O humor não se aprende

>> segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Consta-me que acaba de ser publicado um livro intitulado “Seis histórias picantes” da autoria de seis mulheres. O título é um pouco confuso, não se percebe se estamos perante histórias de seis acontecimentos picantes, ou se estamos perante uma colecção de seis ‘pequenas histórias’ com essa conexão. Duvido do mérito literário da obra colectiva, mas a coisa, em si, é fazível. Como o seria com seis histórias melancólicas, ou seis histórias alegres, ou seis histórias filosóficas, ou seis histórias satíricas, ou seis histórias assustadoras. Suponhamos porém que o editor sugeria às seis autoras que elas escrevessem seis histórias de humor, ou talvez as mesmas histórias com humor. A sugestão não seria atendida, não o poderia ser. A não ser, o que é pouco provável, que todas as seis autoras fossem dotadas dessa estranha coisa que se convencionou designar por humor.
O humor não se comanda, não se aprende. Um autor, grande ou pequeno, tem humor; não o estudou, não o aprendeu, não o adquiriu com a experiência. Escreve com humor porque tem humor. E isso ainda ninguém soube explicar.

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Livres de pensar

>> segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Entre as cantigas que na nossa escola se aprendiam na lição de canto uma delas – mal traduzida do alemão – rezava assim:
“Os pensamentos são livres,
Ninguém os pode adivinhar
Nenhum caçador caçar,
Fiquem-se por aqui
Os pensamentos são livres”
A música era simples, talvez por isso a canção nos era ensinada tão cedo, não era decerto entendida por nós pelo seu valor filosófico, cantávamos ou berrávamos a cantiga sem atender ao seu significado. Pela vida fora não me faltou leitura sobre o que seja liberdade, mas de todas essas leituras a que me ficou foi a canção da minha lição de canto. Sei que o homem tem de ser livre, que perante a lei é livre, mas a vida ensinou-me que na realidade a liberdade não existe. A consciência prende a acção, o amor prende-nos aos filhos, aos pais, ao marido ou outros amores. Gostamos da nossa pátria, estamos presos a ela pelo sentimento. Estamos sempre presos. Só nos pensamentos somos verdadeiramente livres. Ninguém os pode adivinhar, nenhum caçador caçar, somos livres de pensar.

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Cartas ao director

>> segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Gostava de perceber o que faz com que se escrevam
‘Cartas ao director’.
Ao longo da vida escrevi – em mente e a preto e branco – cartas ao director. Mandei talvez sete ou oito ao seu destinatário, e destas sete ou oito conto quatro publicadas. Considerava a coisa perfeitamente normal. Até que me lembrei de procurar entre os meus conhecimentos outra ou outro autor de uma ou mais ‘Cartas ao Director’. Não conheço nenhum. Entre parentes próximos e afastados, e simples conhecidos nem um escreve ou escreveu cartas a um director de jornal. Nem um sentiu em si o imperativo desejo de escrever a um desses senhores, e, através dele, ao leitor do periódico por ele dirigido para lhes dizer o que ele, autor da carta, pensava sobre determinada situação, acção, opinião. Não houve um, que, tal como eu, sentisse a imperativa necessidade de apontar uma falta de lógica no raciocínio, um erro literário ou histórico.
Ignoro o critério a que obedece a escolha que os jornais fazem das cartas que lhes são dirigidas, e se recebem muitas ou poucas dessas missivas. Em geral publicam duas ou três cartas, e creio que dão a preferência a temas políticos, contanto que pouco contenciosas. Dedicam um pequeno espaço ao género. Os seus congéneres estrangeiros são mais generosos, e alguns, como os ingleses, publicam com entusiasmo cartas sobre os mais variados assuntos, com os quais os seus leitores se indignaram, ou irritarem, ou de outra forma se incomodaram. Porque a razão de escrever esse tipo de cartas é sempre esse: o desejo de emendar os erros alheios. Tenho justamente uma ‘Carta ao Director’ pronta para ser enviada. Questiono nela se será permissível que, a pretexto de segurança de um membro do governo, se prejudiquem os seus vizinhos.
Ainda não sei se a enviarei.

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'Taklamakan'

>> segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Na Ásia Central, nas vertentes sul do Pamir, as areias do deserto de Taklamakan conservam, praticamente incorruptos, corpos de homens, mulheres e crianças que há quatro mil anos ali viveram, ou talvez de passagem ali foram obrigados a ficar. A gente que hoje vive no oásis do Taklamakan é de estatura baixa, cabelo escuro, olhos rasgados.
Aqueles que a areia cobriu, eram gente de grande estatura, cabelos loiros ou ruivos, olhos azuis. Exames provaram que eram tão ‘europeus’ como nós. Um grupo ou uma tribo que não seguiu a migração dos seus congéneres quando estes gradualmente foram migrando para oeste. Provavelmente achavam-se seguros nas verdes pastagens do Takllamakan. Os outros que se fossem, eles ficavam. Até que as areias vieram. Agora ali estão, testemunhos daquilo que é um dos grandes momentos da história da humanidade: a migração de leste para oeste dos povos de pele branca, que originalmente ocupavam as terras da Ásia Central a norte dos Himalaias, e que, um dia, por razões sobre as quais só se pode especular, de lá partiram. Vieram em vagas espaçadas, ocupando gradualmente um minúsculo espaço de terra a que se dá o nome de Europa.
Foi em “In the shadow of the silk road” de Colin Forbin,que ouvi pela primeira vez falar do Taklamakan e dos seus primitivos habitantes. O livro é lento, contemplativo, como que escrito ao passo das caravanas da rota da seda. É um livro triste pelo que os contactos humanos revelam de aspirações frustradas, de um sonho irrealizável: a Europa. O Oeste.

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Humor involuntário e humor regional

>> segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Esperava eu a pensar em humor nacional e regional quando li um comentário ao post da ‘factura’ de restauro de obra de pintura. Vinha de Coimbra. Por associação de ideias respondi ao comentário com uma frase destinada ao humor regional, e, em particular de Coimbra.
O humor regional fica para outra vez, e volto à factura. Apresentei-a sem análise própria porque foi assim que a li pela primeira vez e a saboreei, e por querer dar a mesma oportunidade aos leitores do post. Tal como o comentador de Coimbra a minha predilecção vai para o acrescentamento de almas no purgatório, mas todas as parcelas têm a sua qualidade. Como não se encantar com a possibilidade de, por módicos 1.200 rs “Renovar o céu, arranjar as estrelas e limpar a lua”?
Gosto de imaginar o momento da encomenda da obra. O mestre pintor, o pároco, um ou mais devotos contemplando gravemente as magníficas pinturas, discutindo os restauros a realizar. Cada qual fazendo a sua sugestão, o pintor anotando, dando a sua opinião artística. E os respectivos custos. Um grande momento.

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SENTIDO DE HUMOR

>> segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ter ‘sentido de humor’ é, creio eu, a propensão que algumas pessoas têm de apreciar o absurdo e o ridículo, a parvoíce dita e feita – inclusive a nossa própria. O humorista exprime essa propensão na escrita, ou no desenho e pintura. Quem não tem esses dotes, aprecia o absurdo em silêncio, consigo. E cada um tem o seu sentido de humor pessoal.
Ter sentido de humor não é virtude, não é qualidade, não é prova de superior inteligência, se bem que requeira poder de observação e alguma cultura. A criança não o pode ter, e o jovem está demasiado ocupado com a sua própria importante pessoa para que note com a necessária indulgência algum absurdo de outros. O sentido de humor é coisa da idade madura, quando já se tem vagar para observar e indulgência para notar o absurdo com um sorriso.
O absurdo de que falo é pequeno, insignificante. Observa-se, ouve-se em casa, numa sala, numa loja. Fixa-se. Relembra-se com gosto.
Dado que não se trata de qualidade ou virtude estou á vontade para dizer que tenho sentido de humor. “Que delícia”, digo para mim perante um desses pequenos absurdos que a vida corrente nos oferece. Se a coisa for particularmente suculenta sinto necessidade de a partilhar. Telefono à minha filha, que a saberá apreciar. Outra pessoa não lhe acharia a mesma graça, ou nem acharia graça nenhuma.
O sentido de humor vive, alimenta-se dos pequenos disparates.
-Como está o tempo por aí, Rosa?
-Péssimo, pessimista, minha senhora. A Rosa era uma fonte inesgotável de absurdos que me ficaram em grata memória.
O sentido de humor diverte e pode transformar a irritação em gozo.
No noticiário das 8 da manhã na Antena 1 preenchem-se por vezes os pequenos intervalos com canção berrada por meninas prendadas, com letra absurda. É tão mau, tão mau, que incomoda. Pensei escrever ao Provedor. Até que um dia me dei ao trabalho de ouvir uma daquelas obras até ao fim. Agora as ‘letras’ já não me irritam, o seu absurdo diverte-me. Gosto de ter sentido de humor.

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FACTURAS

>> segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Todos sabemos o que é uma factura, e, bons alunos que somos, das aulas de Economia e Finanças, que diariamente nos são dadas por rádio, televisão, jornais e revistas, estamos familiarizados com expressões como “quem paga a … é…”, “Eles apresentarão a factura…”.
A factura conta uma história, mas não aspira a qualidade literária, não pretende agradar pela leitura, não é essa a sua missão. Mas há excepções. Guardo, e releio com gosto a factura passada a 9 de Agosto de 1886 por um pintor de arte sacra, pela sua obra de restauro na igreja do Bom Jesus do Monte. Aqui a transcrevo. Quem sabe? Talvez encontre mais algum apreciador.

SERVIÇOS
Por corrigir os dez mandamentos, embelezar Pôncio Pilatos e pintar-lhe as fitas 1$700 rs
Um rabo novo para o galo de São Pedro e pintar-lhe a crista 1$600 rs
Dourar e pôr penas novas na asa esquerda do anjo da guarda 1$230 rs
Lavar o criado do Sumo Sacerdote e pintar-lhe as suíças 1$600 rs
Tirar as nódoas ao filho de Tobias 2$000 rs
Uns brincos novos para a filha de Abraão $ 930 rs
Avivar as chamas inferno, pôr rabo novo ao diabo e fazer vários concertos nos condenados 2$400 rs
Renovar o céu, arranjar as estrelas e limpar a lua 1$400 rs
Retocar o purgatório e pôr-lhe almas novas 1$830 rs
Compor o fato e a cabeleira de Herodes 1$000 rs
Pôr uma pedra nova na funda de David, engrossar a cabeça de Golias e alargar as pernas a Saúl 1$200 rs
Adornar a arca de Noé, compor a túnica do filho pródigo e limpar a orelha esquerda $600 rs
Total 17$490 rs”.

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Robinson Crusoe

>> segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A primeira vez que li Robinson foi em criança, em alemão. Numa encadernação cartonada verde, com uma estampa colorida na frente mostrando Robinson na sua jangada transportando os preciosos objectos salvos do navio afundado. Mais tarde comprei o texto original inglês para completar os meus clássicos. Reli o livro a partir do capítulo do naufrágio. Agora tenho o livro em Audio, e ouvi os primeiros capítulos. Fiquei a saber que o herói da história era filho de uma senhora inglesa de apelido Robinson e de um alemão de apelido Kreutzer, e que esses dois apelidos passaram a ser o seu nome próprio. Kreutzer sendo transformado em Crusoe. Mais interessante é a história da amizade de Robinson com um capitão português. Esse capitão salvara Robinson que andava à deriva num pequeno bote no qual fugira do cativeiro em que se encontrava. O capitão da nau portuguesa é um modelo de bondade e honestidade, dá tão bons conselhos ao jovem Robinson, ajuda-o a resolver os problemas no Brasil, e merece de tal forma a gratidão de Robinson que este o nomeia por seu herdeiro no testamento que redige antes de partir para a viagem que o devia levar à costa da Guiné adquirir negros, e que teve o trágico desfecho que todos conhecemos, e com o qual compadecemos. E quase todos ignorámos essa figura de capitão de nau portuguesa, exemplar de bondade, caridade e honestidade. A literatura náutica não cita muitos capitães com essas características mas Robinson Crusoe conheceu um. Se o querem conhecer não saltem os primeiros capítulos das aventuras de Robinson Crusoe.

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Os gostos dos autores

>> segunda-feira, 18 de julho de 2011

Realizei um dia, não sei a que propósito, que em todos os meus livros se fala por sua vez, de uma forma ou de outra, de livros. A coisa sucedeu espontaneamente, não porque fosse necessário à acção. Deu-se, creio eu, porque o livro faz de tal forma parte da minha pessoa, que tinha de surgir na minha escrita.
Decerto, pensei, que daí se poderia concluir que todo o autor que trouxesse a leitura para os seus livros – estou a falar em ficção – seria também um leitor, e que, por outro lado, se podia concluir que aquele autor que nunca sentisse a necessidade de utilizar o livro como assunto ou objecto da sua narrativa, que esse provavelmente não era um grande apreciador de outros livros.
Examinei o caso. Constatei com espanto que há autores em cujos livros o objecto ‘livro’ não aparece.
Porque não sentiam a necessidade de o mencionar? Ou por o autor não ser um ‘leitor’, não ser apaixonado da leitura? Creio que é esta a razão. Não falam de livros, porque não são leitores.
Veja-se Agatha Christie. Não me lembro se ela fala de leituras na sua Autobiografia, mas nos seus policiais ‘o livro’ não aparece. Miss Marple faz croché e tricot, é apaixonada de jardinagem, mas não lê. Mr. Poirot, o seu outro detective, reflecte sorvendo um licor adocicado, nunca pega num livro. Os criminosos que Miss Marple e Mr. Poirot desmascaram, são em geral pessoas respeitáveis, bem inseridas na sua comunidade, têm as mais variadas ocupações e distrações, mas a leitura não faz parte delas.
Apostaria que a grande Agatha era apaixonada jardineira, mas não uma leitora.
E Simenon? O inspector Maigret, o detective que Simenon criou, não lê. Mesmo quando ele e Madame Maigret estão de férias, eles não lêem.
O mesmo porém não se dá com os criminosos que o Inspector persegue. Entre estes, e na maioria são de modesta condição, há um ou outro leitor, um deles é um encadernador de obras de grande qualidade. Concluo que Simenon era conhecedor de livros, e talvez ’leitor’.
Passemos a outro género de ficção, e outros autores. Basta ler A Cidade e as Serras e a Ilustre Casa de Ramires para saber com absoluta certeza que Eça de Queiroz era um apaixonado leitor. Gonçalo Ramires escreve um livro e discorre sobre leituras. Jacinto tem em Paris uma grande biblioteca, e lê Homero em Tormes.
Umberto Eco, que põe uma biblioteca no centro de uma sua obra é fatalmente um grande leitor.
E o que é que isso tem? Perguntarão. Nada, mas a mim diverte-me. Assim como me diverte concluir, que Agatha Christie só devia conhecer a cozinha inglesa, e a essa na perfeição, já que muitos dos crimes que ela imagina, são de envenenamento, e em geral servido em produtos culinários. E algumas dessas especialidades, como as sanduíches de “egg and sardines”, que Miss Marple aprecia, não falam muito a favor da cozinha britânica. Parece-me que Mr. Poirot não a apreciava, mas Agatha Christie não fala em algum bom prato que este estrangeiro apreciasse. Porque não conhecia outra cozinha que a da sua Ilha.
Que diferença entre ela e Simenon e os respetivos detectives. Cassoulet, omelette aux fines herbes, crème anglaise onctueuse, cada crime, cada prato.
E, na outra literatura, lá temos Eça de Queiroz e o lirismo com que gaba os pratos da cozinha portuguesa.
Quer o queiram ou não, os autores revelam nos seus livros alguns dos seus gostos, e eu gosto de os descobrir.
Bem sei que não interessa a ninguém mas a mim diverte-me.

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Ter ou não ter o Isalita

>> segunda-feira, 4 de julho de 2011

Escrevi neste blogue sobre livros de viagem, sobre livros de criança, sobre livros de memórias, sobre livros antigos e modernos. Mas tenho de constatar que não foram esses textos de certo nível intelectual que mais impressionaram o público que faz o favor de me ler. O que a este comprovadamente mais interessou foi o que escrevi sobre um livro de cozinha, o 'Isalita'. Sendo assim, porque não dizer mais alguma coisa sobre esse precioso companheiro das donas de casa? Não de todas, é verdade. O Isalita foi descaradamente snob Foi primordialmente comprado e usado por aquilo que no tempo do aparecimento do livro se designava por ’gente conhecida’. Nos nossos dias é suposto não haver classes sociais, mas oiço falar de burguesia alta, média, baixa e não sei se de três quartos. O Isalita não pertencia a nenhuma dessas classes, o Isalita era da gente que se tratava entre si por gente ‘conhecida’, ou seja que se conhecia entre si, e sabia de outros através dos seus conhecimentos. Foram as mulheres conhecidas das duas autoras, Isabel e Angelita, que compraram o livro quando este apareceu, foram elas que passaram palavra, e elas e suas filhas e netas que dele se serviram. O livro tinha muito uso e por vezes era lido enquanto se executava uma receita, tinha rapidamente nódoas de gordura. Não era caro, era substituído. O que talvez explique que o Isalita tivesse tantas edições, apesar de ser pouco conhecido do grande público. O exemplar que tenho é da 25ª edição e é de 1977. Deve ter sido a última edição e não sei como é que a Sá da Costa ousou publicar livro tão conotado com uma certa classe.
Feliz proprietária de um exemplar uso-o constantemente, e é das suas receitas que a minha empregada ucraniana tem aprendido a cozinhar à portuguesa. Como é uma mulher instruída sabe dar valor ao arcaísmo de certas receitas. As autoras não deixavam nada ao acaso. Não digo que recomendassem que se caçasse primeiro o coelho, mas pouco faltava. Para o seu Bacalhau com espinafres - muito da minha estimação - lê-se: “Deita-se numa porção de água fria um molho de espinafres depois de muito bem lavados e escolhidos e levam-se ao lume a ferver. Quando levanta fervura tiram-se e escorrem-se” etc, etc.
O Isalita era tradicional no melhor sentido, adaptando as velhas receitas aos tempos modernos. Era moderno com receitas próprias e fornecendo receitas da cozinha francesa e de outras, e, coisa nunca vista, era prático, dedicando um capítulo ao aproveitamento de restos. Os meninos ‘conhecidos’ sabiam que ao assado de um dia se seguiria uns dias depois o pudim de batata, ou de arroz. Os amigos de Liceu é que tinham sorte, as mães deles não faziam pudim de batata. As mães dos colegas não tinham o Isalita.

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Biblioteca versus Audioteca

>> segunda-feira, 20 de junho de 2011

- Bonito, disse a minha empregada ucraniana, olhando para as minhas estantes de livros. É, respondi, mas já não os
posso ler.
-Mas já os leu todos, não leu?
- li
-Então já não precisa de ler outra vez. E é sempre bonito.
Concordei. Uma estante de livros tem beleza.
Estou formando uma colecção de audi livros, o princípio de uma auditeca. Aprecio-a devidamente, mas não cometo o erro de a achar comparável a uma biblioteca, ou de comparar uma caixinha com 4 ou 5 CDs a um livro de 400 ou 500 páginas na sua encadernação. Já não posso ler os seus textos, mas ainda sinto prazer em olhar, em abrir os meus livros, em admirar a arte do tipógrafo no arranjo das linhas e páginas. Ainda posso apreciar a arte com que o encadernador ‘encadernou’ a colecção de folhas, ou cadernos de um texto. Houve livros encadernados em madeira, em pergaminho, em pele de mais ou menos qualidade, em veludo, em seda. Em dada altura, creio que nos primeiros anos do século XVIII saíram das casas editoras os primeiros livros que não precisavam de encadernador para os proteger e alindar. Saiam da editora com a sua capa dura própria. Eram capas em cartão com título e nome de autor impressos a oiro ou outra cor contrastante. Tudo ornado de arabescos e por vezes com gravura. São as encadernações românticas. Um amador de livros tem em geral as suas preferências em matéria de encadernação. Tenho alguns livros com boas e bonitas encadernações. Nada de precioso, mas bom. No entanto, é nos livros com encadernação romântica que pego com mais gosto. Não são muito apreciados pelos grandes bibliófilos, mas eu fui sempre uma modesta bibliófila, e hoje já nem isso. Mas ainda posso ser amadora de bonitas encadernações.
Os meus audi-livros chegam-me em caixinhas de cartão ou plástico. São bem apresentadas as caixas, com ilustrações adequadas, mas ninguém dirá “É bonito” ao contemplar filas de caixas de uma ‘audioteca’.

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Leitura em voz alta

>> segunda-feira, 6 de junho de 2011

Falando há dias com um amigo sobre “audio-livros”, ou seja livros que não lemos mas ouvimos, constatei que ele não só tinha dúvidas quanto à quantidade de obras disponíveis, como sobre a sua qualidade. Quanto a esse último aspecto posso afirmar que de todos os livros que tenho ouvido, só um, um livro francês me decepcionou. Em todos os outros, alemães ou ingleses, não nos cansamos de admirar a excelência da leitura. Não é qualquer um que tem a voz e a dicção necessárias para ler alto. Eu fui uma grande leitora enquanto os olhos o permitiram, mas sei que seria uma péssima audio-leitora. Quanto à escolha de obras fica-se pasmado perante a abundância e a variedade. Os grandes clássicos da literatura dos respectivos países e os greco-latinos. Livros de viagem, memórias, biografias, livros de poesia, livros de criança, e mais.
Por graça vou tentar dar uma ideia de audis que já tenho na minha auditeca. Livros de história: dois sobre a batalha de Teutobburo, dois sobre as dinastias dos imperadores que sucederam aos Carolimgios. Em alemão. Romances históricos. Estes em inlês: I, Claudius, Pompei, Imperium e Lustrum de Robert Harris. De viagem: dois em alemão, dois em inglês. Dos quais o extraordinário “In the shadow of the silk road”. Livros de ensaios, dois em alemão, um sobre o Romantismo, outro sobre a amizade entre Goethe e Schiller. Poesia: um livro de baladas. Uma decepção, porque o livro não ouviu os meus conselhos, e não leu aquelas que eu teria preferido, mas um prazer mesmo assim. E que mais? Ah, como me podia esquecer: um livro sobre Opera, em alemão, um sobre a história da música clássica, este em inglês. Dos grandes clássicos por enquanto só os Nibelungos e outras Sagas. Mas já encomendei as cartas de Cícero a Attico. Livros de criança, por enquanto só um moderno em alemão, delicioso, sobre o Pólo Sul e os Pinguins ouvindo a Traviata. Espero que um dia se traduza para português, as crianças portuguesas também merecem ouvir o melhor que se escreva para elas. Em inglês tenho Tom Sawyer de Mark Twain, lido pelo fabuloso Patrick Fraley, Treasure Island e Railway children para recordar leituras antigas. E, por fim, submetendo-me desde já ao desprezo de algum intelectual que por ventura me leia, direi que tenho já três livros de Agatha Christie, de Miss Marple lidos pela própria Joan Hickson. Depois quatro livros de John Grisham, entre eles os meus preferidos “The Firm e Pelican Brief”. E para acabar de cair na consideração dos intelectuais, confesso que tenho quatro Westerns, de um autor com o curioso nome de Louis l’Amour, da sua série sobre os Sackets.
A técnica moderna fez renascer uma arte que se julgava desaparecida para sempre: a leitura em voz alta.

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“Nazaré!”

>> segunda-feira, 25 de abril de 2011

Tendo trabalhado durante anos no Japão, sem ter visto do país mais que Tóquio e arredores, um inglês chamado Will Ferguson decidiu que antes de regressar a Inglaterra iria percorrer o Japão de lés a lés. Usaria transportes públicos e de vez em quando tentaria arranjar uma boleia. No Japão não era costume dar boleia mas talvez houvesse uma excepção. Houve-a. Um simpático japonês abriu-lhe a porta do seu carro. Meteram conversa. Falaram da Europa. O japonês estivera lá recentemente. Viagem clássica, visitando as belezas do nosso continente.
- O que o impressionou mais? Perguntou o inglês.
- Nazaré. Respondeu o japonês.
Tenho de voltar à Nazaré.

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'fofocas'

>> segunda-feira, 11 de abril de 2011

'fofocas'

Às vezes temos de recorrer a um estrangeirismo para exprimir exactamente o que queremos dizer. Sucede-me agora que surgem nas cartas de senhoras do século XIX cartas de ‘fofocas’, não há outra palavra. É sabido que as mulheres gostam de falar do próximo. Não, como se pode pensar para falar mal ou apontar defeitos ou pecadilhos, mas, muito simplesmente, porque os feitos do próximo as interessam. Interessam-lhes os casamentos, os noivados, as doenças e a morte do próximo. Talvez que as intelectuais, as cientistas estejam livres desse pecado, ou antes desse pecadilho, mas são uma excepção. Vem isto a propósito daquelas minhas avós e tias, que, na ausência de telefones portáteis ou fixos conversavam por carta. É verdade que eram mulheres inteligentes e cultas, que se interessavam por política e que liam jornais, mas eram mulheres, gostavam de falar do próximo. As cartas estão recheadas de informações sobre o que sucedera ao próximo, o que dissera, o que vestira.
“O que me diz - ou o que acha - disto ou daquilo ?’’ As ausentes interessavam-se com o que se passava por cá. Nascimentos, mortes, casamentos anunciavam-se e comentavam-se: “Já deves saber pelos jornais que morreu a tia Asseca. Chorada por todos que a conheceram”, “Deve-te espantar a morte do António Xavier. Pobre rapaz, pouca falta faz, mas a mulher chorou. Gostava dele.” “Morreu o tio Murça. De ter sido um alívio para ele acabar tão inútil vida”. Há festas, há bailes. Esta bem vestida, aquela um desastre. Casa el-rei D. Luís. Da Alemanha, a infanta D. Antónia, irmã do rei e casada com um príncipe alemão, pede informações a uma das correspondentes: “ela veste bem? Eu mando vir os meus vestidos de Paris, e como recebe ela?”
Procurei a palavra certa para designar este aspecto das cartas. Em inglês dir-se-ia ‘gossip’, em francês ‘papotage’, em alemão encontrei duas expressões, mas nenhuma delas exprimia exactamente o que aquilo era. Consultei a minha filha, que respondeu sem hesitação: “Fofocas”

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Um Conto

>> segunda-feira, 28 de março de 2011

Pensa-se em geral que os contos dos irmãos Grimm são histórias para criança, mas na sua maioria as pequenas histórias que os irmãos coleccionaram percorrendo a Alemanha de lés a lés não se destinavam a crianças. Leia-se o conto do “Pescador e sua mulher”. Foi contado aos irmãos numa aldeia da Frísia e por eles conservado no dialecto original.
“Certo dia um pescador levantou na sua rede um peixe desconhecido. O peixe falava.
- Lança-me de novo à água, e dou-te o que quiseres.
O pescador não hesitou. Aquilo não era peixe como os outros. Devolveu-o ao mar.
– Gostava de ter um barco maior, disse.
– Já o tens, disse o peixe, e o pescador viu-se sentado em barco maior e mais bonito. Quando chegou a casa e contou à mulher, esta disse que ele devia ter pedido mais, que fosse à praia e dissesse ao peixe que queria uma casa. Coisa melhor que a cabana em que viviam. O pescador obedeceu, mas contrariado. Chamou o peixe, disse que a mulher dele, a Maria, não via as coisas como ele via, que queria uma casa.
– Vai-te, que ela já a tem.
A casa era bonita. A mulher ficou contente. Por pouco tempo. Não tardou a achar que era pequena. Pequena, para ser perfeita tinha de ser maior. O pescador lá foi à praia, chamou o peixe, desculpou-se, que a mulher, a Maria, não via as coisa como ele via
– Que quer ela ?
– Quer uma casa maior.
- Vai-te, que já a tem.
A mulher gostou da nova casa, mas depois pensou “casa daquelas não era para pescador era para um homem importante, assim um Burgomestre.
- Vai lá à praia falar com o peixe” .
O homem foi. O peixe acordou o pedido
– Vai-te, que ela já o é.
De pedido em pedido, o pescador desculpando-se que a sua mulher, a Maria, não via as coisas como ele via, e o peixe acedendo, não tardou a que chegassem às alturas. A Maria quis ser imperador, e foi. Não era mau, mas havia mais e melhor. O marido que dissesse ao peixe que ela queria ser Deus.
-Vai-te, disse o peixe . - ela já tem o que quer.
Ao regressar, o pescador – imperador, encontrou a mulher à porta da velha cabana.
O conto é um pouco machista, deitando as culpas para cima da mulher, mas o sentido era mais lato. Encontra-se em outros daqueles contos. Encontra-se em contos, em fábulas, em poesias de outros povos: o homem pode ser muito, mas não pode ser Deus.

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“Na praia”

>> segunda-feira, 14 de março de 2011

Não fui grande leitora de ficção cientifica, mas li Wells e Julio Verne. Sei que a imaginação de autores dotados souberam imaginar e descrever cenários do futuro, que um dia provariam ser correctos. Menos conhecido que Verne e Wells é um autor mais recente chamado Nevil Shute. Este autor imagina no seu livro “On the Beach” o espalhar de uma nuvem radioactiva e a chegada das suas consequências à Austrália, o último ponto do mundo a ser atingido. São os últimos dias vividos naquela praia. Reli-o mais de que uma vez e recordei-o agora com a tragédia do Japão e a ameaça da fusão nos reactores da central de Fukoshima. O livro não é pesado, mas é terrivelmente convincente. Só se pode esperar que o autor não tenha, como o tiveram Julio Verne e Wells, o dom de imaginar correctamente cenários futuros.

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Uma carta de criança

>> segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Pareceu-me que devia incluir algumas cartas de criança no livro de correspondência familiar que pretendo publicar. Uma delas é a de um rapaz de quatorze anos chamado João. Era filho de João Ferrão de Catello Branco e de D. Maria Rita Saldanha da Gama. Quando estes morrem João e seus irmãos deixam Paris e a casa apalaçada nos Campos Elysios onde tinham nascido e vêm para Portugal. Irão viver primeiro com a avó materna, a velha condessa da Ponte na sua casa, em Santo Amaro, e depois em casa própria na rua de São José. Como eram meninos ricos iriam estudar em casa. Para as línguas, o inglês e o francês já tinham professores: Miss Macky e Monsieur Richard tinham vindo de Paris com os seus alunos. Mas muito estava por combinar e João escreve sobre isso a seu tio António, irmão de sua mãe, que estava em Paris a tratar de assuntos das crianças.
João começa por se queixar de só ter recebido do tio uma carta muito curta, mas perdoa-lhe considerando que ele está em Paris por causa deles. Espera ansioso pela chegada do tio por várias razões. Porque tem vontade de o abraçar e porque precisa do tio para se aconselhar com ele sobre várias matérias e em particular sobre a escolha de uma carreira: “O tio conhece o meu gosto pela Marinha. Ainda não passou, mas ao mesmo tempo, considerando o mau estado desta em Portugal. E todas as reflexões (bem fundadas) que me foram feitas a esse respeito, fazem-me muito indeciso, e hesitar em entrar para esse corps. Quando se vê que só há um vaisseau em mau estado, duas ou três fragatas, o mesmo número de corvetas e alguns bricks, é o suficiente para desencantar a pessoa mais entusiasta. Por outro lado, a única perspectiva que se me oferece, e que toda a gente me aconselha, é de ir para Coimbra, coisa que não me sorri nada. Aconselham-me a não seguir a carreira militar, toda a gente a desaconselha, e de resto não conheço ninguém melhor do que o tio para me informar a esse respeito. Já conheço a sua opinião: a carreira judicial. Não tenho o mínimo gosto por ela, ou antes, tenho-lhe uma verdadeira aversão. Enfim, meu tio, não sei que escolha fazer. Espero que me ajude quando cá estiver. Conto com isso. Também não quero ficar muito tempo sem nada fazer. O meu maior desejo, e aquele que nutro há muito tempo, é de ser útil ao meu país de alguma maneira, e talvez também de aquérir alguma glória. Não me critique por isso. Creio que toda a gente – ou quase toda – tem esse desejo, e o tio se calhar também não se livra dele. O tio não pode imaginar como eu amo Portugal, a minha pátria. Estremeço quando oiço o nome daqueles que a ilustraram, e é este amor da minha pátria que me dá o desejo de me parecer com eles. É impossível exprimir o praque que senti, quando vim para cá, e avistei a costa de Portugal.
Disse-lhe os meus principais pensamentos, pensemos agora um pouco nas minhas ocupações. O tio já deve saber que tenho o Mr. Richard como professor de francês. Gosto muito dele e ensina muito bem. Por quanto não tenho outros mestres, mas a avó (a velha condessa da Ponte) está à procura de um professor de latim e um de português. Para primeira língua tentei provavelmente o senhor Santos, que dava lições a José Rio Maior e agora dá ao Manuel Ponte. Deve vir falar com a avó, mas ainda não veio. É verdade que Miss Macky e Monsieur Richard nos dão a fazer para nos ocupar o dia inteiro. Não me queixo, mas tenho pena de não ter nem um momento para escrever.”
Gostasse ou não em 1857 foi para Coimbra, iniciando aí os seus estudos e a sua carreira de aventuras quixotescas. Quando um ano depois apareceu em Coimbra o senhor Portevici com o seu balão, o nosso rapaz ofereceu-se para participar numa demonstração, o que fez, sendo ele assim, como se lê em “Portugueses Ilustres”, o primeiro português a subir à estratosfera. Coimbra aplaudiu o “popular estudante”, mas a família foi menos apreciativa. Quando constou que o menino saíra de Coimbra e se preparava para oferecer os seus serviços ao general Prim na sua campanha no Norte de África os tutores mandaram ordens para a fronteira para que o prendessem. João passou disfarçado de criado de outro viajante.
É óbvio que as coisas não ficaram por aqui, mas isso é outra história.

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Plano Nacional de Leitura

>> segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Em Agosto do ano passado o meu livro “Junia ou a Justiça de Trajano” foi um de dois livros de ficção portuguesa recente recomendado pelo Plano Nacional de Leitura. Fui informada do facto pela editora do livro. Perguntei o que isso significava. Responderam :“É que vai ficar”. Há, todos nós leitores o sabemos, livros que marcam de imediato, que sobem muito alto, mas não ‘ficam’. O Plano Nacional de Leitura decidiu, o que só lhe posso agradecer, que o meu “Junia ou a Justiça de Trajano” vai ficar.
A decisão deu-se em Agosto, fui ver que outros livros ‘ficavam’. Vi-me entre DostoievsKy, Miguel Torga, e não me achei nada mal acompanhada. Não são só os muito grandes e os grandes que ficam, há também entre os menos grandes livros que têm qualidade para ficar. O acento está na qualidade. É a sua qualidade, a sua seriedade que faz durar um livro. Que o Plano Nacional de Leitura tenha reconhecido qualidade e seriedade a este meu livro foi, e é, para mim uma grande satisfação.

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Apresentação de livros. O “Gatinho Miau Miau”.

>> segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Há agora uma nova forma de levar o livro ao leitor. Até aqui tínhamos a recensão e a crítica, escritas por jornalistas mais ou menos aptos para a tarefa. Agora temos a recomendação visual de obras de escrita pela mão do comentador político. No 2ª Canal da TVI houve recentemente um programa de entrevistas político-económicas presidido por Constança Cunha e Sá no qual havia três comentadores, e todos eles apresentavam no fim o seu livrinho. No 1º canal da mesma estação há aos Sábados alternadamente comentários de Pedro Santana Lopes e Manuel Maria Carrilho. O primeiro faz o favor de nos poupar as suas sugestões literárias, o segundo tem apresentado livros com interesse. Se eu pudesse ler compraria o ‘l’Europe dês Nations’ apresentado no passado Sábado.
A coisa começou com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, e a moda pegou. Terminar um comentário político com um livro na mão dá uma certa elegância ao discurso.
Mas nada supera a apresentação de livros feita pelo Professor no seu programa. Passei por várias fases em relação a esse programa. Primeiro admirei. Via o Professor percorrendo as livrarias, escolhendo um por um os livros apresentados. Percebi que a coisa não se passava bem assim e admirei menos. Agora não admiro, mas aprecio. Gosto de ouvir o amigo Júlio pronunciar as palavras mágicas: “E os livros, Professor?” Sei que a apresentação me dará sempre qualquer coisa para espantar, irritar, ou rir. Sobretudo, confesso, para rir. Bem sei que a coisa é séria, mas não há nada a fazer, vejo sobretudo o lado cómico da questão. Vejo gordas Enciclopédias alternando com delgadas obras de poesia, vejo no Dia da Mãe os livros de mulheres, nos momentos de maior actividade futebolística vejo com curiosidade os livros que o tema suscita, fico a saber de livros ilustrados “ magnífico”, oiço o elogio respeitoso de obra de pensamento “A não perder”. Não tenho obedecido às recomendações e, há pouco, podia afirmar com toda a sinceridade, que não fixara um único nome de autor ou um único título de livro. Agora já não digo o mesmo. O Professor não descura os livros de criança e por ocasião do Natal dá a este género particular atenção. As crianças vêem televisão desde o berço, mas as autoras portuguesas de livros infantis têm tendência a esquecê-lo e a época natalícia inspira-lhes obras de títulos delico-doces. O Professor recita aquilo tudo com imensa seriedade. Não posso deixar de admirar essa sua verdadeira superioridade. Ouvi pois com admiração e prazer o Professor ler o título de um dos livros infantis deste ano: “O Gatinho Miau Miau” e esse título fixei.
PS. Considerando o que acabo de escrever sobre apresentação televisível de livros seria de esperar que não me viesse a servir de coisa tão imperfeita. Mas o mundo é cheio de contradições, e o livro de autor que espero publicar irá direitinho para o programa do Professor. Porque sempre pode suceder que alguém lhe fixe o título. Porque foi pelo Professor que ouvi apresentar um livro de autor, e ainda, e sobretudo, porque o programa me deu o prazer de ver e ouvir o nosso primeiro comentador político e grande professor de Direito apresentando, com cuidada dicção e imensa seriedade,“O Gatinho Miau Miau”.

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Poetas, artistas

>> segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Dois dias de ter ocorrido um crime que estava apaixonando a opinião pública portuguesa almoçava comigo uma sobrinha que é artista. Comentei o caso em questão.
– Não sei do que a tia está a falar. Há dois dias que não lia os jornais e não vira televisão.
Lembrei-me, e creio que a propósito, de um poema de Goethe sobre o poeta, o artista.
Um dia Júpiter, lá das suas alturas disse aos homens que lhes dava o mundo. Era deles, que o dividissem irmãmente entre si. E logo, novos e velhos, puseram mãos à obra. O lavrador lavrou a terra, o caçador foi à caça, o vinhateiro plantou a videira na encosta soalheira, o mercador encheu os seus depósitos, e o rei fechou as estradas e as pontes e declarou “ A décima é minha”. Por fim, quando tudo estava dividido, apareceu o poeta.
- O mundo está dado, disse Júpiter, tudo tem já o seu dono. Onde estavas tu?
- Eu estava, senhor, contigo.
-Pois bem, disse Júpiter, se queres viver nas minhas alturas, sempre que vieres encontrarás as portas abertas.
E desde esse dia – a observação é minha – poeta e outros artistas vivem lá nas nuvens.

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Livro de autor

>> segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A expressão tem algo de desprestigiante. Subentende-se que o autor não encontrou editor para o seu livro. O que em geral era o caso. O editor enganava-se por vezes e deixava escapar uma obra prima. Mas não se contam muitos casos desses. A edição de um livro era trabalhosa e cara. O autor entregava um manuscrito que tinha de ser emendado e recopiado mais de uma vez, o editor não era altruísta, escolhia o que lhe parecia ter qualidade. Ter qualidade e ser vendável.
As coisas mudaram. Agora o que vende não é a qualidade. É o nome do autor. E a edição do seu livro, bom ou mau, é pouco dispendiosa. O texto vem num disco, é só preciso escolher capa adequada e a coisa está feita. Se o livro vender bem, fazem-se mais cópias, se não vender, não se fazem. A grande maioria dos livros que todos os anos se editam em Portugal são livros que em outros tempos não seriam aceites por um editor. São” livros de autor” com a chancela de uma editora. Assim sendo, por que não editar o nosso livro sem passar por um editor? Preparo-me para o fazer. Vou publicar dessa forma a correspondência da minha bisavó e das suas quatro filhas, desde 1834 a 1910. Entrego o texto a uma firma que se encarrega desse tipo de edição, aviso os membros da família, que o livro ali está e como o podem adquirir. Pronto. Há anos a publicação de livro de autor seria de tal maneira dispendioso, que se tornaria impossível. Agora é possível e vou aproveitar.
Livros de cartas familiares são olhados com desconfiança pelos editores. Quando eu mostrei uma amostra do livro ao meu editor , disseram que tinha poucos nomes conhecidos. Ora o índice onomástico tem mais de 400 nomes: de políticos de todas as cores, de réus, rainhas e príncipes em abundância, de senhoras bem comportadas e mal comportadas, de homens de nomes históricos e menos históricos, não faltam com certeza nomes “conhecidos”. Foi uma desculpa para explicar a rejeição. Que do seu ponto de vista é compreensível. Em França, por exemplo, um livro como este teria muita aceitação, entre o público leitor português não tem, e uma editora edita para o seu público. Vou por isso publicar um “livro de autora”.

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Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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