Incunabulos. Sabe o que sao?

>> segunda-feira, 29 de dezembro de 2008



18. Incunábulos. Sabe o que são ?
A minha filha, achando, e com razão, que uma bloguista que se estreava com um blog próprio, gostaria de ler das experiências nesse campo de um conhecido critico literário, deu-me pelo Natal o livro de Pierre Assouline, “BRÈVES DE BLOG Le Nouvel Âge de la Conversation”. É uma antologia dos comentários que o autor recebeu desde que iniciou a sua aventura na blogo-esfera: “reunindo 600 comentários, escolhidos entre os melhores e os mais engraçados. Há lado a lado trocas de impressão de alto gabarito, confidências, polémicas, apreciações literárias, e autênticas criticas inéditas.”*
--E o que tem isso a ver com ‘incunábulo’?-perguntarão. Tem a ver com isso, devido a uma frase do autor no seu prefácio. Escreve ele: “Il n’ya a pas eu rupture lorsqu’on est passé de l’incunable à l’imprimerie.......”, ou seja “não houve ruptura quando se passou do incunábulo à impressão”. Subentende-se que Pierra Assouline pensa que o incunábulo é qualquer coisa que antecedeu a impressão, quando o incunábulo é na verdade um produto da impressão. Se entre os leitores do seu livro se encontraram bibliófilos, Assouline deve ter sido inundado por indignados comentários.
“Comentando” eu por minha vez este lapso em conversa com a minha filha e o meu genro, constatei, com grande espanto e alguma indignação, que eles - pessoas cultas e lidas - também não sabiam o que era um incunábulo. É verdade que estão decerto em boa companhia, mas mesmo assim...
“Incunábula é o mistério dos mistérios na bibliofilia”, escreve Bernard J. Farmer em ‘The Gentle Art of Book-Collecting’*, e conta a história do neófito em coleccionar livros que entrou numa livraria e perguntou pelas obras do "Sr. "Incunábulo".
No ano de 1456 publicou-se na Alemanha, na cidade de Mogúncia, uma Bíblia que não fora escrita à mão. Dizia-se que fora "impressa", e o homem que descobrira como produzir um livro sem ser escrito à mão chamava-se Johannes Gutenberg. A Bíblia de Gutenberg seria um dia conhecida como o mais importante e o mais valioso dos incunábulos.
A descoberta de Gutenberg consistia basicamente nisto: compor o texto de um livro por meio de cubos nos quais estava uma letra em relevo. Alinhavam-.se essas letras - formando as requeridas palavras - numa vara do tamanho duma linha e colocava-se depois essa linha de letras dentro duma caixa, ou "forma", e isso, sucessivamente, até formar uma página de texto.
Uma vez o texto composto com aquelas letras "moveis", passava-se tinta nas letras, colocava-se em cima da forma uma folha de papel e, por meio duma prensa, premia-se o papel sobre as letras: Estas ficavam 'impressas' na folha de papel. Dessas folhas podiam se imprimir tantas quanto se quisesse.
Houve vozes que troçaram da nova invenção. Afinal o que era isso? Que vantagem tinha sobre os livros escritos à mão? Gutenberg confessava ter levado cinco anos a compor a sua Bíblia. Era o mesmo que levava um copista a copiá-la. Pois era. Só que o copista copiava um único exemplar, enquanto que, com a "impressora", uma vez a obra composta, se podiam fazer, se podiam "imprimir", inúmeros exemplares da mesma obra.
A arte propagou-se, espalhou-se pela Europa. Imprimiam-se livros de devoção, de ciência, de história, de filosofia, de poesia, de matemática, de astronomia, de navegação.. Acabara a cópia laboriosa de livros à mão, e um exemplar de cada vez. Em fins do século XV já só excepcionalmente se copiavam livros à mão.
De uma publicação da Universidade de Bamberg “Von Buechern und Bibliotheken, libri e biblioteche” copio a seguinte informação:
◦ Incunábulos são livros impressos entre a invenção da impressão com letras móveis em 1445 e o ano de 1500. Dos cerca de 40.000 textos conhecidos, cerca de 10.000 são folhetos e textos de uma só folha, e o número total de exemplares de incunábulos é de mais de meio milhão.
Calcula-se que as edições eram em média de 200 exemplares.
A maioria dos incunábulos conhecidos e identificáveis é de origem alemã, francesa ou italiana. .
A partir de 1457 encontram-se exemplares contendo no final da obra um ‘colophon’ com a indicação de autor, local e ano de impressão, assim como do editor.
Páginas de título aparecem pela primeira vez em 1465 ….
A partir de 1470 aumenta a produção de livros ilustrados com gravuras em madeira, ---- “
.
A arte de imprimir de forma mecânica, a 'arte secreta', a 'irrepressível arte', como alguns lhe chamaram, viera para ficar e revolucionaria o mundo.
Sobre a origem da palavra “incunábulo” para designar esses primeiros livros impressos, lê-se em Wikipedia: “Inkunabel“ é a “designação metafórica significando que se trata de uma obra que ainda está no berço (cuna), ou em fraldas. A expressão encontra-se comprovadamente pela primeira vez entre 1640 e 1657 na bibliografia Antiquarium impressionum a primaeva artis typographicae...de Bernhard van Mallinkrodt...

Observações à margem
Na livraria de D. Manuel I, que não era muito vasta – o rei tinha ao todo 49 livros - distinguiam-se, no inventário feito em 1522 por sua morte, os livros “de pena”, ou seja escritos á mão com pena, e os livros “de letra de forma”, ou seja de letras colocadas em forma, impressos. Por exemplo:
“It. hum livro pequeno encadernado de couro vemelho, o qual livro é de forma, e tem pimturas dos vultos dos emperadores de Roma. e assy escripto de letra de forma. E no princípio começa Leo Papa.....”
It. outro livro de letra de pena emluminado, que se chama Regimento dos Reys darmas....
It. outro livro de pena que se chama marco pólo, cuberto de veludo cramesy com duas brochas de prata anylada”

O que dizem outros
Num engraçado livro intitulado “Le Journal du Monde”* que publica as notícias históricas em forma de notícias de jornal dos nossos dias, lê-se para o ano de 1453
“De notre envoyé spécial a Mayence 1453
Il s’appelle Johann Gutenberg, c’est un artisan de Mayence. Il effectue actuellement des essais d’impression selon un procédé nouveau qui semble promis a um grand avenir. Si ses espoirs ne sont pás décus, toute la technique de la diffusion des écrits pourrait simplement s’en trouver bouleversée... ....... Imagine-t-on l’aspecr sésolant d’une bibliothèque òu tous les livres seraient écrits dans le même caractère?”
* Traduzido de “News of the World” Prentice Hall Inc.

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O Livro de Natal

>> segunda-feira, 22 de dezembro de 2008


17. O livro de Natal
No Natal passado escrevi para a família, para circulação particular, um livro intitulado “Quando éramos pequenos”. Retiro dele o que se segue:
“Umas semanas antes do Natal chegava a nossa casa um pinheiro do Norte. Vinha de lá. O nosso pai era alemão, recebia da Alemanha uma árvore para o nosso Natal. A árvore ia para um quarto que estava sempre fechado, onde só entravam as pessoas grandes. O pai enfeitava a árvore com as bolas e estrelas prateadas que trouxera de casa dos pais dele, punha velas nas hastes da árvore, a mãe armava o presépio em baixo, ao pé da árvore, e, na véspera do Natal, pelas sete da tarde, tocava uma campainha, badalando que o menino Jesus chegara, e deixara presentes. Os meus irmãos e eu estávamos ansiosos à espera de ser chamados, de ouvir o toque da campainha, que nos dizia que podíamos vir. Entrávamos, emocionados, no quarto onde estava a árvore. Os presentes eram sempre, sempre, surpresa. Mas sabíamos de certeza absoluta, que um dos presentes seria um livro. Além do livro havia mais um ou dois presentes, mas o livro não faltava.
Era o “Weihnachtsbuch”, o “livro de Natal”. Começava-se aos três ou quatro anos pelos livros de estampas, de folhas duras, ou mesmo de pano, e com sete ou oito anos, recebíamos o nosso primeiro livro “bom”. Um livro a sério, “para ficar”. Eu recebi esse meu primeiro livro quando tinha sete anos. Eram os contos de Grimm, livro grande, grosso, com muitos contos que ainda não conhecía, com bonita encadernação, e ilustrações de página inteira. Ilustrações lindas, misteriosas, maravilhosas. O meu irmão mais velho recebeu nesse Natal, tinha oito anos, o livro das sagas alemãs. Eram visivelmente livros especiais, que não devíamos estragar com borradelas a lápis de cor. O primeiro livro de Natal que se recebia era para a vida. Eu ainda tenho o meu”.

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Primeira frase

>> segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


16. A primeira frase
Tenho um pequeno livro contendo a compilação das melhores respostas recebidas num concurso organizado na Alemanha, no qual os participantes - de crianças a adultos - deviam indicar qual o livro em língua alemã “cuja primeira frase os tinha especialmente encantado e impressionado, ou que lhes tinha provocado mais curiosidade, e que no seguimento tinha cumprido a promessa da primeira frase, proporcionando-lhes o prazer de uma boa leitura”.
Ou seja, os participantes, deviam não só indicar a frase, como explicar o porquê da sua escolha. O concurso teve óptima aceitação, responderam alunos de escola primária, punks, escritores, professores, o presidente do parlamento.
Achei graça constatar nos participantes mais pequenos a predilecção pela frase com uma certa musicalidade. Uma rapariga de oito anos escreve que era por isso, e por causa do nome dos ‘vavuchos’ que gostava da sua primeira frase:
“Era um lindo dia de verão, o sol brilhava na floresta, e na sua montanha os vavuchos escutavam”. Não li o livro, ignoro que criaturas sejam os vavuchos, mas percebo a leitora.
Muito escolhida foi também entre os mais novos a primeira frase do conto “A Transformação” de Kafka, e muito curiosas as explicações para essa escolha. As explicações da opção são talvez a parte mais valiosa do concurso.
Alguns não-concorrentes deram a sua opinião sobre o que lhes importava na primeira frase de um livro. Da parte dos escritores consultados havia unanimidade, todos declaravam dar particular importância à primeira frase. Entre os leitores, havia os que julgavam o livro pela sua primeira frase, e não liam para diante, se esta não lhes agradava, havia outros menos radicais, mas, com uma única excepção, eram todos da opinião que a primeira frase marcava o livro.
Pensei também eu sobre o assunto.
Acho natural dar importância à primeira frase, e nunca comecei um livro sem a ter considerado e escrito. Posso depois modificá-la um pouco, mas na essência não mudará.
Como leitora, é possível que alguma vez tenha escolhido um livro pela excelência da sua primeira frase, mas é o que leio no interior que me guia. Começo por abrir o livro desconhecido ao acaso, leio umas linhas aqui, umas linhas, ali, e só depois vou ao início e leio a primeira frase. Se o livro é bem escrito, a primeira frase decerto também o será. Não necessariamente, memorável, mas decerto adequada. Nessa altura ainda nem sei se vou gostar do livro, ou não. Ora, é depois de ter lido o livro, e gostado dele que fixamos a sua primeira frase. Se ela é digna disso, evidentemente. Há inúmeros livros que lemos com gosto, que até relemos, e que começam com primeiras frases que não nos passa pela cabeça recordar. Dizem aquilo que têm a dizer - cumprem a sua obrigação - são frases perfeitamente adequadas ao texto que se segue, mas não são “memoráveis”.
Há primeiras frases, e primeiras frases.
Há uma ou outra primeira frase de que nos recordamos, por gosto pessoal, sem que ela seja, em si, “memorável”.
Há a modesta primeira frase de um livro preferido em criança.”Natal, não é Natal sem o pai, disse Jo” nas “Quatro Raparigas” de Luísa May Alcott
De algumas primeiras frases podemos ter esquecido o texto completo, mas basta ouvir delas as primeiras palavras, e sabemos de imediato de onde vem. São os prelúdios das grandes obras da literatura.
--“Muita coisa de espantar nos é dita em velhas sagas: de heróis de grande fama, de trabalhos sem conta, de alegrias e altos momentos, de lágrimas e lamentos”
A primeira frase do canto dos Nibelungos

--“No meio do caminho em nossa vida, eu me encontrei por uma selva escura, porque a direita via era perdida”,
da Divina Comédia, agora traduzida por Vasco Graça Moura:

--“As armas e os barões assinalados, que da ocidental praia lusitana, por mares nunca antes navegados, passaram ainda além de Topobama”
dos Lusíadas,

--“Estudei, ah! filosofia, juristeria, medicina e, infelizmente, até teologia com firme empenho”
do Fausto, de Goethe

Em outras obras de ficção, talvez tenhamos fixado a primeira frase, pela sua extraordinária afirmação, como sucede em Ana Karenine de Tolstoi
--“Todas as famílias felizes se assemelham, mas as infelizes são cada uma infeliz à sua maneira.”

Algumas primeiras frases marcam de imediato o tom da obra. Em As Três Irmãs de Anton Tchekow é a nostalgia:
--”Foi exactamente há um ano que nosso pai morreu, neste mesmo dia cinco de Maio, o dia do teu aniversário, Irina.”
O mesmo sucede em Brideshead Revisited de Evelyn Waugh
--“Eu já antes aqui tinha estado”

Algumas traçam em uma linha o retrato do principal protagonista da estória:
--“O meu amigo Jacinto nasceu num palácio com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e olival” As Cidades e As Serras Eça de Queiroz

Algumas primeiras frases questionam:
--“Como se chega a esse misterioso arquipélago?” O Arquipélago Gulag A. Solchenitzyne

Em algumas delas, as palavras têm uma certa cadência:
--“Num fim de tarde excepcionalmente quente, em princípios de Julho, um homem novo saiu do sótão onde vivia na praça S. e dirigiu-se lentamente, como que hesitante, em direcção da ponte de K.”
Crime e Castigo Fyodor Dostoiewsky

--“Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor de rosa, trabalhava.” A Ilustre Casa de Ramires Eça de Queiroz
33 palavras em Dostoiewsky, 35 em Eça.

Algumas primeiras frases parecem pequenas para tão grandes obras, e, no entanto...
--“Durante muito tempo deitei-me cedo”
Du Côté de chez Swann” Marcel Proust
--“Era uma noite fria de lua nova”
O Tempo e o Vento Erico Veríssimo

Algumas primeiras frases são irónicas:
“É uma verdade universalmente reconhecida que um homem possuidor de uma boa fortuna tem de estar à procura de mulher”
Orgulho e Preconceito de Jane Austen

Isto, quanto a ficção. A poesia é um caso àparte. Mas também na outra literatura, nas grandes obras de História, nas Memórias, em Biografias, não faltam memoráveis primeiras frases.
--“Como produto do nosso ensino estatal, acabei a escola em 1832 como panteísta, e se não como republicano, em todo o caso com a convicção de que a republica era a forma de governo mais racional, e a reflexão sobre os motivos que levavam milhões de homens a obedecer a um só, enquanto ouvia à gente crescida tantas acerbas ou irónicas críticas aos soberanos.”
Pensamentos e Recordações Otto v. Bismarck

O que todas as primeiras frases que se recordam, que merecem ser lembradas – que são memoráveis - têm em comum, é que todas, de uma ou de outra maneira, dão a entender ao leitor o que o espera na leitura que se segue. E nenhuma memorável primeira frase - seja ela curta ou comprida - tem palavras a mais.
Acho eu. Mas quem sabe se não me podem provar o contrário.
E a sua primeira frase?

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Pequenas escritoras

>> segunda-feira, 8 de dezembro de 2008


15. Pequenas escritoras
Anna Pelizarri tem oito anos, mora em casa diante da minha, e, quando soube que tinha uma vizinha que escrevia, pediu para a conhecer. Quer ser escritora, já escreve estórias, e não está muito segura “quanto a parágrafos”. Conversámos sobre parágrafos e outras coisas que - como escritoras - interessam a ambas. Anna lê muito. Lê naturalmente livros para a sua idade. As estórias de Anna são estórias de criança inspiradas em livros para crianças. É entusiasta da escrita, em uma das suas estórias, “O Universo de Matilde”, ela interrompe a narrativa para escrever: “ADORO ESTA HISTÓRIA!!!!!” Estou convencida que Anna virá a realizar o seu sonho, e ser uma escritora a sério, e muito produtiva.
Anna, escrevendo as suas histórias aos oito anos, lembrou-me Daisy Ashford.
Daisy tinha nove quando escreveu uma estória que intitulou “The Young Visiters” (sic). Daisy confessaria um dia, que, em criança, lia todos os livros que lhe caíam nas mãos. E não só livros de criança. Salta à vista que ela se inspirou em romances para adultos. The Young Visiters é uma história de adultos vistos por uma criança, uma estória que é apreciada, direi mesmo que, só apreciada, por adultos.
Daisy tinha tudo para vir a ser escritora a sério, e no entanto não escreveu mais que The Young Visiters e uma outra estória. Só que o seu livro ficou. As acções dos adultos vistas pelos olhos de Daisy, são de um cómico irresistível. “The Young Visiters” é uma pequena obra prima de humor involuntário.
Terry Rose, neta de Daisy, escreve sobre a avó, que ela nunca pensara ser escritora ”para ela e as irmãs escrever estórias era um entretimento. A sua ‘carreira’ como escritora começou aos 4 anos, quando ditou ao pai “The Life of Father McSwiney” e terminou aos 14 anos com “The Hangman's Daughter”. “The Young Visiters” foi escrito em 1890 quando ela tinha nove anos.”
O livro foi descoberto quando Daisy e as irmãs procediam a uma limpeza da casa depois da morte da mãe. “Encontraram um masso de cadernos e, entre eles, um com The Young Visiters. Acharam a estória tão divertida, que a mandaram a uma amiga doente para a distrair. Esta por sua vez mandou-a a Frank Swinnerton, autor de livros de ficção e leitor para a editora Chatto and Windus. Que decidiu publicar a obrinha.”
JM Barrie, autor de livros para crianças, (entre eles Peter Pan) escreveu o prefácio, “e um público pasmado, não conseguindo acreditar, que uma criança de nove anos tivesse escrito aquilo, assumiu que Barrie é que era o autor. O que resultou em enorme publicididade para o livro. Foi um bestseller, e Daisy, sempre timida e modesta, viu-se obrigada a aparecer e falar sobre o seu livro para provar que o autor era ela e não Barrie.”* Até aqui Terry Rose
*Traduzido de um comentário em Amazon.co.uk para uma edição do livro em 1988.

O livro foi publicado tal como Daisy o escreveu, sem emendar erros de gramática ou de ortografia. A primeira edição do livro é de Maio de 1919, o meu exemplar, encontrado em dia feliz num alfarrabista, data de Agosto desse ano, e é de uma 13ªedição.
Tentarei dar uma ideia do “Young Visiters” .

O protagonista do romance é um Mr. Salteena, que “era um senhor de idade”. Tinha 42 anos. Com ele vivia “uma rapariga bastante nova, chamada Ethel Montecue”. Tinha 17 anos. Um dia Mr. Salteena recebe pelo correio o convite de um senhor chamado Bernard Clark para passar uns dias em sua casa. Que venha e traga também uma rapariga bonita. Juntamente com esse convite vem um embrulho com um chapéu alto para Mr. Salteena usar durante a visita. Mr Salteena fica muito contente com o convite, e escreve de imediato a aceitar: “subiu as escadas muito depressa nas suas gordas pernas, preparou o mata-borrão, fungou duas vezes com força, e isto foi o que escreveu:
Meu caro Bernard, irei com certeza na segunda-feira. Levo Ethel Monticue, geralmente chamada Miss M. É muito activa e bonita. Espero divirtir-me. Gosto muito de cavar no jardim, e sou parcial a senhoras, quando são simpáticas, julgo que é da minha natureza. Não sou bem um gentleman, mas quase não se nota, e de resto não há nada a fazer”.
No dia da partida Mr. Salteena dispensa o ovo ao pequeno almoço, “no caso de enjoar durante a viagem”. No comboio que os leva a casa de Bernard Clark, Mr. Salteena e Ethel debatem a forma de se portarem numa casa como a de Clark. São recebidos por um imponente butler, que os conduz à presença do dono da casa, gentleman muito bem parecido, “um pouco inclinado no meio” que cora ao olhar para Ethel.
Passados uns dias, com pequenos problemas causados pelos caprichos de Ethel, Mr Salteena parte para Londres, para que um amigo de Bernard Clark, o conde de Clinsham, lhe dê lições de como ser mais gentleman.
“Quando Mr. Salteena chegou a Londres começou a passear nas principais ruas e a pensar que alegre que tudo era. Presentement avistou um restaurant (sic) com um homem muito grande à porta. Entrou corajosamente. Era um local sumptuoso todo feito em oiro com bastantes espelhos.” Muitas bonitas senhoras e homens já estavam “degustando comida suculenta e ricos vinhos e whisky” e Mr Salteen tomou um pouco de whisky para ganhar coragem. Depois da refeição, Mr Salteena saiu e um amável policio indicou-lhe onde era o Palacio de Cristal. Chegando finalmente a esse “admirável edifício” Mr. Salteena encontra o conde, que o recebe muito amavelmente:
“--Olá--disse essa amável criatura.
--Olá--respondeu o nosso herói, inclinando-se profundamente,e deixando cair o seu chapéu alto.
--Estou-me dirgindo ao conde de Clincham?-
--Está-o na verdade--respondeu o conde com um sorriso agradável-- e a quem me estou dirigindo, eh?—
O nosso herói inclinou-se de novo
--Alfredo Salteena--disse em voz grave.
--Muito bem-- disse o bom do conde, --em que lhe posso ser útil?”
Mr Salteena explicou que “na verdade não era ninguém de importância, e que não era bem um gentleman, como se costumava dizer”
--Ah, bom, tome um pouco de whisky--disse lord Clinsham, e encheu um copo que tinha a seu lado. Mr Salteena engorgitou-o gratamente.
--Bem, meu bom homem—disse o bondoso conde-- o que eu digo, é que não podemos ser todos do sangue real.”
A conversa prosseguiu, o conde quis saber se Mr. Salteena tinha muito dinheiro, e estava preparado a gastá-lo.
“--Oh, sim, respondeu Mr. Salteena --tenho muito no banco, e tenho 10 libras em oiro aqui no bolso.
--Óptimo, disse o conde.”
É que aquilo ali era dispendioso, explicou, “eram as paragens da aristocracia, e aguentavam-se graças a homens que não queriam ser só
–Se é que me faço entender?
--Oh, perfeitamente --respondeu Mr. Salteena
Pessoalmente, ele até gostava de pessoas que eram só somente, disse sua senhoria, o conde, mas o treino ali era caro, e se Mr Salteena não podia pagar, nada feito.
Mr Salteena poz logo ali dez libras em cima da mesa, que o conde pôs na algibeira,
--Antes que eu o tenha despachado, precisará de 42 libras--disse o conde --mas pode pagar aqui e ali, conforme convenha.
--Oh, obrigada--disse Mr. Salteena
--De nada--disse o conde --e agora vamos a isso.”
Explicou a Mr. Salteena que seria instalado ali mesmo, “num apartamento designado por andar de baixo”, e que, de vez em quando, se “misturaria com ele para um pouco de gramática”, que talvez o levasse a caçar, “e que também tinha ali quantidade de senhoras”, e dava festas a que ele poderia às vezes assistir.
“Os olhos de Mr. Salteena brilharam de excitação
--Vou gostar--gritou
O conde tossio com força.”
Também era preciso que Mr. Salteena escolhesse uma profissão, disse sua senhoria, o conde,
“--Já que a sua instrução depende conforme.
--Poderei eu ser qualquer coisa no palácio de Buckingham?--disse Mr Salteena com olhos a brilhar.
--Bem, não sei bem-- disse o nobre conde--talvez que possa galopar junto da carruagem real, se quer exprimentar.”
Seguem-se mais informações sobre os passos que Mr. Salteena teria de seguir para ser menos e o capítulo termina pouco depois.
“E aqui vou acabar o meu capítulo”, declara Daisy.
Quando o conde de Clinsham entendeu que Mr. Salteena já estava apresentável, levou-o a uma recepção ao palácio de Buckingham.
Antes de entrarem nos salões do palacio, “o conde torceu o bigode, e muito calmamente bateu na perna com a sua luva branca. Mr. Salteena suava profusamente e ajeitou os suspensórios, para estar seguro.”
As portas dos salões abriram-se de para em par, os criados anunciaram em voz alta o nome do conde de Clinsham e do seu amigo.
“O sumptuoso espaço estava cheio de homens de nobre natureza, e de senhoras de todos os tons, com longas caudas e jóias às dúzias. Havia duques por toda a parte, e uma boa porção de príncipes e de arqui-duques, porque era na verdade uma muito sumptuosa recepção.”
O conde e Mr. Salteena conseguiram furar através dos duques e príncipes até chegarem a uma plataforma drapeada de veludo branco. “E aí numa cadeira de ouro estava sentado o príncipe de Gales com um lindo casaco de arminho e uma pequena, mas custosa, coroa na cabeça.”
Houve os cumprimentos da praxe, o príncipe conversou com o conde, e a dada altura declarou que lhe apetecia um calmo copo de champagne.
“--Venha também Clinsham, e traga o seu amigo. Estão a chegar os dipomatas, e eu não estou muito in the mood para conversa profunda, Já assinei doze documentos, por isso já fiz o meu dever.”
Foram para uma pequena sala, onde o príncipe bateu com os dedos numa mesa e logo apareceu um criado a quem ele ordenou que trouxesse champagne
“--E alguns gelados—acrescentou.”
As coisas apareceram “como por mágica”, e o príncipe pegou numa caixa de charutos que passou à volta.
“--Fica-se cansado da vida de corte—observou.
--Ah, sim—concordou o conde.
--Incomoda-me--disse o príncipe, lambendo o seu gelado de morango. --Eu só quero paz e sossego e um pouco de divertimento de vez em quando, e aqui estou preso a esta vida –disse, tirando a coroa da cabeça,-- isto de ser real tem muitos dolorosos inconvenientes
--Na verdade, disse o conde.”
E por aí fora, até que Daisy acha que já é tempo de mudar de assunto
“E agora vamos deixar o nosso herói gozando do seu glimpse de vida na alta roda, e voltar para Ethel Montecue”. escreve.
Ethel ficara em casa de Bernard Clark, e, como era de prever, este declara-lhe o seu amor. A proposta de casamento é especialmente comovente. Ethel desmaia de felicidade quando ouve “as místicas palavras”. Bernard fica muito aflito, e , “pousando a delicada carga na margem do rio, foi encher um copo com o fragrante fluido para a deitar na pálida testa da sua bem amada”
Mr Salteena, sofre de terríveis ciumes quando é informado do noivado de Ethel, mas virá a consolar-se casando com uma criada da casa real, “uma simpática rapariga de 18 anos chamada Bessie Topp, com uma cara redonda e corada e olhos bastante pretuberantes”. De resto realiza a ambição ”que a sua alma implorava”: um emprego em Buckingham Palace. E todos os dias podia ser visto “galopando loucamente atrás da real carruagem, elegantemente vestido de veludo verde”.
Daisy não deixa os seus leitores em dúvida sobre o destino dos seus heróis. Informa-nos que Ethel e Bernard passaram a lua de mel no Egipto. Ethel enjoou um pouco no barco, mas Bernard enfrentou a tempestade em “estilo masculino”, Ethel recuperou quando chegaram ao Egipto “e aqui os deixamos por umas alegres seis semanas de felicidade enquanto regressamos a Inglaterra.”
Os recém casados voltaram da lua de mel com “um filho e herdeiro, um engraçado e gordo rapazinho chamado Ignatius Bernard”, e pelos anos fora nascem-lhes muitos mais flhos.
Mr Salteena também teve uma grande família, dez raparigas e dez rapazes, pelo que a sua casa era bastante barulhenta. A mulher era às vezes um bocado massadora, sobretudo quando o marido sonhava alto com Ethel, e se lamentava de não ter casado com ela. “Mas, enfim, ele era um homem piedoso e consolava-se com a oração-”
Quanto ao nobre conde de Clincham, casara com uma senhora que não era tão bonita como Ethel, mas tinha bonitos pés e bastante dinheiro. Tiveram duas filhas, uma chamava-se Helena, a outra chamava-se “Marie, porque parecia um pouco francesa”. O conde “depressa se cansou das suas doentias filhas, e a sua mulher tinha feroz feitio, e assim ele pensou em divorciá-la e experimentar outra vez, mas depois de várias tentativas, desistiu da ideia, e oferecê-o como mortificação.”
Chegara-se ao fim.
“Por isso agora, meus leitores, vamos nos despedir dos catacteres neste livro.”

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Pequenas escritoras

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"Gabai-vos de ler e cantar bem?"

>> terça-feira, 2 de dezembro de 2008


14. “Gabai-vos de ler e cantar bem?”
Um dia – há muitos anos - publicou-se na secção ‘Cartas dos Leitores’ do hoje desaparecido "O Independente" uma carta, intitulada "Estimado JPC", na qual um grupo de leitores - que assinavam "Club dos Snobs" - ironizava a mania do jovem João Pereira Coutinho de gabar as suas leituras e os seus livros e, juntamente, criticar as patéticas poucas leituras e poucos livros dos ignorantes leitores das suas crónicas.
Senti-me frustrada por outros que não eu terem exprimido tão bem, e com tanta graça, o que eu queria ter escrito e não escrevi. É que também eu muitas vezes me encanitara com aquele jovem que me apontava determinados livros como um must absoluto, considerando ineptos aqueles que porventura não tivessem lido a obra prima por ele recomendada.
O que os autores da carta provavelmente ignoravam, e também eu até há pouco ignorava, é que a bazofia das leituras e o gabar da posse de muitos livros era - em tempos idos - considerado uma das manifestações da soberba e, como tal, era pecado! Verdade. Lê-se no “TRATADO DA CONFIÇOM”*, aquele livrinho impresso em Chaves em 1489, que - até prova em contrário (que fatalmente virá) - é considerado o primeiro livro impresso em Portugal em português.
Os "Tratados de Confissão" eram manuais onde os confessores encontravam as necessárias informações sobre o que era pecado e quais as penitências a aplicar aos fautosos. Ora ao passar os olhos pelo parágrafo que se refere à soberba, constatei que entre as manifestações pecaminosas da soberba está classificado o pecado de nos gabarmos dos nossos livros. Recomendava-se ao confessor que indagasse do seu confessado, se ele, se gabara de "ler e cantar bem", ou de "ter muitos livros e bons". Assim mesmo. Nada de gabarolice.
O mesmo – com outros propósitos - recomendava um inglês do século XVIII a seu filho.
Philip Dormer Stanhope, Lord Chesterfield, vivia na preocupação de incutir ao filho as boas maneiras, e de o precaver contra as pequenas manias que pudessem estragar a impressão favorável que desejava que o jovem Filipe Stanhope produzisse na primeira sociedade. A 22 de Fevereiro de 1748 escreve ao filho :
"Se queres evitar, por um lado a acusação de pedantismo, e, por outro, a suspeita de ignorância, evita a ostentação intelectual. Fala a fala da companhia em que te encontras, fala-a com simplicidade e não a salpiques com qualquer outra. Nunca queiras parecer mais sábio ou mais erudito que a gente com quem te encontras. Usa a tua erudição como o teu relógio, numa algibeira interior."**
*Tratado de Confissom. Fac-simile....Portugalie Monumenta Typographica. Imprensa Nacional. Casa da Moeda. Lisboa 1973
** Lord Chesterfield Letters to his son and others. London. J.M Dent&Sons Ltd


Observações à margem
Também já aconselhei livros e sugeri leituras. É verdade, já o fiz. Mas desisti. Aprendi a não o fazer, quando percebi que, quando a minha filha declarava - e ainda hoje o faz - , “não sei o que hei-de ler”, olhando-me com uma pergunta nos olhos, que a ultima coisa que ela na verdade queria - e quer - era uma sugestão sobre que livro ler. A pergunta estava-se ela fazendo a si mesma, e a resposta encontraria ela. Não aconselho livros, portanto. E não espero conselhos em matéria de leitura. Pior. Não aceito, com a gratidão que todo o conselho bem intencionado merece, que me aconselhem livros. Basta alguém me dizer: “Já leu o livro tal do autor tal? É óptimo, deve lê-lo” para eu estar imediatamente decidida a não ler o livro tal do senhor tal. Por melhor que seja. Pelo menos nos tempos mais próximos. Espírito de contradição? Pura e simples teomosia? Falta de humildade? Terei também eu de me confessar de soberba? Receio que sim. Mea culpa.

Das cartas à minha filha
Lisboa, 15.XI.1997
“........Como já lhe disse pelo telefone, o velho Chiado está ressuscitando, as pessoas estão a voltar. Quando de lá saí pelas 11 e meia não havia um lugar. O público das lojas: não elegante, mas "solid". A "esplanada" do Fernando Pessoa com todas as mesas ocupadas, porque estava um dia lindo, já se vê, mas porque é agradável estar ali. Ou deve ser, nunca lá me sentei. A Bertrand muito concorrida, os vendedores claramente com instruções de "aconselhar" o comprador. A um senhor que saía com um livro sobre as Cruzadas, um dos vendedores veio à porta dizer-lhe que havia também um livro sobre as Cruzadas vistas pelos árabes. O que até nem era despropositado, mas talvez um pouco excesso de zelo, porque o comprador já estava à porta. A outro ouvi "aconselhar" uma jovem leitora. Ela queria um livro - barato - de poesia francesa, e ele informou-a que tinham ali, nos Livres de Poche, as Flores do Mal e ....o Pére Goriot !!! São coisinhas destas que me fazem ganhar o dia”.

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Livros tambem se pomovem

>> segunda-feira, 24 de novembro de 2008


13. Livros também se promovem

Em matéria de livros uma das grandes novidades dos nossos dias é a forma como como se participa ao público, como se lhe anuncia, que o livro aí está.
O fenómeno ‘anúncio’ não é de hoje. Nas ruínas de Pompeia foram encontraradas tabuletas de anúncios comerciais, e decerto que lá se apregoava – se anunciava - a mercadoria em voz alta pelas ruas, tal como se faria, durante séculos, em toda a Europa. A dada altura o pregão, o anúncio oral, foi substituído pelo anúncio escrito, publicado em jornais, revistas e cartazes, e, em meados do século XIX, com o anúncio do fermento em pó do Dr. Oetker, deu-se outro passo. Surgiram produtos que se distinguiam dos outros pela sua marca, que dessa forma se anunciavam. Multiplicaram-se os produtos de marca: Lipton, Maggi, Bovril, Epson, Odol, Persil, Mecano, Maerkl, Bleyle. As marcas anunciavam chá, café, brinquedos, máquinas de costura, medicamentos, roupa interior, molhos, bebidas. Artigos produzidos em massa para uma massa de consumidores, que descobrira que precisava deles.
E os livros?
Bem, o livro - com L grande – era objecto, sim, mas também era obra de arte, era produto diferente. Não deixava de ser anunciado, mas de forma discreta. Talvez pelo respeito reverencial que o livro ainda inspirava. Não se podia decentemente pôr o livro ao nível do espartilho, do fermento em pó e dos sais Epson. Nobres razões. Mas na verdade contava sobretudo o facto de o produto livro ainda não se poder produzir em massa. Não havia máquinas que o fabricassem, e, mesmo que as houvesse, não haveria público para comprar livros em massa. Porque nem o mais hábil vendedor poderia convencer as massas que o libro lhe era necessário. Como lhe eram necessários o fermento em pó do Dr. Oetker e os sais Epson. O livro continuou pois a ser tratado como sempre fora. Era falado em artigos de jornais, tinha críticas em revistas literárias. Nas ultimas páginas das obras, as editoras anunciavam o novo livro da sua colecção. E não era às massas que os editores se dirigiam, era a um publico de gente conhecedora, que se guiava pelo que lia nos artigos, pelas críticas literárias, pelo que via nas livrarias.
As coisas mudaram. Não só passou a haver cada vez mais gente que sabe ler, como a haver cada vez mais gente sabendo que é bom ler. Nasceram novos leitores, novos amadores de livros, e factor decisivo, nasceu o computador e com ele nasceram cada vez mais autores. Descobre-se então que já se podiam produzir livros em massa, porque já havia autores em massa e leitores em massa. Conclui-se que o livro se podia divulgar como qualquer outro produto atractivo para a um vasto publico. Havia unicamente que o promover. Apagava-se o anúncio, começava a “promoção”.
A palavra ‘promoção’ é ambígua, paira uma ligeira dúvida sobre a expressão. Aplicada a um produto, tanto pode significar o seu enaltecimento, como a promoção da sua venda. Felizmente há os Estados Unidos para nos solucionarem os problemas, e nos States não há dúvida: Promotion = Sales promotion. Promoção = promoção de venda. O livro pode ser promovido, pode-se promover a sua venda. Mas atenção! Não todo e qualquer género de livro. Quando se fala de promoção de livro, está-se falando só e unicamente de livro de ficção. E dentro do género ficção, só e unicamente do romance. Que não passe pela cabeça do autor de uma grande biografia, de uma importante obra de história, de um livro de pensamento, que ou ele ou a sua obra têm chances de ser objecto de promoção. O processo tem outros destinatários: autor ou autora conhecidos do grande público, com livro de leitura agradável, fácil, mas não o parecendo. Livro que convide a virar as páginas. Havendo na mesa mais que uma obra obedecendo a essas exigências, opta-se obviamente por aquela obra que for de autor com nome mais conhecido. É esse um aspecto primordial da questão.
Ainda há relativamente poucos anos era praticamente só o livro que era apresentado ao publico, era o livro que, por assim dizer, saía à rua. O autor do livro ficava em casa à espera de saber o que sucedia ao seu menino. Agora que não se trata só de anunciar a chegada do livro, mas de o fazer vender, e não exclusivamente pela sua verdadeira ou suposta qualidade, pois agora o autor não pode ficar em casa. Se seu livro foi escolhido para ser promovido, ele, como progenitor, tem de ajudar na promoção. Com o seu esforço e a sua imagem. Nem que seja com a sua figura em cartazes e outros artefactos. O que, normalmente, não lhe deveria agradar.
Sendo o autor uma figura conhecida do publico, é provável que todo o anúncio em que a sua pessoa se mostre, mesmo o mais mal concebido, dará resultados positivos. Vem isto a propósito de um anúncio aos livros de Miguel Sousa Tavares, que recentemente vi.
Parece-me que na concepção se seguiu o modelo já usado quando do lançamento do “Equador”: a figura de Miguel Sousa Tavares - recortado em tábua ou cartão em tamanho natural (ou quase) - com o seu livro na mão. À entrada de lojas, supermercados, etc. Agora via-se MST, também recortado em papelão, mas desta vez no interior de uma livraria. Agora estava sentado, e oferecia os livros em pequena estante colocada à sua frente. Sorridente, a sua cabeça espreitava por cima de duas pequenas pilhas das suas últimas obras.
Lembrava uma daquelas vendedeiras ou daqueles vendedores, que há anos se viam às entradas dos mercados, elas vendendo pentes, espelhinhos com o jogo do gato e rato no verso, e travessas de cabelo, eles oferecendo botões de punho, fosforeiras, e alfinetes de gravata. Estavam sentados em cadeirinhas baixas, ou pequenos bancos, e tinham diante de si um tabuleiro alto com a sua mercadoria. Pois o nosso bestseller parecia estar sentado numa dessas cadeirinhas, ou num desses banquinhos. Olhei uma vez, passei adiante, voltei para trás para ver melhor. Não sou entendida em publicidade, mas aquela amostra pareceu-me um falhanço. Deu-me vontade de rir, o que não era decerto o objectivo dos criadores da peça. E, no entanto, quem sabe, se aquilo não convidou o público a ajudar o homem com o tabuleiro. Notei pouco tempo depois que tinham mudado a cara de MST, escolheram outro modelo. Tinham-lhe dado a sua cara de jovem, agora já estava adequadamente com a cara que todos lhe conhecemos. A seu lado, também sentado atrás do seu tabuleirosinho, estava agora outro autor oferecendo o seu produto. Mas nem tive tempo de lhe fixar o nome, poucos dias depois já o tinham tirado dali.
Coube agora a vez a José Rodrigues dos Santos de ser promovido da mesma forma. Lá está ele, atrás da sua bancada com os exemplares do seu produto. Está de pé, em ambiente de suaves tons de rosa. Olha-nos com um sorriso, também ele, apertando amorosamente o seu livro contra o peito.
Mas o autor de sucesso que está em promoção não se pode ficar por representações da sua figura em efígie. Tem de se mostrar em pessoa. Tem de participar directamente na coisa. Com a sua presença em sessões de assinatura de livros, por exemplo. Anuncia-se que, em determinado dia e hora, o autor ou a autora do romance tal e tal estará em determinado local, para aí assinar o seu livro. A quem o comprar, evidentemente. (Coisa de tal maneira arrepiante, que a certeza de não ser chamada a praticá-la, consola de não ser autora de sucesso.)
No “lançamento” trata-se do mesmo: apresentar e fazer comprar o livro através da presença do autor. O local do lançamento é mais escolhido, os participantes, autor, editor, comentador, apresentador, família do autor, amigos do autor, amigos do editor, estão mais bem vestidos. A função tem outra elegância. E tem um bónus, acaba em geral em coctail.
As promoções de livros feitas em programas televisivos a hora comercial por alguém de reconhecida competência e notoriedade são outra coisa, ficam para outra vez. O que é preciso, é promover.

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Nao se esqueça da metafora

>> sexta-feira, 21 de novembro de 2008

12. Não se esqueça da metáfora
É curioso que numa época em que se começa a pressentir que há livros – e sobretudo, romances - a mais, haja simultaneamente cada vez mais manuais, e mais escolas, e mais grupos de estudo, ensinando como escrever livros, e. sobretudo, como escrever ficção. Em um desses manuais, um dos bons, aliás, (Writing Step by Step de Jean Saunders) recomenda-se ao futuro escritor que não se esqueça da metáfora, que os editores apreciam muito a metáfora. Acredito. Mas vejo mal o futuro autor, já a braços com os problemas de composição, diálogo, caracterização etc, que todo o autor de ficção enfrenta, ainda ter de se concentrar na construção de uma, ou de preferência, mais que uma metáfora. Percebo o gosto dos editores, também gosto da metáfora, mas sempre pensei que a coisa era espontânea, que não se construía. Ou acham que Talleyrand pensou, reflectiu, quando a alguém, que lhe perguntou o que achava do senhor Tal, respondeu que, se os homens fossem dominós, o senhor Tal seria o duplo-branco?
Apesar de tudo, eu gosto de livros que ensinam a escrever livros, o que me pergunto é se há muitos autores que devem a sua escrita ao que lhes foi ensinado em livro sobre como escrever livros, ou mesmo em aulas, sobre como escrever livros. Quanto a metáforas, consta que já Aristóteles as apreciava, mas decerto só quando eram boas. È que más, entristecem. “Uma metáfora cometendo suicídio é espectáculo deprimente”, escreveu Oscar Wilde. E de metáforas, sabia ele como ninguém.

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E se eles nao gostarem de ler?

>> segunda-feira, 17 de novembro de 2008


11. E se eles não gostarem de ler?
No livro publicado em 1956 para comemorar o centenário do Punch*, a famosa revista humorística inglesa, vem um desenho no qual se vêem duas famílias amigas diante da televisão. Um pouco recuado, aconchegado num cadeirão, um rapazinho lê a “Ilha do Tesouro”. “Estamos muito preocupados com o William”, diz a mãe do pequeno leitor virada para a amiga. Com a aflição pintada na cara.


“We are rather worried about William”
Punch, 1954


Haverá sempre Williams a lerem a “Ilha do Tesouro” frente à televisão, e mães que não percebem que os filhos possam preferir a leitura à televisão. E haverá sempre outras mães que procurarão que os filhos leiam, quando eles preferem ver televisão. Aprenderão mais tarde ou mais cedo, aquelas mães, que de um não-leitor não se faz um leitor, e que um leitor nunca será um não-leitor.
O primeiro facto experimentaram-no séculos atrás uma avó e uma mãe, ambas grandes leitoras, quando constataram, consternadas, que o neto e filho não lia. “Não contes com as suas leituras, minha filha”, escreve a marquesa de Sévigné** a sua filha no dia 24 de Janeiro de 1689 “Confessou-nos ontem muito simplesmente que presentemente isso lhe é impossível. É a juventude que faz muito barulho, não consegue ouvir mais nada. O que nos aflige é que ele não tenha, pelo menos, vontade de ler. Se fosse o tempo que lhe faltasse, mas é a vontade .... Temos de ter um pouco de paciência e não nos afligir. Seria perfeito demais se gostasse de ler.”
Não desistiram, a mãe e a avó. Meses depois, o jovem marquês, já coronel – é verdade que os cargos militares se compravam – estava aquartelado numa sensaborona terreola fronteiriça.
A avó sugeria-lhe a leitura. Deu conta dos seus esforços à mãe do rapaz: “Digo-lhe que, de momento que ele gosta da guerra, que é monstruoso que não tenha vontade de ler os livros que falam dela e conhecer os homens que foram excelentes nessa arte. Ralho com ele, atormento-o, espero que consigamos mudá-lo.” Não o conseguiriam, avó e mãe.. De um não-leitor não se faz um leitor.
Outra avó, esta dos nossos dias, tem o mesmo problema. Nicole de Buron***, divertida autora francesa, confessa o seu desgosto por o neto não ler. “Matias não gosta de ler”. Experimentou tudo, abrir uma conta no livreiro perto da casa dele, levá-lo à FNAC comprar luxuosos albumes de desporto que ele adora, assinar-lhe revistas “Mickey, Picsou, Chouchou, etc.” Nada feito. O rapaz não lê.
*A Century of Punch. William Heinemann Ltd, 1956
**Madame de Sévigné, Lettres. Bibliothèque de la Plêiade
*ª*Nicole de Buron, Chéri tu m´écoutes? Plon

Observações à margem
Há o contrario. É o caso de Anna Pelizzari, pequena leitora de oito anos, a quem não há livros que cheguem. Agora aproveita os livros que a minha filha lia em pequena, e a mãe escreve-me a esse respeito: ”Tem de me dizer quando é que ela pode ir devolver os livros dos 5 e, se possível, trocar por mais alguns da série. De facto, para mim continua a ser um problema arranjar-lhe leituras em numero suficiente, pois lê livros à razão de um livro em dois ou três dias. Além do mais há coleçoes de que não gosta e critica vivamente, como seja o caso dos livros "Uma aventura", que por alguma razão a aborrecem imenso”.
Anna parece-se com William.

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10. Ha livros amais?

>> sexta-feira, 14 de novembro de 2008

10. Há livros amais?
Creio que até o mais entusiástico leitor terá colocado uma vez a si mesmo a questão, se não haveria livros a mais. Pessoalmente já senti verdadeira angústia ao contemplar nas grandes bibliotecas as estantes e estantes carregadas de livros. E sabendo que as estantes que nós vemos, não são nada comparado com o que não está à vista.
Robert Twigger descreve em ‘The Extinction Club’* os rios de livros da Bodlein, a grande biblioteca de Oxford. “É uma biblioteca de copyright pelo que devem ter lá todos os livros alguma vez publicados em Inglaterra, mais um número substancial de obras publicadas no estrangeiro. Fora de Oxford tem depósitos a rebentar de livros; por vezes têm que lá mandar alguém de carro para ir buscar o que você pediu. E por baixo de Oxford há cofres fortes com livros ligados por um comboio subterrâneo - tipo filme de James Bond - transitando debaixo de terra de edifício em edifício”. E quem diz a Bodlein diz as outras grandes bibliotecas.
Ortega Y Gasset achava que havia livros a mais, e num artigo sobre a missão do bibliotecário (em “El Libro de las missiones”)** até advogava que se instituísse uma medida dos livros a publicar anualmente. "Chega um momento em que tudo isso que chamamos civilização e cultura, se revolta contra nós" escreve, e, adiante: "De uma ou outra forma, isto já aconteceu por várias vezes na história. O homem perde-se na sua própria riqueza. A sua própria cultura, vegetando tropicalmente em sua volta, acaba por o afogar."
“E mais”, diz, “em toda a Europa existe a impressão que, ao revés do que sucedia na Renascença, há actualmente demasiados livros. O livro deixou de ser um prazer, é sentido como uma carga! Até os homens de ciência afirmam já que uma das grandes dificuldades do seu trabalho está em se orientarem na bibliografia do seu tema. Há aqui, portanto, um drama: o livro é indispensável nesta altura da história, mas o livro está em perigo porque se tornou um perigo para o homem."
O que diria Ortega y Gasset hoje? Há sem duvida livros a mais. Mas quem é que diz quais é que estão a mais?
* Twigger, Robert The Extinction Club
**Ortega y Gasset, El LIbro de las Missiones Espasa-Calpe Argentina S.A

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9. Livros "light"

>> segunda-feira, 10 de novembro de 2008

9. Livros “light”
Há muito que a expressão “livros ligeiros” é usada, mas na versão semi-inglesa, creio que nasceu por cá com os livros de Margarida Rebelo Pinto. Não se sabia como classificar o sucesso de um livro de modesta qualidade, que se vendia como castanhas quentes, classificou-se de “livro light”. Categoria a que esse seu primeiro livro sem dúvida pertencia, e os subsequentes não deixaram de pertencer. A autora indigna-se com a classificação, e isso, tanto quanto me é dado perceber, porque pretende ser tida por autora de obra de literatura.
E porque não? Romance, poesia, drama, tudo são obras de literatura, só que dentro dos géneros há divisões, e dentro do género romance, distinguem-se grosso modo uma primeira, segunda e terceira classe de obras: a literatura séria, intelectual, a literatura ligeira, ‘light’, e a literatura trivial ou popular. Dentro de cada uma há por sua vez divisões: há o muito bom, o bom, o razoável, o mau, o péssimo, o melhor e o pior. E há “literatura”. Quando se diz de um livro, que é “literatura”, isso significa que é a arte da escrita no seu melhor, que é “literatura” por excelência. Há muitos livros ligeiros que sobem a esse pedestal, e podia citar vários. Os livros de Margarida Rebelo Pinto não pertencem a esse número.
Nas últimas décadas tem-se produzido em Portugal sobretudo ficção intelectual ou com pretensão a tal, e alguma inspirada na vaga do “nouveau roman”. Foi nesse cenário que surgiu Margarida Rebelo Pinto com o seu “Sei lá”. Era um romancezinho de leitura fácil, que tratava de homens e mulheres, que se encontravam e desencontravam na linha de Cascais, nos bairros elegantes de Lisboa ou Porto, homens e mulheres de boa posição social e profissional que vestiam marcas caras, usavam grandes perfumes, que falavam mal - Margarida Rebelo Pinto põe na boca dos seus, e suas, protagonistas, palavras que não se costuma ouvir em conversa corrente – e o livro tinha numerosas cenas de sexo, o que contribuía para agradar. Não sei mesmo se não foi esse aspecto apimentado do livro a sua força motriz, se não foi isso que fez o seu sucesso. Para aquelas e aqueles que não pegavam em livro desde os seus tempos de liceu, que não liam inglês, e não conheciam uma Jackie Collins e outros autores do género, foi um achado. Aquilo pelo menos não era uma chatice como aqueles romances intelectuais, ou como aqueles outros que ninguém percebia. Até se dizia que era literatura.
A verdade é que se tratava de livro igual a muitos outros do mesmo tipo anualmente publicados em outros países. Em Portugal era uma novidade, o género fazia falta, não espanta que tivesse sucesso num público pouco exigente.
A coisa teria ficado por ali, se não fossem as pretensões da autora em matéria literária, e a indignada reacção dos críticos. É que Margarida Rebelo Pinto, como já se disse, acredita, e creio que com toda a sinceridade, que os seus livros são livros de boa, talvez até de grande literatura. O que – compreensivelmente, diga-se - irrita o meio intelectual da terra. Podiam ter encolhido os ombros e passado adiante. Preferiram rebater a pretensão, provar àquela intrusa que os seus livros não passavam de livros “light”. Sucederam-se artigos em jornais e revistas, entrevistas em rádio e televisão. Uma autora de “marketable fiction” tornou-se personagem literária.
Vejamos o que se lê em Wikipedia, portail litérature, sobre ficção ligeira. Designa, e traduzo: “romances que atingem um grande número de leitores, usando receitas literárias simples e experimentadas. ..........” e adiante: “Este último termo, às vezes tido por pejorativo, às vezes por positivo,(segundo Wikipedia) cobre uma grande variedade de obras: romances policiais, de aventura, históricos, regionais, de amor etc. O seu ponto comum é o de apresentarem uma história com uma cronologia simples, com personagens bem identificadas, e nas quais a intriga ou acção prima sobre as considerações de estilo....”
Acrescento que em francês se fala de “litérature de diffusion populaire”, ou “paralitérature”, em inglês de literatura light, lowbrow, ou seja que não exige do leitor um grande esforço intelectual, o seu fim sendo o de entreter, de distrair. Em alemão diz-se Unterhaltungsliteratur, literatura de entretenimento. Em aposição à literatura intelectual, de reflexão, de experiência literária. Se bem que essa literatura, a quem gosta dela, também “entretêm”.
Admiro a coragem com que Margarida Rebelo Pinto enfrenta as críticas pouco agradáveis que fazem a seus livros, e estou certa que ela não se defenderia com tanta energia das duvidas que lhe apontam os entrevistadores, se - a par de um desconhecimento evidente do que seja literatura - não estivesse sinceramente convencida que os seus livros têm qualidade literária.
Tenho lido algumas das suas entrevistas e salta à vista, que entrevistador e entrevistada estão a falar de coisas distintas.
O entrevistador não percebe como é que os livros de Margarida Rebelo Pinto têm tanto sucesso, quando são romances não muito bem escritos, sem grande história. Coisa leve.
A entrevistada não percebe como não reonhecem que o sucesso das suas vendas é prova da qualidade literária dos seus livros. Romances psicológicos, vividos entre gente “bem”, que discute problemas, que leu livros e os cita. Livros sérios, intelectuais, portanto. “Literatura”. Não livros light.
O curioso é que se está a defender de uma acusação, que não o é. Tanto entrevistadores como autora esquecem que escrever e ler livros ligeiros não é vergonha, que o livro ligeiro é um género apreciado por muito boa gente. Gente que sabe distinguir entre o bom e o mau livro de mistério, de crime, de amor, de aventura, de espionagem, de humor - tudo literatura ligeira - entre a históra bem ou mal contada, entre a novidade do enredo ou a falta dela. Que distingue entre o bem e o mal escrito, entre a espontaneidade e a falta dela, entre diálogos fluentes e diálogos esforçados.
Um exemplo:. Há tempos peguei no livro de outra autora portuguesa de livros ligeiros. Abrindo o livro ao acaso, dei em uma página com três parágrafos seguidos começando todos da mesma maneira. Assim:
“Rindo, Miguel disse.....
“Tirando a camisa, António disse...
“Imaginando o pior, Amélia disse...
Os textos não são estes, mas a forma da escrita é. Três parágrafos começando com o gerúndio e seguidos de “e disse”.........
Ligeiro, sim, mas que seja bem escrito.

O que dizem outros
“Montaigne...............admitia francamente gostar de leituras leves e até frívolas, que tantos de nós somos inclinados a condenar, mas que, em minha opinião, têm o seu lugar”*
*Holbrook Jackson The Anatomy of Bibliomania Faber &Faber Limited London

“Há um género de ficção popular contemporânea sobre a vida dos ricos, e destinada sobretudo ao sector feminino do público, que é conhecido no meio editorial por Sexo e Compras ou (menos polidamente) como Sexo e F. São romances contendo descrições detalhadas da compra de objectos de luxo pela heroína, não esquecendo a menção das respectivas marcas. Jogam simultaneamente nos desejos de realização de sonhos eróticos e de consumismo” *
*David Lodge The Art of Fiction Penguin Books

Observações à margem
“The chief fault in your style is that you lack distinction – something which is inclined to grow with the years”*
Carta de F.Scott Fitzgerald para a filha, que se estava iniciando na escrita
*F. Scott Fitzgerald On Writing

Das cartas à minha filha
6 de Fevereiro 2000.
”Esta carta vai com o livro da Margarida Rebelo Pinto, de que lhe falei
..........................
“Ela anunciou que vai já escrever outro livro. É como quem promete escrever já outro artigo. O que ela não realiza é que não se "formou”........

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8ºLe Cauchemar du Pilon

>> sexta-feira, 7 de novembro de 2008

8. Le cauchemar du pilon
Pierre Jourde
Le Nouvel Observateur
30 octobre á 5 novembre 2008


O pesadelo do pilão
Todos os anos são triturados em França 100 milhões de livros.................
Setembro. Saem setecentos romances. Um deles tem a sorte de chamar a atenção dos média......o editor ....não hesita em se lançar em grandes tiragens, mobiliza os cronistas amigos.........o autor assina nos salões de livro.
Meados de Outubro..............Um peso pesado......passa os portões de uma grande empresa especializada na reciclagem de materiais. O camião descarrega um contentor com 10 toneladas de livros. 10 toneladas de livros rolam sobre o betão como 10 toneladas de batatas. Biografias ainda quentes do presidente da Republica, crónicas dos Jogos Olímpicos de Pequim, cadernos de exercícios de férias, romances de apresentadores de televisão escritos por mercenários, tudo à mistura com livros para criança, com fichas de cozinha, com enciclopédias..... um bulldozer empurra as 10 toneladas de livros para um tapete rolante que os conduz à trituradora......ouve-se o ruído das rodas dentadas que os desfazem..........
O drama repete-se várias vezes por dia.
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Pilão...... palavra que nunca se pronuncia entre os muros de uma editora...... Os escritores preferem ignorar.........os livros liquidam-se discretamente. como se liquidam os condenados no fundo das células...... O trajecto dos camiões entre o local de armazenamento dos livros e o pilão é rigorosamente controlado.......Por vezes um inspector examina o carregamento. Para evitar que os livros destinados à destruição sejam desviados e vendidos à socapa.
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..O espírito aspira a fazer-se carne. Aspira a alcançar o peso, a espessura, a evidência das coisas. O livro realiza parcialmente esse sonho. Sob o pilão o sonho vira pesadelo. ... o livro é remetido às dimensões do peso e da quantidade........O século XX sacralizou o livro e o individuo, e foi justamente este que concebeu os métodos industriais da sua destruição.
Armazenam-se durante um tempo as obras que se vendem mal e acaba-se por destruí-las. A trituração dá-se por vezes logo que os livros mal vendidos saem das livrarias. E o pilão não é só a sanção de uma má venda. O sucesso estrondoso de um autor produz tanta trituração como um fiasco ......... Não é raro um editor decidir logo de entrada imprimir milhares de livros para triturar. A missão deles será de impressionar, de transmitir o sentimento da importância da obra. É preciso mostrar-se, fazer volume nas FNAC, arrasar a concorrência pelo peso. A acumulação de 100 000 livros fará comprar 50 000. Os outros 50 000 serão triturados, . O pilão é menos dispendioso que o armazenamento. Até rende. 100 E por tonelada de papel.

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7. Morreu Soljenitzyne

>> segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Morreu Alexandre Soljenytzine. A propósito da sua morte li no Público, em artigo do fundo, que o seu Gulag é, em parte, um “romance seminal”. Fiquei perplexa. Romance? Seminal? Procurei o sentido da palavra. Leio: seminal, adj. relativo a semente ou a sémen, figº. produtivo. Portanto o “Arquipélago Gulag”, nos seus três enormes volumes de reportagens sobre os campos de exterminação da Sibéria, é, na opinião do autor do dito artigo, em parte, “romance produtivo” . Produtivo talvez fosse, mas por pouco tempo. O que lá se relata depressa foi esquecido. De “romance” é que não tem nada.
Romance é o “Pavilhão dos Cancerosos”, romance é “Um dia na Vida de Ivan Denisovitch”, romance é “O Primeiro Círculo”, com o inesquecível “julgamento do príncipe Igor”, pastiche de um julgamento estaliniano. Esse sim, um romance. O seu melhor, na minha opinião, e um dos melhores que jamais li.
Romance é ainda La Roue Rouge?*, aquela que o autor pretendia viesse a ser a sua obra máxima. É o mais difícil dos seus livros, não pela prosa, que essa nunca é difícil ou arrevesada, mas por ser tão vasta a narrativa, que mesmo Soljenitzyn parece perder-se nela. Não é um livro em vários tomos, são livros dentro de livros, e uns de maior qualidade que outros. Para o meu gosto, as melhores partes são o “Segundo Nó. Novembro 16” - a guerra nos lagos Masuros – e, o “Terceiro Nó”, segundo parte”, com a vitória bolchevique e as suas horríveis mortandades.
O “Arquipélago Goulag” não é romance, assim como não é romance “Le Chêne et le Veau”, (creio que não o há em português), o livro em que Soljenitzyn narra a luta para a publicação do Ivan Denisovich. O livro consegue ser tão palpitante de interesse como o mais palpitante dos romances, apesar de não tratar de mais do que isso: a luta de um homem para publicar um seu pequeno livro. E de um editor – Twardowski – que gostaria de o publicar e não pode, e que finalmente o consegue. Lê-se na capa da obra (em francês nas Èditions du Seuil) e traduzo: ”estas memórias não são unicamente uma crónica de vida literária oficial e clandestina na URSS depois de Estaline, elas lêem-se como um romance autobiográfico do próprio escritor, rodeado de personagens como Tvardowsky, Kroutchev, Rostropovitch, Chafarevitch entre cem outros. Acabam com a prisão e a expulsão do autor em Fevereiro de 1974, um mês após a publicação em Paris do 1º volume do Arquipélago do Goulag”.
Morreu um muito grande escritor.

*Alexandre Soljénitsyne, La Roue Rouge, récits en segments de durée. Ouvrage publié avec le concours du Centre National de Lettres, FAYARD

-----“Antes de ser preso eu não percebia grande coisa disso. Inclinava-me para a literatura sem pensar, não sabendo bem que sentido tinha para mim e que sentido para a literatura. Só uma coisa me assustava, a dificuldade que decerto haveria em encontrar temas novos. É terrível pensar o escritor que eu teria sido ( e escritor teria sido) se não tivesse sido preso. Mas uma vez preso, e passados dois anos de prisão e de campo, vendo-me sob uma avalanche de temas, aceitei, como aceitava a minha respiração, compreendi, como a coisa menos contestável que meus olhos viam, que ninguém me editaria e que uma linha me custaria a cabeça.” *
*”tradº de “Le Chêne et le Veau” pg.9

----“Como se chega ao misterioso arquipélago? De hora a hora partem para lá aviões, navios, comboios, mas não há uma única inscrição indicando o seu destino” *
*tradº de “Der Archipel Gulag” I. Bd, S.15 Scherz

----“Ele dissera: – ensaísta - , envergonhado de confessar o fundo do seu pensamento: - escritor - . Para um ouvido não literário como o do coronel, que não lia jornais ou revistas, nem livros, provavelmente, e nunca ouvira falar de Fiodor Kovyniov, a palavra soareria comicamente, demasiado inchada de pretensão.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 188

----“ De resto é regra geral que toda a convicção íntima perde a ser formulada, enunciada, exposta, em voz alta, e que só se transmite fielmente aos próximos e a meia voz.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 319

---- “Se, ao falarmos de alguém, prevenirmos -Mas ele é de direita!-, de imediato -Ah, é de direita? - toda a gente tem um movimento de recuo. E para esse acabou-se de viver, acabou-se de comunicar com outros e de exprimir as suas opiniões. Como se fosse possível que toda a gente renuncie à sua mão direita ou só compre luvas esquerdas.
..... .Andozerskaia tomou coragem. No seu meio universitário, vive sob o jugo permanente desse interdito que atinge as ideias que a sociedade julga indesejáveis. Como ela escolhe cada expressão, como ela se esconde atrás do incompleto e do indirecto.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 359

Das cartas à minha filha
“.....Mudando de rumo. Estou a ler os livros de Soljenytzine sobre a revolução de 1917. Tenho pena que a obra não seja em dez volumes, em vez de ser em quatro gigantescos livros. Note que não são pesados - então é que seriam impossíveis de ler - são é gordos de mais. Mesmo assim estou a ler, é interessantíssimo. Vou anotando sempre os nomes, já se vê, para na continuação poder verificar o que se disse deles quando apareceram em cena. .....
Não é livro para se ler muito depressa, mas que grande escritor que ele é, tanto na descrição das personagens, como dos sentimento e de paisagens e acontecimentos, neste momento a campanha da Prússia Oriental em 1916. (Que eu conheço da história alemã ) Talvez copie e lhe mande um pequeno parágrafo em que ele descreve o problema do adormecer quando se está preocupado. Até amanhã”.

Observações à margem
Um primo meu, alemão com uma longíncua ascendência portuguesa, prisioneiro de guerra na Rússia, que todos julgávamos morto há anos, foi libertado de um dos campos do Goulag na era Kroutchew. Veio a Portugal, e jantou em minha casa com uns amigos. Não se ia falar no que ele passara, e não se falou. Mas um dos presentes não resistiu, e a dada altura fez-lhe esta extraordinária pergunta:
--C´est joli, la Sibérie? --É bonita a Sibéria?-
--Mais c’est un continent!. --Mas é um continente!-- respondeu o outro, pasmado.

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6º Planos nacionais de leitura

>> sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Publicaram-se recentemente em vários jornais artigos laudativos sobre os resultados do “Plano Nacional de Leitura” lançado há dois anos. Consta que “a leitura está a ganhar cada vez mais espaço nas escolas” e que “as crianças estão a ler mais, e isso contribui para a melhoria dos seus resultados escolares” (Publico. Artigo de Barbara Wong). Quero crer que assim é. Não tenho filhos em idade de aproveitar com esses planos, mas sigo o assunto com o interesse que merece, e há dois anos, a 2 de Junho 2006, pouco depois do dito plano ser anunciado, escrevi a minha filha o seguinte sobre o referido plano:
“Todos os anos por esta altura vem à baila a LEITURA, e a falta de leitura, e a promoção do amor à leitura etc. Desta vez reuniu-se uma comissão para promover a LEITURA, e a comissão deu a luz o “Plano Nacional de Leitura”. Segundo o dito Plano, as crianças vão ter uma hora diária de “leitura” durante os primeiros quatro anos de escola. Nos anos seguintes a hora de “leitura” será semanal. Ora por mais que digam aos meninos, que aquilo é para eles aprenderem a gostar de ler, e é tão divertido, os meninos não deixarão de achar que é mais uma aula. ...............É evidente que é bom cultivar o gosto pelo livro, mas não se consegue com “planos”. Há pessoas, grandes e pequenas, e de todos os estratos sociais, que, muito simplesmente, não gostam de ler. É o que diz José Saramago com outras palavras. Todos os anos, quando nasce a questão leitura, o escritor é ouvido, e todos os anos dá essa mesma resposta e eu, com pouco gosto, encontro-me – deve ser a única vez - ao lado de Sua Excelência.
Dito isto, passo a outro aspecto da notícia: o local escolhido para o anunciar. Como vê pela fotografia que junto, o “Plano Nacional de Leitura” foi anunciado ao mundo na sala da biblioteca da Ajuda. Para isso deve ter sido fechado o acesso aos leitores – que não serão muitos, mas existem – o que não é normal, tratando-se de uma biblioteca pública. Ou seja, na mente dos elaboradores do plano, era preciso ilustrar o Plano, era preciso dar-lhe uma imagem, um pano de fundo, de seriedade intelectual. O que mais indicado do que anunciar o plano em uma biblioteca? Alguém deve ter sugerido a biblioteca da Ajuda. A biblioteca tem poucos leitores, o nome soava bem, dava a nota de seriedade intelectual requerida, os media decerto focariam a história da biblioteca, lembrariam Alexandre Herculano, D.Pedro V. Vá para a biblioteca da Ajuda.”
Até aqui a carta à minha filha.
E para quê anunciar publicamente coisa tão natural como um projecto de promoção de leitura nas escolas? pergunto-me eu. E porquê numa biblioteca publica? Nos respectivos ministérios não faltavam decerto espaços adequados para elaborar um plano e para o participar. Só a triste ambição de espantar o ignorante, podia levar àquela aberração, que é fechar a sala de leitura de uma biblioteca para anunciar um plano de leitura. Os frequentadores de bibliotecas de referência como é a da Ajuda são pessoas que se deslocam à biblioteca por terem lá o material de que precisam para o trabalho que estão a fazer, não é admissível que se lhes feche a porta, e provavelmente - ou me engano muito - sem os avisar previamente.
Ainda quero admitir que o anúncio do “Plano” se tenha feito depois da hora de fecho da sala de leitura. Se assim foi, a decisão não deixa de ser ridícula, pueril, mas pelo menos não se prejudicaram os potenciais leitores.
Se, pelo contrário, a sala de leitura se fechou mesmo, então aqueles que tiveram a ideia, estavam a desprezar aquilo que apregoavam, o livro, a leitura. Provavam que não percebiam de leitura. Um leitor não fecharia uma biblioteca sem uma muito plausível razão, e anunciar um plano, mesmo um plano para “promover a leitura”, não é razão.
Não sei se de 2006 para cá houve outros planos de promoção de leitura na camada juvenil da população, mas este ano há pelo menos uma medida nesse sentido. Anunciou-se que ao entrar na escola cada um dos pequenos alunos receberá um livro. Óptimo. Era de prever que se lhe acrescentaria qualquer coisa “instrutiva”, e assim foi. Tanto quanto percebi, a criança receberá, junto com o seu livro, uma etiqueta, que colará no livro, e na qual deverá marcar a data em que começou a ler o livro e a data em que o acabou. Para a sacro-santa estatística, já se vê. Não há pachorra. Deixem a criança ler ou não ler. Deram-lhe um livro de presente, não deram? O livro agora é dele, não é? É! Os senhores não têm nada com o que ele faz ou deixa de fazer com o seu livro. E vamos a ver se o recebe, e quando o recebe.

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*5* O que dizem outros: Livros dificeis

>> terça-feira, 28 de outubro de 2008

*5* O que dizem outros: Os livros difíceis
“Há uma categoria de autores, que, do ponto de vista da arte de ler têm de ser considerados com grande atenção. São, aqueles que designamos por autores difíceis, ou seja aqueles que não se compreendem à primeira vista, nem mesmo à segunda..... Esses autores gozam sempre de grande reputação. Têm um vanguarda e uma retaguarda de admiradores. A vanguarda compõe-se daqueles que afirmam percebê-los, a retaguarda daqueles que não ousam dizer que não os percebem, e que, sem os lerem declaram que são deliciosos. Os da vanguarda são fanáticos, a sua admiração é feita da admiração que têm da sua própria inteligência e do desprezo que têm pela inteligência dos outros. São os iniciados e têm toda a morgue e toda a intransigência dos iniciados aos mistérios”*
*traduzido de Emile Faguet l’Art de Lire Paris Hachette & C. M.CM. XIII

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Livros de ferias

>> segunda-feira, 27 de outubro de 2008

4. Livros de férias
Há períodos do ano em que os media se ocupam mais particularmente com as leituras dos seus conterrâneos.
Com os primeiros calores, é sabido: nos jornais aparecem inteligentes sugestões para as leituras de férias, e os leitores entrevistados confessam-se unanimemente desejosos de ler naquele verão aquele ou aqueles livros que – por absoluta falta de tempo - não leram durante o ano. Dom Quixote, À Procura do Tempo Perdido (os dois primeiros volumes, pelo menos), Guerra e Paz, quem sabe se não algum filósofo, vão ser lidos em casas de praia e de quinta, em hotéis de estâncias balneares, e talvez nas praias de Cuba e do México. As livrarias devem ficar desfalcadas de exemplares dos grandes clássicos.
Este ano não se fugiu à regra. No ‘Publico’ de 1 de Agosto, em duas paginas de texto rodeado de imagens de livros voltejando qual borboletas tontas de sol, temos a divertida confissão de Alexandra Lucas Coelho: “O Verão de tudo que nunca li”. A autora questiona-se: “Quando é que lemos o que nunca lemos? Vale a pena ler a Odisseia sem ter ido à Grécia? E ir à Grécia sem ter lido a Odisseia? Temos tempo para acabar o Proust? E quando é que dançamos?” A autora julga já ter lido “Madame Bovary”. Interroga-se: “mas é possível lê-la só uma vez?” Respondo-lhe: --para meu gosto, uma vez chega. Quanto à questão da Grécia e da Odisseia. Estou razoavelmente certa que dos milhares (ou milhões?) de turistas que anualmente procuram as águas azuis e as praias brancas da Hélade, só uma ínfima parte se preparou para essa estadia com uma leitura da Odisseia. Também não se espera dos frequentadores do verão algarvio que tenham lido os Lusíadas.
No mesmo dia 1 de Agosto, e no mesmo jornal, outro articulista se preocupava com as leituras de férias, e recomendava que naquele período não se lesse só ficção. Propunha “meia dúzia de livros recentes, verdadeiramente de não-ficção, que poderão alimentar o espírito nesta época estival.”
Os veraneantes, alguns já na estrada à saída dos jornais, possivelmente só abrem o Publico no primeiro local de descanso –desculpem, de abastecimento. Dão com essa recomendação de “Livros para férias”, e ficam em sobressalto. E eles que se tinham esquecido de levar livros, bom, compra-se qualquer coisa na Praia da Rocha, em Lagos, em Faro.
Confesso que tenho uma certa pena do veraneante de poucas leituras. Espera-se dele que leia no seu mês de férias o que nunca teve vontade de ler em todo o ano. Espera-se dele, que “aproveite” as férias para se cultivar, lendo livros que “lhe alimentem o espírito”. Exige-se dele aquilo que mesmo o mais lido dos veraneantes na sua maioria não faz. É verdade que no saco de livros sem o qual o verdadeiro leitor não viaja, há uma boa porção de obras escolhidas. E, no entanto, quanta dessa literatura de valor não sai do saco, quanta não é vencida pela irresistível chamada de gordos bestsellers vendidos nos quiosques de jornais à mistura com as ultimas revistas e artigos de protecção solar.
Enquanto os leitores que lêem muito, se deliciam sem complexos com ficção de aventura, de suspense, com bons policiais, até, quem sabe, se não com um arrepiante livro de terror, o veraneante não leitor sofre dolorosos rebates de consciência – quem sabe se não fica stressado – se não lê coisa importante, de valor, se não “alimenta o espírito”. Uma das vantagens de alguém ser grande leitor é o de não se sentir na obrigação de ler livros ‘importantes’ nas férias.


Observações à margem
No antigamente, quando em mares longínquos ainda havia ilhas perdidas sem complexos turísticos, fazia-se por cá periodicamente um pequeno jogo literário, no qual se perguntava a certos leitores, que livros gostariam de lá ter, no caso de se verem na necessidade de viver numa ilha deserta. Não me lembro como era suposto os leitores irem parar à ilha, se vítimas de naufrágio, se por gosto próprio. O importante era ser ilha, e deserta. Desejosos de mostrar os seus requintados gostos, os futuros Robinsons ou ermitãos faziam escolhas sublimes, ao desafio a ver quem se mostrava literariamente mais à altura. Também tive a honra de ser questionada, e, também brilhei com literatices. Já então, as férias, inclusive aquela forma muito especial de férias, que são os naufrágios em ilhas desertas, eram supostas requerer livros “bons”.
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O que dizem outros
“Para muito gente, um dos pontos altos no planear das férias....... é o firme propósito de ler nesses dias um ou outro livro “bom”. Há até quem tenha uma determinada obra em vista, por exemplo aquele livro em que, no decorrer do ano, já pegara várias vezes, que começara a ler, e que depois de algumas páginas largara, já que os livros “bons” nem sempre são os mais palpitantes..................
Há decerto muita gente que regressa das férias não só descansada, como enriquecida pela leitura de obras de qualidade. Por outro lado há grandes obstáculos entre as férias e a boa leitura. A coisa começa logo com o fazer das malas. Encaixar na mala à última hora as “Afinidades electivas” de Goethe, ou a linda carteira encarnada? A decisão nem sempre é a favor da obra do grande poeta”.*
* von der Mehden, Heilwig Schoen ist es auch anderswo (m/trad)

E outros
“Por isso, recusar as férias como um tempo de leituras, é a solução mais sensata; ler todo o ano, sobretudo no Verão, ou não. Sobretudo recusar a obrigação de ler isto ou aquilo, nesta ou naquela altura. Ler apenas. Enriquecer o ócio. O cálcio necessário para o intelecto. Produzir.” (Sérgio Lavos no blog ARTE DE LER Domingo, 3 de Agosto 2008)

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Mais observações à margem
O comercio é mais realista do que a imprensa, sabe que há que fornecer ao veraneante qualquer coisa menos substancial do que só livros para “formar o espírito”. A Amazon. de (alemã) propõe um sem número de livros para férias, e pela amostra que percorri é tudo espuma ligeira, e até muito ligeira. A Amazon fr só cita livros de vacances juvenis, ou por nem sequer pôr a hipótese dos pais das crianças lerem em férias, ou, pelo contrario, por saber que, sendo franceses, e portanto portadores do facho da cultura, monsieur e madame Dupont só irão ler livros de grande qualidade, que não cabem na categoria de livros de férias. Quanto aos americanos recomenda-se-lhes como muito útil para aproveitarem os seus 14 dias de férias a leitura do livro On Holiday do prof. Orvar Lofgren. “Students of culture, emotions, industry, modernity, and transnationalism will profit and take pleasure from embarking On Holiday with Oliver Lofgren”

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3º O Leitor 20 de Outubro 2008

>> segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Criatura quase tão estranha como o escritor, é o leitor. Sempre houve, há, e haverá em relação à leitura de livros dois tipos de entes humanos, o indivíduo que lê e o indivíduo que não lê, o leitor e o não-leitor. E note-se que, por não-leitor, não se entende o analfabeto, que esse é um ente humano que não sabe ler, o que se entende por não-leitor é o indivíduo que aprendeu a ler, que sabe ler, que usa da leitura com naturalidade no seu dia a dia, para quem a leitura é um acto normal como o comer e o beber, mas não um prazer especial. O não-leitor sabe ler, mas não sabe o que isso significa de ler por prazer, de saborear a leitura.
Ignora o que seja, nunca reflectiu sobre o que seja essa estranha coisa composta de muitas palavras, relatando, dizendo, comentando, analisando, aquela coisa estranhíssima, peculiar, extraordinária,, misteriosa, maravilhosa que designamos por livro. E sem a qual o leitor não sabe viver.
Creio que todos nós, leitores, nos interrogamos porque razão tantos entes humanos iguais a nós em tudo, são diferentes nessa pequena particularidade: não gostam de ler. Não lhes faz falta não ler. Nós, leitores, pasmamos, custa-nos a acreditar, mas temos que nos render à evidência: há pessoas, que muito simplesmente, gostam pouco, muito pouco ou absolutamente nada de livros.
Creio que certos indivíduos possuem um factor genético que os faz leitores, e que esse factor falta aos não-leitores. É possível que esse gene venha um dia a ser descoberto, e que se possa curar a doença que – para nós, leitores – é a não-leitura. Mas, amigos leitores, já pensaram no que sucederia se esse gene se descobrisse, se uma cura maravilhosa transformasse todos os não-leitores em leitores? O nosso mundo transformar-se-ia com certeza, mas não para melhor. Porque todos têm um lugar no nosso mundo, os leitores e os não leitores. Os escritores e os não escritores. Uns precisam dos outros.

Observações à margem
Lê vários livros ao mesmo tempo?
Perguntaram-me um dia se eu lia mais que um livro ao mesmo tempo, e eu respondi que sim, que assim era. Fui sincera, e não pensei estar a afirmar coisa extraordinária, até que recentemente calhou ler no blogue de JPCoutinho uma conversa havida há anos entre ele e Miguel Esteves Cardoso em que se levantara a questão, se as pessoas mentiam quando afirmavam ler mais que um livro ao mesmo tempo. Os dois não tinham duvida: quem o afirmava, mentia. Ora, como JPC e MEC me pareceram absolutamente convictos do que afirmavam e eu estou igualmente convicta que não minto quando digo que leio mais que um livro ao mesmo tempo, perguntei-me como era que isso se explicava, e cheguei à conclusão que eles e eu temos razão. A explicação está na diferença de idades. Isto de se ler ou não mais que um livro ao mesmo tempo é pura e simplesmente uma questão de idade. Durante grande parte da sua vida o leitor, mesmo o mais entusiástico, lê um livro de cada vez. Na criança não se espera outra coisa, e não há leitor mais apaixonado que a criança que descobre a leitura. É o tempo de ler até altas horas, à luz de lâmpada de bolso se necessário. Com o andar dos anos os livros são outros, mas o leitor continua a ler um livro de cada vez. Nem pode ser de outra maneira. Há todo um mundo por descobrir. Toda a literatura do passado e toda aquela que todos os anos sai dos impressores. Lê-se um livro atrás do outro, aprofunda-se um autor atrás do outro. Dostoyewski, Tolstoi, Mann, Huxley, Fontane, Storm, Proust, Eça, Zola, Balzac, Jorge Amado, Veríssimo, Hemingway, Steinbeck, tantos outros. Quase só ficção, note-se. Até que um dia, o leitor, provavelmente conservando o romance como base da sua leitura, se deixa tentar por livros de outro género. Já viveu os entusiasmos das descobertas, tem uma relação mais tranquila, menos apaixonada pelas grandes obras da literatura de entretenimento e as novidades literárias já o interessam pouco. Pega em outros livros, em livros de viagem, talvez numa biografia, talvez em livros de história. Que lhe sugerem novos temas para aprofundar, novos livros para ler. Já não é o leitor de um livro só.

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*2* O Escritor 9 de Outubro 2008

Num dia de fins de Setembro, há anos, seriam talvez oito da noite quando ouvi - vindo da árvore grande do jardim próximo da minha casa - o grito de dois pássaros. Ou gritos, já que eram dois. Não mais que dois, mas também não só um. Dois. Não era canto aquilo que ouvi, eram gritos selvagens. Vozes fortes de pássaros grandes. O que diziam não sei, porque não conheço a língua deles. O primeiro talvez anunciando a chegada, e o outro respondendo, que também ele, ou ela, já ali estava, que finalmente já ali chegara.
Mais alguém da vizinhança deve ter ouvido o que eu ouvi e estranhando-o decerto como eu estranhei. E quem sabe se esse alguém não pensou como eu, que aqueles dois pássaros, poisando ali ao anoitecer, estavam de passagem, certamente vindos do Norte, ou para lá seguindo. E até, quem sabe, se não houve alguém que, tal como eu, sentiu um arrepio ouvindo aqueles gritos selvagens na noite. De dois pássaros que não ouviríamos mais.. Houve alguém com certeza que ouviu o que eu ouvi. Mas decerto não o escreveu. A não ser que seja também ele, ou ela, uma dessas estranhas criaturas que põe - ou tenta pôr - em palavras escritas o que vê e que sente. Um escritor.
Curiosa personagem, a do escritor. Que se levanta de madrugada, quando nada a isso o obriga, para escrever. Que em tempos em que não havia máquinas de escrever e não se sonhava com computadores, encheu da sua mão, à pena ou a lápis, páginas e páginas de palavras, exprimindo ou tentando exprimir ideias, conhecimentos, sentimentos. É o escritor.
Escritor. Autor de composições literárias e científicas, diz o dicionário. Autor. Homem de letras. Romancista? Ficcionista? Novelista? Definições várias dessa estranhíssima criatura à qual qualquer coisa dentro dela obriga a escrever, que sacrifica amizades, vida social, horas de sono, saúde por vezes, para escrever. Que oferece timidamente o seu produto, que mendiga que façam o favor de o lerem. Que sabe que o seu livro, aquilo que lhe custou horas de trabalho, será lido por escassíssimas pessoas e durará escassíssimo tempo. Seis meses, talvez, se tanto. A não ser que tenha produzido uma obra prima. Mas poucos são os que produzem obras primas, e, os que mais se vendem nem sempre são obras primas. Bons ou maus, os escritores passam todos pelo mesmo trabalho, as mesmas dúvidas, as mesmas angústias. E continuam todos a escrever.
Porquê escrever? Porquê, se o proveito é em geral magro, o reconhecimento inexistente, as humilhações mais frequentes do que as exaltações? Porquê escrever? Ah, essa é a questão. Porque o escritor não pode deixar de escrever, porque qualquer coisa dentro dele a isso o obriga.. Mas se a criatura um dia se revoltasse? Se decidisse um dia não escrever? Se todos os escritores um dia decidissem não escrever? Já pensaram o que isso significaria, o que resultaria dessa decisão? Os editores não editavam, as livrarias fechavam as portas. Mas sosseguem editoras, revisores, livrarias, fabricantes de impressoras, de tinta, de papel, não há perigo que isso suceda. Se há trabalhador que não fará greve, que nunca deixará de produzir, esse trabalhador é o escritor. E se a fizer, bom, se a fizer. Fran Lebowitz conta-o em Metropolitan Life* num capítulo intitulado “Escritores em greve”. Traduzo uns trechos.
“Os escritores unem-se. Decidem vingar-se da cidade. …. Entrarão em greve. ....... …. Mais ou menos ano e meio depois, as pessoas começam a notar que não há nada que ler. Primeiro reparam que os quiosques de jornais estão vazios. Depois a coisa é comentada nos noticiários da televisão. .......O público começa a ficar irritado, as pessoas exigem que a cidade tome providências. ............ A situação está-se tornando desesperada. Nas estações de camionagem do país, vêem-se os adultos jogando aos jacks. ….. velhos exemplares da revista People são leiloados por preços exorbitantes. ............Um grupo, possuidor de números antigos do The New Yorker, forma um sindicato. Abre um Bar de Leitura estritamente reservado a sócios”.
Finalmente os escritores grevistas perdoam. E com que gosto. Já estão cansados de não escrever. Um escritor não sabe fazer greve.
*Lebowitz, Fran Metropolitan Life . Arrow Books

O que dizem outros
– Por que você escreve?
Patrícia Reis – Ora, porque posso. Escrevo porque posso contar histórias que me passam pela cabeça. Porque existe essa possibilidade em minha vida. Eu poderia ser caixa de hipermercado e passar o dia a ouvir ‘pim, pim, pim’ da máquina registadora. Nós escrevemos para que gostem de nós, para encontrar no outro um eco qualquer de nossas ideias. No dia em que a escrita subir à cabeça e me fizer uma pior mãe ou uma pior mulher, eu deixo de escrever. Não tenho aquele discurso: ‘não consigo viver sem escrever’.*
*Blogue Click(IN)VERSOS
Margaret Atwood, autora canadiana, colacionou uma lista daquilo que diferentes autores responderam à pergunta do ‘porquê?’ da sua escrita: “To please myself. To express myself. To express myself beautifully. To create a perfect work of Art. To reward the virtuous and punish the guilty; or – the Marquis de Sade defense, used by ironists – vice versa. To hold a mirror up to Nature. To hold a mirror up to the reader. To paint a portrait of society and life. To name the hither unnamed”* São duas páginas de razões para explicar o inesplicável.
* Atwood,Margaret Negotiating the Dead. A Writer on Writing

Das cartas à minha filha
(Quarta feira, 2 de Fevereiro, 2005)
“Esta manhã li no LIRE, revista literária bem feita, uma reportagem sobre os Tics e Tocs dos escritores, e pasmo, desde o papel azul da Colette à pena de pato de não sei quem. Deu-me para reflectir se tenho também eu algumas dessas manias. Conclusão, gosto de trabalhar sem ser interrompida e, recentemente, estou a gostar de escrever com música – clássica – e a única excentricidade que me parece que tenho, é gostar de ter um globo em cima da mesa. Não por estética, mas porque me ajuda a pensar, ou a distrair quando não vejo o caminho aberto. Também gosto de começar a minha sessão de escrita por uma pequena coisa que não me obrigue a puxar pela cabeça. Como escrever para si. Amanhã continuo

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Gostar de livros

>> segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Há anos subia eu em Paris a escada da FNAC, levando na mão um livro que acabara de comprar.
Recomendado na véspera no Apostrophes, o programa literáriode Bernard Pivot. A meu lado subia uma mulher de meia idade, de aparência modesta. Notou o livro, perguntou-me quanto custara. Disse-lho. -- È um pouco caro-- comentou com uma careta. --Não importa, vou comprá-lo.
Olhou-me com um sorriso cúmplice:-- Quelques fois il faut se donner um petit plaisir --" Às vezes temos que nos oferecer um pequeno prazer ".

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Sobre este blogue

Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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