem demora. O monge alemão oferece os seus serviços. O procurador aceita. Nada mais natural. O caso não afectava qualquer aspecto da história monástica, se dei por ele, foi por saber alemão e português. Apreciei-o contudo, achei-lhe graça, e anos passados ainda me lembro daquilo. Atribuo-o ao ‘sentido de História’.

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