Escrever a um autor.

>> terça-feira, 27 de abril de 2010

Vou escrever a Ludger Saffranski para lhe agradecer o seu livro que ouvi em disco, lido por ele, sobre a amizade entre Goethe e Schiller, os dois grandes poetas alemães. O livro teve críticas magníficas, e o autor provavelmente cartas em abundância, pouco lhe pode interessar mais uma carta. Não impede que lhe escreva. Por mim, porque lhe quero dizer o prazer enorme que me deu com o seu livro.
Não é a primeira vez que escrevo a um autor, mas é a primeira vez que me pergunto, o que me leva a escrever. A perfeição? Não só, porque li muitos livros que admirei pela perfeição de estilo e interesse de assunto, e não escrevi aos autores. Olhando para trás vejo que, quando escrevi, foi porque se conjugavam vários factores. No caso deste livro sobre a amizade dos dois poetas, ele não só me satisfez plenamente, como veio quando pensava que já não me seria dada essa sensação de prazer e satisfação num livro novo. Veio no momento exacto, e talvez seja por isso que sinto vontade de escrever ao autor. Talvez não seja só a excelência da obra, a sua qualidade, mas também o momento em que ela é lida, que façam da leitura um momento tão especial, que o queiramos comunicar a outra pessoa, e de preferência a quem nos proporcionou esse momento.
. Lembro-me de outra ocasião em que escrevi ao autor, e concluo agora que o fiz pelo facto do livro dele ter vindo tão a propósito. Acabara de ler dois livros sobre a guerra franco-alemã de 1870. Um, alemão, de Theodor Fontane. outro, francês, um romance, mas considerado de grande exactidão histórica, lA Débacle’de Zola. Tive vontade de ter ainda uma outra opinião. Li ‘The Franco Prussian War’ de Geoffrey Wawro . O livro provou ser tão exactamente aquilo que eu procurava, no equilibrio da avaliação dos acontecimentos políticos e das acções militares, que peguei na pena e escrevi ao autor.

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>> terça-feira, 20 de abril de 2010

As fontes em Zurara
A consulta das fontes, indispensável como é, não deixar de ter os seus perigos. Um pequeno documento pode deitar abaixo uma conclusão laboriosamente alcançada. Um texto até ali desconhecido, pode iluminar de forma pouco lisogeira um feito glorioso do passado e até ofuscar a fama dos seus heróicos protagonistas. Que fazer nesses casos? Esquecer o documento incómodo para a nossa conclusão? Manter a conclusão, e esperar que ela se aguente sobre as suas fracas pernas? E o que fazer com texto que, pelo que nele se afirma, vai modificar um ponto histórico consagrado? E se o referido texto contém juntamente com dados indesejáveis, dados positivos, desejáveis?
Recorde-se a esse respeito o caso da ‘Crónica da conquista da Guiné’ de Zurara. O texto foi descoberto em Paris, em 1837, entre os manuscritos da Bibliothèque Nationale. Ferdinand Denis, o homem que fez a descoberta, revelou a existência da obra ao ministro de Portugal, este, por sua vez, transmitiu-o ao visconde de Santarém, e este, entusiasmado, iria promover a publicação do texto com um prefácio seu. A obra viera no momento certo, pois que, com ela, se provava que tinham sido os portugueses a explorar pela primeira vez a costa da Guiné, e não os franceses, como estes pretendiam.
Ora esta conclusão baseava-se em provas indisputáveis. Que eram os relatos de viagem, , que os homens que a realizado, tinham ditado para o infante D. Henrique. D. Afonso V, que encomendara a obra a Zurara, sugerira que ele consultasse para ela os referidos relatos. Zurara fez mais, publicou os ditos relatos. Não os interpretou à sua maneira, deu-os na sua forma original. Com o resultado que não há crónica tão pouco ‘crónica’ como esta. Não é o relato dos feitos de armas de cavaleiros de grandes nomes. Creio que, a não ser o Infante não há fidalgo mencionado. É um livro de aventuras, vividas e narradas por homens simples, por gente do mar.
Não eram explorações científicas aquelas ao longo da costa da Guiné. O Infante queria saber como aquilo era, como era a gente, que rios desaguavam, que enseadas havia. Pois bem, os donos de boas embarcações de pesca, que conheciam bem a costa, estavam prontos a ver aquilo melhor, a ir até um pouco mais longe. A coisa era proveitosa, o Infante contribuía, e a venda dos negros que se capturassem era um óptimo negócio. Mesmo dando ao Infante a sua parte. Tudo muito natural, não chocando ninguém.
Nos séculos XIX e XX é que já havia outras ideias quanto a compra e venda de escravos, e aliar a figura do grande Infante a esse negócio não apetecia. A crónica de Zurara, muito bem vinda como fonte, pela qual se provava a primazia portuguesa na exploração da costa oeste africana, era também uma fonte, , para reconstituir a figura de D.Henrique. Mas uma fonte que se teria gostosamente dispensado. A crónica continha também a descrição do aspecto físico do Infante. Zurara conhecera-o bem, aliás, ele ainda era vivo quando o cronista iniciou a sua escrita. O príncipe era um homem alto e forte, de largos ombros, tês clara, queimada do sol e cabelo levantado. Um retrato convincente. Sucedia, porém, que junto do texto de Zurara se via uma miniatura de um homem que tinha uma divisa igual à do Infante, ou muito parecida, e esse homem, de pele escura, ombros estreitos e cabelo preto penteado para a testa, não se parecia em nada com a descrição de Zurara. Os primeiros investigadores decerto o notaram, mas não deram grande importância ao caso. Toda a gente gostava de ter um retrato visual do Infante. E, depois, quem é que iria ler aquilo? Optou-se por ignorar uma informação histórica de fonte insuspeita. Historiadores agiram como crianças que esperam “que não se dê por isso”.
A crónica de Zurara exemplifica como provas históricas se podem, aproveitar de várias maneiras.
Observação à margem
Devem ser poucos os que leram esta crónica. E não é leitura que se recomende a leitores de história, que a querem como eles acham que ela devia ser, ou ter sido. Para os que aceitam a história como ela foi, mesmo que por vezes deplorando que assim fosse, para esses, a leitura das aventuras daqueles geógrafos improvisados é bem interessante.

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Ir às fontes

>> terça-feira, 13 de abril de 2010

Quando me meti a escrever história, descobri uma coisa inesperada. Descobri que a leitura dos documentos, nos quais me iria basear para escrever o livro planeado, que essa leitura era para mim um constante divertimento. É verdade, que, para os livros históricos que escrevi, consultei em geral documentos escritos à mão, e que, talvez por isso, visse sempre a mão do homem por detrás de pergaminho ou papel. Senti-me sempre próximo do feito que se registava no documento. Tanto quando, para a biografia de um militar e diplomata da Restauração, lia cartas, comunicados, actas de reuniões, missivas diplomáticas do século XVII, como quando, anos depois, li os pergaminhos dos séculos XIII e XIV, e, mais recentemente, li as cartas e missivas. E até as contas dos capitães do século XVI.
O documento medieval é particularmente vivo. O notário acompanhava o feito in loco. Quando no século XIV, a abadessa do mosteiro de Lorvão vai em pessoa tomar posse pelo seu mosteiro de uma almoínha, da qual o rendeiro não entregava a renda, o notário estava presente e anotou devidamente que dona abadessa pegara em terra e partira ramo de planta e galho de árvore, em prova de que aquela terra era sua, de seu mosteiro. E quando duas monjas do mesmo mosteiro vão a uma terra, que o mosteiro o mosteiro sabia ser sua, e o prior do Crato afirmava que era do seu priorado, pois lá estava o notário e anotando como as monjas tinham varrido o trigo no terreiro, e como um delas se sentara em cima dos fardos para demonstrar que aquele trigo era do mosteiro. E quando as freiras de Chelas contratam um caminheiro para levar a Roma as queixas que tinham do bispo de Lisboa lá estava o seu notário para redigir o contrato, e anotar como tudo se passara. A saber : que o contrato fora feito no cais do Furadouro, dali, onde ancoravam as naus de Flandres, e que o mensageiro recebera a missiva que devia entregar e o dinheiro para a viagem, e que pegara no bordão e se pusera logo a a andar, como ´homem caminhante.´ Com o que ficava bem testemunhado que ele fora pago e que aceitara o encargo.
Os documentos valem por aquilo que o pesquisador neles sabe ler. Naquele caso, estava a escrever sobre a vida da monja medieval portuguesa, centrando-me sobretudo na história de Santa Maria de Lorvão, o documento de Chelas fez com que procurasse saber o que se fazia em Lorvão quando as monjas mandavam recados para fora do reino. Não encontrei contratos celebrados com caminheiros. Do que presumi, que Lorvão enviava a essas missões alguém que estava ao seu serviço para o efeito.
Outra pessoa, que lesse o mesmo documento, tiraria dele outra informação, faria a partir dele outro raciocínio. Mas tínhamos ido à mesma fonte.
Os historiadores do século XIX descobriram que para escrever história do passado, havia que consultar os documentos originais desse passado, que havia que ir às ‘fontes’. Ignoro quem cunhou a expressão, mas dificilmente se encontraria melhor forma de designar a consulta documental para um livro de história. Há que ir às fontes.

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>> quarta-feira, 7 de abril de 2010

Bibliografia
Não sei quando se iniciou, se tornou hábito e, por fim, obrigatório, citar no fim de um livro de história, as obras que se haviam consultado. Hoje a coisa existe, e não se concebe como possa não ter existido.
Creio ter escrito uma vez, que, por princípio, não procurava orientação alheia para a minha escrita. É verdade. Mal ou bem, preferi sempre a independência. Teimosamente só, livre de idear à minha maneira.
Em matéria de bibliografia e de fontes as coisas foram ligeiramente diferentes. Não senti a necessidade de consulta, mas aceitei com gratidão as sugestões que me fizessem. A uma dessas sugestões devo a explicação de um problema e a visão totalmente nova de certo aspecto do assunto do livro que planeava.
Estava na livraria Histórica Ultramarina, e em conversa com José Maria Almarjão, contei-lhe que pensava escrever sobre a vida das monjas medievais em Portugal, e que em português pouco encontrava sobre o assunto. O Dr. Berckmaier colaborador alemão do livreiro, entrou naquele momento, ouviu o que eu disse, pegou num papel, escreveu qualquer coisa, estendeu-me o papel, e disse: -leia este livro. Li o livro. Era em alemão e tratava de movimentos religiosos femininos na Idade Média. A leitura abriu-me os olhos. Percebi como se explicava que, no século XIII, tantos mosteiros de homens tivessem passado a ser mosteiros de mulheres. A transformação do grande mosteiro de monges de Santa Maria de Lorvão em mosteiro de mulheres, , conseguida não sem luta, note-se, explicava-se. Explicava-se a instalação de celas de mulheres religiosas em Alenquer.
As filhas de D. Sancho I, D. Joana, apoiando as mulheres francas de Alenquer que queriam viver a vida religiosa em celas individuais, D.Teresa, que instalou monjas em Lorvão, D. Mafalda, que tomou conta de Arouca, foram, quase com certeza, adeptas do papei activo da mulher em matéria de religião, e representantes em Portugal do feminismo religioso, que se espalhara pela Europa.
O primeiro capítulo daquele meu livro (ainda por publicar) foi escrito tendo em conta as novas perspectivas que um livro aconselhado por um conhecedor, me tinham aberto.
Independente na escrita, sim, mas em matéria de bibliografia e de fontes aberta a todas as sugestões.

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