Livros tambem se pomovem

>> segunda-feira, 24 de novembro de 2008


13. Livros também se promovem

Em matéria de livros uma das grandes novidades dos nossos dias é a forma como como se participa ao público, como se lhe anuncia, que o livro aí está.
O fenómeno ‘anúncio’ não é de hoje. Nas ruínas de Pompeia foram encontraradas tabuletas de anúncios comerciais, e decerto que lá se apregoava – se anunciava - a mercadoria em voz alta pelas ruas, tal como se faria, durante séculos, em toda a Europa. A dada altura o pregão, o anúncio oral, foi substituído pelo anúncio escrito, publicado em jornais, revistas e cartazes, e, em meados do século XIX, com o anúncio do fermento em pó do Dr. Oetker, deu-se outro passo. Surgiram produtos que se distinguiam dos outros pela sua marca, que dessa forma se anunciavam. Multiplicaram-se os produtos de marca: Lipton, Maggi, Bovril, Epson, Odol, Persil, Mecano, Maerkl, Bleyle. As marcas anunciavam chá, café, brinquedos, máquinas de costura, medicamentos, roupa interior, molhos, bebidas. Artigos produzidos em massa para uma massa de consumidores, que descobrira que precisava deles.
E os livros?
Bem, o livro - com L grande – era objecto, sim, mas também era obra de arte, era produto diferente. Não deixava de ser anunciado, mas de forma discreta. Talvez pelo respeito reverencial que o livro ainda inspirava. Não se podia decentemente pôr o livro ao nível do espartilho, do fermento em pó e dos sais Epson. Nobres razões. Mas na verdade contava sobretudo o facto de o produto livro ainda não se poder produzir em massa. Não havia máquinas que o fabricassem, e, mesmo que as houvesse, não haveria público para comprar livros em massa. Porque nem o mais hábil vendedor poderia convencer as massas que o libro lhe era necessário. Como lhe eram necessários o fermento em pó do Dr. Oetker e os sais Epson. O livro continuou pois a ser tratado como sempre fora. Era falado em artigos de jornais, tinha críticas em revistas literárias. Nas ultimas páginas das obras, as editoras anunciavam o novo livro da sua colecção. E não era às massas que os editores se dirigiam, era a um publico de gente conhecedora, que se guiava pelo que lia nos artigos, pelas críticas literárias, pelo que via nas livrarias.
As coisas mudaram. Não só passou a haver cada vez mais gente que sabe ler, como a haver cada vez mais gente sabendo que é bom ler. Nasceram novos leitores, novos amadores de livros, e factor decisivo, nasceu o computador e com ele nasceram cada vez mais autores. Descobre-se então que já se podiam produzir livros em massa, porque já havia autores em massa e leitores em massa. Conclui-se que o livro se podia divulgar como qualquer outro produto atractivo para a um vasto publico. Havia unicamente que o promover. Apagava-se o anúncio, começava a “promoção”.
A palavra ‘promoção’ é ambígua, paira uma ligeira dúvida sobre a expressão. Aplicada a um produto, tanto pode significar o seu enaltecimento, como a promoção da sua venda. Felizmente há os Estados Unidos para nos solucionarem os problemas, e nos States não há dúvida: Promotion = Sales promotion. Promoção = promoção de venda. O livro pode ser promovido, pode-se promover a sua venda. Mas atenção! Não todo e qualquer género de livro. Quando se fala de promoção de livro, está-se falando só e unicamente de livro de ficção. E dentro do género ficção, só e unicamente do romance. Que não passe pela cabeça do autor de uma grande biografia, de uma importante obra de história, de um livro de pensamento, que ou ele ou a sua obra têm chances de ser objecto de promoção. O processo tem outros destinatários: autor ou autora conhecidos do grande público, com livro de leitura agradável, fácil, mas não o parecendo. Livro que convide a virar as páginas. Havendo na mesa mais que uma obra obedecendo a essas exigências, opta-se obviamente por aquela obra que for de autor com nome mais conhecido. É esse um aspecto primordial da questão.
Ainda há relativamente poucos anos era praticamente só o livro que era apresentado ao publico, era o livro que, por assim dizer, saía à rua. O autor do livro ficava em casa à espera de saber o que sucedia ao seu menino. Agora que não se trata só de anunciar a chegada do livro, mas de o fazer vender, e não exclusivamente pela sua verdadeira ou suposta qualidade, pois agora o autor não pode ficar em casa. Se seu livro foi escolhido para ser promovido, ele, como progenitor, tem de ajudar na promoção. Com o seu esforço e a sua imagem. Nem que seja com a sua figura em cartazes e outros artefactos. O que, normalmente, não lhe deveria agradar.
Sendo o autor uma figura conhecida do publico, é provável que todo o anúncio em que a sua pessoa se mostre, mesmo o mais mal concebido, dará resultados positivos. Vem isto a propósito de um anúncio aos livros de Miguel Sousa Tavares, que recentemente vi.
Parece-me que na concepção se seguiu o modelo já usado quando do lançamento do “Equador”: a figura de Miguel Sousa Tavares - recortado em tábua ou cartão em tamanho natural (ou quase) - com o seu livro na mão. À entrada de lojas, supermercados, etc. Agora via-se MST, também recortado em papelão, mas desta vez no interior de uma livraria. Agora estava sentado, e oferecia os livros em pequena estante colocada à sua frente. Sorridente, a sua cabeça espreitava por cima de duas pequenas pilhas das suas últimas obras.
Lembrava uma daquelas vendedeiras ou daqueles vendedores, que há anos se viam às entradas dos mercados, elas vendendo pentes, espelhinhos com o jogo do gato e rato no verso, e travessas de cabelo, eles oferecendo botões de punho, fosforeiras, e alfinetes de gravata. Estavam sentados em cadeirinhas baixas, ou pequenos bancos, e tinham diante de si um tabuleiro alto com a sua mercadoria. Pois o nosso bestseller parecia estar sentado numa dessas cadeirinhas, ou num desses banquinhos. Olhei uma vez, passei adiante, voltei para trás para ver melhor. Não sou entendida em publicidade, mas aquela amostra pareceu-me um falhanço. Deu-me vontade de rir, o que não era decerto o objectivo dos criadores da peça. E, no entanto, quem sabe, se aquilo não convidou o público a ajudar o homem com o tabuleiro. Notei pouco tempo depois que tinham mudado a cara de MST, escolheram outro modelo. Tinham-lhe dado a sua cara de jovem, agora já estava adequadamente com a cara que todos lhe conhecemos. A seu lado, também sentado atrás do seu tabuleirosinho, estava agora outro autor oferecendo o seu produto. Mas nem tive tempo de lhe fixar o nome, poucos dias depois já o tinham tirado dali.
Coube agora a vez a José Rodrigues dos Santos de ser promovido da mesma forma. Lá está ele, atrás da sua bancada com os exemplares do seu produto. Está de pé, em ambiente de suaves tons de rosa. Olha-nos com um sorriso, também ele, apertando amorosamente o seu livro contra o peito.
Mas o autor de sucesso que está em promoção não se pode ficar por representações da sua figura em efígie. Tem de se mostrar em pessoa. Tem de participar directamente na coisa. Com a sua presença em sessões de assinatura de livros, por exemplo. Anuncia-se que, em determinado dia e hora, o autor ou a autora do romance tal e tal estará em determinado local, para aí assinar o seu livro. A quem o comprar, evidentemente. (Coisa de tal maneira arrepiante, que a certeza de não ser chamada a praticá-la, consola de não ser autora de sucesso.)
No “lançamento” trata-se do mesmo: apresentar e fazer comprar o livro através da presença do autor. O local do lançamento é mais escolhido, os participantes, autor, editor, comentador, apresentador, família do autor, amigos do autor, amigos do editor, estão mais bem vestidos. A função tem outra elegância. E tem um bónus, acaba em geral em coctail.
As promoções de livros feitas em programas televisivos a hora comercial por alguém de reconhecida competência e notoriedade são outra coisa, ficam para outra vez. O que é preciso, é promover.

Read more...

Nao se esqueça da metafora

>> sexta-feira, 21 de novembro de 2008

12. Não se esqueça da metáfora
É curioso que numa época em que se começa a pressentir que há livros – e sobretudo, romances - a mais, haja simultaneamente cada vez mais manuais, e mais escolas, e mais grupos de estudo, ensinando como escrever livros, e. sobretudo, como escrever ficção. Em um desses manuais, um dos bons, aliás, (Writing Step by Step de Jean Saunders) recomenda-se ao futuro escritor que não se esqueça da metáfora, que os editores apreciam muito a metáfora. Acredito. Mas vejo mal o futuro autor, já a braços com os problemas de composição, diálogo, caracterização etc, que todo o autor de ficção enfrenta, ainda ter de se concentrar na construção de uma, ou de preferência, mais que uma metáfora. Percebo o gosto dos editores, também gosto da metáfora, mas sempre pensei que a coisa era espontânea, que não se construía. Ou acham que Talleyrand pensou, reflectiu, quando a alguém, que lhe perguntou o que achava do senhor Tal, respondeu que, se os homens fossem dominós, o senhor Tal seria o duplo-branco?
Apesar de tudo, eu gosto de livros que ensinam a escrever livros, o que me pergunto é se há muitos autores que devem a sua escrita ao que lhes foi ensinado em livro sobre como escrever livros, ou mesmo em aulas, sobre como escrever livros. Quanto a metáforas, consta que já Aristóteles as apreciava, mas decerto só quando eram boas. È que más, entristecem. “Uma metáfora cometendo suicídio é espectáculo deprimente”, escreveu Oscar Wilde. E de metáforas, sabia ele como ninguém.

Read more...

E se eles nao gostarem de ler?

>> segunda-feira, 17 de novembro de 2008


11. E se eles não gostarem de ler?
No livro publicado em 1956 para comemorar o centenário do Punch*, a famosa revista humorística inglesa, vem um desenho no qual se vêem duas famílias amigas diante da televisão. Um pouco recuado, aconchegado num cadeirão, um rapazinho lê a “Ilha do Tesouro”. “Estamos muito preocupados com o William”, diz a mãe do pequeno leitor virada para a amiga. Com a aflição pintada na cara.


“We are rather worried about William”
Punch, 1954


Haverá sempre Williams a lerem a “Ilha do Tesouro” frente à televisão, e mães que não percebem que os filhos possam preferir a leitura à televisão. E haverá sempre outras mães que procurarão que os filhos leiam, quando eles preferem ver televisão. Aprenderão mais tarde ou mais cedo, aquelas mães, que de um não-leitor não se faz um leitor, e que um leitor nunca será um não-leitor.
O primeiro facto experimentaram-no séculos atrás uma avó e uma mãe, ambas grandes leitoras, quando constataram, consternadas, que o neto e filho não lia. “Não contes com as suas leituras, minha filha”, escreve a marquesa de Sévigné** a sua filha no dia 24 de Janeiro de 1689 “Confessou-nos ontem muito simplesmente que presentemente isso lhe é impossível. É a juventude que faz muito barulho, não consegue ouvir mais nada. O que nos aflige é que ele não tenha, pelo menos, vontade de ler. Se fosse o tempo que lhe faltasse, mas é a vontade .... Temos de ter um pouco de paciência e não nos afligir. Seria perfeito demais se gostasse de ler.”
Não desistiram, a mãe e a avó. Meses depois, o jovem marquês, já coronel – é verdade que os cargos militares se compravam – estava aquartelado numa sensaborona terreola fronteiriça.
A avó sugeria-lhe a leitura. Deu conta dos seus esforços à mãe do rapaz: “Digo-lhe que, de momento que ele gosta da guerra, que é monstruoso que não tenha vontade de ler os livros que falam dela e conhecer os homens que foram excelentes nessa arte. Ralho com ele, atormento-o, espero que consigamos mudá-lo.” Não o conseguiriam, avó e mãe.. De um não-leitor não se faz um leitor.
Outra avó, esta dos nossos dias, tem o mesmo problema. Nicole de Buron***, divertida autora francesa, confessa o seu desgosto por o neto não ler. “Matias não gosta de ler”. Experimentou tudo, abrir uma conta no livreiro perto da casa dele, levá-lo à FNAC comprar luxuosos albumes de desporto que ele adora, assinar-lhe revistas “Mickey, Picsou, Chouchou, etc.” Nada feito. O rapaz não lê.
*A Century of Punch. William Heinemann Ltd, 1956
**Madame de Sévigné, Lettres. Bibliothèque de la Plêiade
*ª*Nicole de Buron, Chéri tu m´écoutes? Plon

Observações à margem
Há o contrario. É o caso de Anna Pelizzari, pequena leitora de oito anos, a quem não há livros que cheguem. Agora aproveita os livros que a minha filha lia em pequena, e a mãe escreve-me a esse respeito: ”Tem de me dizer quando é que ela pode ir devolver os livros dos 5 e, se possível, trocar por mais alguns da série. De facto, para mim continua a ser um problema arranjar-lhe leituras em numero suficiente, pois lê livros à razão de um livro em dois ou três dias. Além do mais há coleçoes de que não gosta e critica vivamente, como seja o caso dos livros "Uma aventura", que por alguma razão a aborrecem imenso”.
Anna parece-se com William.

Read more...

10. Ha livros amais?

>> sexta-feira, 14 de novembro de 2008

10. Há livros amais?
Creio que até o mais entusiástico leitor terá colocado uma vez a si mesmo a questão, se não haveria livros a mais. Pessoalmente já senti verdadeira angústia ao contemplar nas grandes bibliotecas as estantes e estantes carregadas de livros. E sabendo que as estantes que nós vemos, não são nada comparado com o que não está à vista.
Robert Twigger descreve em ‘The Extinction Club’* os rios de livros da Bodlein, a grande biblioteca de Oxford. “É uma biblioteca de copyright pelo que devem ter lá todos os livros alguma vez publicados em Inglaterra, mais um número substancial de obras publicadas no estrangeiro. Fora de Oxford tem depósitos a rebentar de livros; por vezes têm que lá mandar alguém de carro para ir buscar o que você pediu. E por baixo de Oxford há cofres fortes com livros ligados por um comboio subterrâneo - tipo filme de James Bond - transitando debaixo de terra de edifício em edifício”. E quem diz a Bodlein diz as outras grandes bibliotecas.
Ortega Y Gasset achava que havia livros a mais, e num artigo sobre a missão do bibliotecário (em “El Libro de las missiones”)** até advogava que se instituísse uma medida dos livros a publicar anualmente. "Chega um momento em que tudo isso que chamamos civilização e cultura, se revolta contra nós" escreve, e, adiante: "De uma ou outra forma, isto já aconteceu por várias vezes na história. O homem perde-se na sua própria riqueza. A sua própria cultura, vegetando tropicalmente em sua volta, acaba por o afogar."
“E mais”, diz, “em toda a Europa existe a impressão que, ao revés do que sucedia na Renascença, há actualmente demasiados livros. O livro deixou de ser um prazer, é sentido como uma carga! Até os homens de ciência afirmam já que uma das grandes dificuldades do seu trabalho está em se orientarem na bibliografia do seu tema. Há aqui, portanto, um drama: o livro é indispensável nesta altura da história, mas o livro está em perigo porque se tornou um perigo para o homem."
O que diria Ortega y Gasset hoje? Há sem duvida livros a mais. Mas quem é que diz quais é que estão a mais?
* Twigger, Robert The Extinction Club
**Ortega y Gasset, El LIbro de las Missiones Espasa-Calpe Argentina S.A

Read more...

9. Livros "light"

>> segunda-feira, 10 de novembro de 2008

9. Livros “light”
Há muito que a expressão “livros ligeiros” é usada, mas na versão semi-inglesa, creio que nasceu por cá com os livros de Margarida Rebelo Pinto. Não se sabia como classificar o sucesso de um livro de modesta qualidade, que se vendia como castanhas quentes, classificou-se de “livro light”. Categoria a que esse seu primeiro livro sem dúvida pertencia, e os subsequentes não deixaram de pertencer. A autora indigna-se com a classificação, e isso, tanto quanto me é dado perceber, porque pretende ser tida por autora de obra de literatura.
E porque não? Romance, poesia, drama, tudo são obras de literatura, só que dentro dos géneros há divisões, e dentro do género romance, distinguem-se grosso modo uma primeira, segunda e terceira classe de obras: a literatura séria, intelectual, a literatura ligeira, ‘light’, e a literatura trivial ou popular. Dentro de cada uma há por sua vez divisões: há o muito bom, o bom, o razoável, o mau, o péssimo, o melhor e o pior. E há “literatura”. Quando se diz de um livro, que é “literatura”, isso significa que é a arte da escrita no seu melhor, que é “literatura” por excelência. Há muitos livros ligeiros que sobem a esse pedestal, e podia citar vários. Os livros de Margarida Rebelo Pinto não pertencem a esse número.
Nas últimas décadas tem-se produzido em Portugal sobretudo ficção intelectual ou com pretensão a tal, e alguma inspirada na vaga do “nouveau roman”. Foi nesse cenário que surgiu Margarida Rebelo Pinto com o seu “Sei lá”. Era um romancezinho de leitura fácil, que tratava de homens e mulheres, que se encontravam e desencontravam na linha de Cascais, nos bairros elegantes de Lisboa ou Porto, homens e mulheres de boa posição social e profissional que vestiam marcas caras, usavam grandes perfumes, que falavam mal - Margarida Rebelo Pinto põe na boca dos seus, e suas, protagonistas, palavras que não se costuma ouvir em conversa corrente – e o livro tinha numerosas cenas de sexo, o que contribuía para agradar. Não sei mesmo se não foi esse aspecto apimentado do livro a sua força motriz, se não foi isso que fez o seu sucesso. Para aquelas e aqueles que não pegavam em livro desde os seus tempos de liceu, que não liam inglês, e não conheciam uma Jackie Collins e outros autores do género, foi um achado. Aquilo pelo menos não era uma chatice como aqueles romances intelectuais, ou como aqueles outros que ninguém percebia. Até se dizia que era literatura.
A verdade é que se tratava de livro igual a muitos outros do mesmo tipo anualmente publicados em outros países. Em Portugal era uma novidade, o género fazia falta, não espanta que tivesse sucesso num público pouco exigente.
A coisa teria ficado por ali, se não fossem as pretensões da autora em matéria literária, e a indignada reacção dos críticos. É que Margarida Rebelo Pinto, como já se disse, acredita, e creio que com toda a sinceridade, que os seus livros são livros de boa, talvez até de grande literatura. O que – compreensivelmente, diga-se - irrita o meio intelectual da terra. Podiam ter encolhido os ombros e passado adiante. Preferiram rebater a pretensão, provar àquela intrusa que os seus livros não passavam de livros “light”. Sucederam-se artigos em jornais e revistas, entrevistas em rádio e televisão. Uma autora de “marketable fiction” tornou-se personagem literária.
Vejamos o que se lê em Wikipedia, portail litérature, sobre ficção ligeira. Designa, e traduzo: “romances que atingem um grande número de leitores, usando receitas literárias simples e experimentadas. ..........” e adiante: “Este último termo, às vezes tido por pejorativo, às vezes por positivo,(segundo Wikipedia) cobre uma grande variedade de obras: romances policiais, de aventura, históricos, regionais, de amor etc. O seu ponto comum é o de apresentarem uma história com uma cronologia simples, com personagens bem identificadas, e nas quais a intriga ou acção prima sobre as considerações de estilo....”
Acrescento que em francês se fala de “litérature de diffusion populaire”, ou “paralitérature”, em inglês de literatura light, lowbrow, ou seja que não exige do leitor um grande esforço intelectual, o seu fim sendo o de entreter, de distrair. Em alemão diz-se Unterhaltungsliteratur, literatura de entretenimento. Em aposição à literatura intelectual, de reflexão, de experiência literária. Se bem que essa literatura, a quem gosta dela, também “entretêm”.
Admiro a coragem com que Margarida Rebelo Pinto enfrenta as críticas pouco agradáveis que fazem a seus livros, e estou certa que ela não se defenderia com tanta energia das duvidas que lhe apontam os entrevistadores, se - a par de um desconhecimento evidente do que seja literatura - não estivesse sinceramente convencida que os seus livros têm qualidade literária.
Tenho lido algumas das suas entrevistas e salta à vista, que entrevistador e entrevistada estão a falar de coisas distintas.
O entrevistador não percebe como é que os livros de Margarida Rebelo Pinto têm tanto sucesso, quando são romances não muito bem escritos, sem grande história. Coisa leve.
A entrevistada não percebe como não reonhecem que o sucesso das suas vendas é prova da qualidade literária dos seus livros. Romances psicológicos, vividos entre gente “bem”, que discute problemas, que leu livros e os cita. Livros sérios, intelectuais, portanto. “Literatura”. Não livros light.
O curioso é que se está a defender de uma acusação, que não o é. Tanto entrevistadores como autora esquecem que escrever e ler livros ligeiros não é vergonha, que o livro ligeiro é um género apreciado por muito boa gente. Gente que sabe distinguir entre o bom e o mau livro de mistério, de crime, de amor, de aventura, de espionagem, de humor - tudo literatura ligeira - entre a históra bem ou mal contada, entre a novidade do enredo ou a falta dela. Que distingue entre o bem e o mal escrito, entre a espontaneidade e a falta dela, entre diálogos fluentes e diálogos esforçados.
Um exemplo:. Há tempos peguei no livro de outra autora portuguesa de livros ligeiros. Abrindo o livro ao acaso, dei em uma página com três parágrafos seguidos começando todos da mesma maneira. Assim:
“Rindo, Miguel disse.....
“Tirando a camisa, António disse...
“Imaginando o pior, Amélia disse...
Os textos não são estes, mas a forma da escrita é. Três parágrafos começando com o gerúndio e seguidos de “e disse”.........
Ligeiro, sim, mas que seja bem escrito.

O que dizem outros
“Montaigne...............admitia francamente gostar de leituras leves e até frívolas, que tantos de nós somos inclinados a condenar, mas que, em minha opinião, têm o seu lugar”*
*Holbrook Jackson The Anatomy of Bibliomania Faber &Faber Limited London

“Há um género de ficção popular contemporânea sobre a vida dos ricos, e destinada sobretudo ao sector feminino do público, que é conhecido no meio editorial por Sexo e Compras ou (menos polidamente) como Sexo e F. São romances contendo descrições detalhadas da compra de objectos de luxo pela heroína, não esquecendo a menção das respectivas marcas. Jogam simultaneamente nos desejos de realização de sonhos eróticos e de consumismo” *
*David Lodge The Art of Fiction Penguin Books

Observações à margem
“The chief fault in your style is that you lack distinction – something which is inclined to grow with the years”*
Carta de F.Scott Fitzgerald para a filha, que se estava iniciando na escrita
*F. Scott Fitzgerald On Writing

Das cartas à minha filha
6 de Fevereiro 2000.
”Esta carta vai com o livro da Margarida Rebelo Pinto, de que lhe falei
..........................
“Ela anunciou que vai já escrever outro livro. É como quem promete escrever já outro artigo. O que ela não realiza é que não se "formou”........

Read more...

8ºLe Cauchemar du Pilon

>> sexta-feira, 7 de novembro de 2008

8. Le cauchemar du pilon
Pierre Jourde
Le Nouvel Observateur
30 octobre á 5 novembre 2008


O pesadelo do pilão
Todos os anos são triturados em França 100 milhões de livros.................
Setembro. Saem setecentos romances. Um deles tem a sorte de chamar a atenção dos média......o editor ....não hesita em se lançar em grandes tiragens, mobiliza os cronistas amigos.........o autor assina nos salões de livro.
Meados de Outubro..............Um peso pesado......passa os portões de uma grande empresa especializada na reciclagem de materiais. O camião descarrega um contentor com 10 toneladas de livros. 10 toneladas de livros rolam sobre o betão como 10 toneladas de batatas. Biografias ainda quentes do presidente da Republica, crónicas dos Jogos Olímpicos de Pequim, cadernos de exercícios de férias, romances de apresentadores de televisão escritos por mercenários, tudo à mistura com livros para criança, com fichas de cozinha, com enciclopédias..... um bulldozer empurra as 10 toneladas de livros para um tapete rolante que os conduz à trituradora......ouve-se o ruído das rodas dentadas que os desfazem..........
O drama repete-se várias vezes por dia.
...........................................................................
Pilão...... palavra que nunca se pronuncia entre os muros de uma editora...... Os escritores preferem ignorar.........os livros liquidam-se discretamente. como se liquidam os condenados no fundo das células...... O trajecto dos camiões entre o local de armazenamento dos livros e o pilão é rigorosamente controlado.......Por vezes um inspector examina o carregamento. Para evitar que os livros destinados à destruição sejam desviados e vendidos à socapa.
.........................................................................
..O espírito aspira a fazer-se carne. Aspira a alcançar o peso, a espessura, a evidência das coisas. O livro realiza parcialmente esse sonho. Sob o pilão o sonho vira pesadelo. ... o livro é remetido às dimensões do peso e da quantidade........O século XX sacralizou o livro e o individuo, e foi justamente este que concebeu os métodos industriais da sua destruição.
Armazenam-se durante um tempo as obras que se vendem mal e acaba-se por destruí-las. A trituração dá-se por vezes logo que os livros mal vendidos saem das livrarias. E o pilão não é só a sanção de uma má venda. O sucesso estrondoso de um autor produz tanta trituração como um fiasco ......... Não é raro um editor decidir logo de entrada imprimir milhares de livros para triturar. A missão deles será de impressionar, de transmitir o sentimento da importância da obra. É preciso mostrar-se, fazer volume nas FNAC, arrasar a concorrência pelo peso. A acumulação de 100 000 livros fará comprar 50 000. Os outros 50 000 serão triturados, . O pilão é menos dispendioso que o armazenamento. Até rende. 100 E por tonelada de papel.

...............

Read more...

7. Morreu Soljenitzyne

>> segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Morreu Alexandre Soljenytzine. A propósito da sua morte li no Público, em artigo do fundo, que o seu Gulag é, em parte, um “romance seminal”. Fiquei perplexa. Romance? Seminal? Procurei o sentido da palavra. Leio: seminal, adj. relativo a semente ou a sémen, figº. produtivo. Portanto o “Arquipélago Gulag”, nos seus três enormes volumes de reportagens sobre os campos de exterminação da Sibéria, é, na opinião do autor do dito artigo, em parte, “romance produtivo” . Produtivo talvez fosse, mas por pouco tempo. O que lá se relata depressa foi esquecido. De “romance” é que não tem nada.
Romance é o “Pavilhão dos Cancerosos”, romance é “Um dia na Vida de Ivan Denisovitch”, romance é “O Primeiro Círculo”, com o inesquecível “julgamento do príncipe Igor”, pastiche de um julgamento estaliniano. Esse sim, um romance. O seu melhor, na minha opinião, e um dos melhores que jamais li.
Romance é ainda La Roue Rouge?*, aquela que o autor pretendia viesse a ser a sua obra máxima. É o mais difícil dos seus livros, não pela prosa, que essa nunca é difícil ou arrevesada, mas por ser tão vasta a narrativa, que mesmo Soljenitzyn parece perder-se nela. Não é um livro em vários tomos, são livros dentro de livros, e uns de maior qualidade que outros. Para o meu gosto, as melhores partes são o “Segundo Nó. Novembro 16” - a guerra nos lagos Masuros – e, o “Terceiro Nó”, segundo parte”, com a vitória bolchevique e as suas horríveis mortandades.
O “Arquipélago Goulag” não é romance, assim como não é romance “Le Chêne et le Veau”, (creio que não o há em português), o livro em que Soljenitzyn narra a luta para a publicação do Ivan Denisovich. O livro consegue ser tão palpitante de interesse como o mais palpitante dos romances, apesar de não tratar de mais do que isso: a luta de um homem para publicar um seu pequeno livro. E de um editor – Twardowski – que gostaria de o publicar e não pode, e que finalmente o consegue. Lê-se na capa da obra (em francês nas Èditions du Seuil) e traduzo: ”estas memórias não são unicamente uma crónica de vida literária oficial e clandestina na URSS depois de Estaline, elas lêem-se como um romance autobiográfico do próprio escritor, rodeado de personagens como Tvardowsky, Kroutchev, Rostropovitch, Chafarevitch entre cem outros. Acabam com a prisão e a expulsão do autor em Fevereiro de 1974, um mês após a publicação em Paris do 1º volume do Arquipélago do Goulag”.
Morreu um muito grande escritor.

*Alexandre Soljénitsyne, La Roue Rouge, récits en segments de durée. Ouvrage publié avec le concours du Centre National de Lettres, FAYARD

-----“Antes de ser preso eu não percebia grande coisa disso. Inclinava-me para a literatura sem pensar, não sabendo bem que sentido tinha para mim e que sentido para a literatura. Só uma coisa me assustava, a dificuldade que decerto haveria em encontrar temas novos. É terrível pensar o escritor que eu teria sido ( e escritor teria sido) se não tivesse sido preso. Mas uma vez preso, e passados dois anos de prisão e de campo, vendo-me sob uma avalanche de temas, aceitei, como aceitava a minha respiração, compreendi, como a coisa menos contestável que meus olhos viam, que ninguém me editaria e que uma linha me custaria a cabeça.” *
*”tradº de “Le Chêne et le Veau” pg.9

----“Como se chega ao misterioso arquipélago? De hora a hora partem para lá aviões, navios, comboios, mas não há uma única inscrição indicando o seu destino” *
*tradº de “Der Archipel Gulag” I. Bd, S.15 Scherz

----“Ele dissera: – ensaísta - , envergonhado de confessar o fundo do seu pensamento: - escritor - . Para um ouvido não literário como o do coronel, que não lia jornais ou revistas, nem livros, provavelmente, e nunca ouvira falar de Fiodor Kovyniov, a palavra soareria comicamente, demasiado inchada de pretensão.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 188

----“ De resto é regra geral que toda a convicção íntima perde a ser formulada, enunciada, exposta, em voz alta, e que só se transmite fielmente aos próximos e a meia voz.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 319

---- “Se, ao falarmos de alguém, prevenirmos -Mas ele é de direita!-, de imediato -Ah, é de direita? - toda a gente tem um movimento de recuo. E para esse acabou-se de viver, acabou-se de comunicar com outros e de exprimir as suas opiniões. Como se fosse possível que toda a gente renuncie à sua mão direita ou só compre luvas esquerdas.
..... .Andozerskaia tomou coragem. No seu meio universitário, vive sob o jugo permanente desse interdito que atinge as ideias que a sociedade julga indesejáveis. Como ela escolhe cada expressão, como ela se esconde atrás do incompleto e do indirecto.”*
*tradº de “La Roue Rouge” pg 359

Das cartas à minha filha
“.....Mudando de rumo. Estou a ler os livros de Soljenytzine sobre a revolução de 1917. Tenho pena que a obra não seja em dez volumes, em vez de ser em quatro gigantescos livros. Note que não são pesados - então é que seriam impossíveis de ler - são é gordos de mais. Mesmo assim estou a ler, é interessantíssimo. Vou anotando sempre os nomes, já se vê, para na continuação poder verificar o que se disse deles quando apareceram em cena. .....
Não é livro para se ler muito depressa, mas que grande escritor que ele é, tanto na descrição das personagens, como dos sentimento e de paisagens e acontecimentos, neste momento a campanha da Prússia Oriental em 1916. (Que eu conheço da história alemã ) Talvez copie e lhe mande um pequeno parágrafo em que ele descreve o problema do adormecer quando se está preocupado. Até amanhã”.

Observações à margem
Um primo meu, alemão com uma longíncua ascendência portuguesa, prisioneiro de guerra na Rússia, que todos julgávamos morto há anos, foi libertado de um dos campos do Goulag na era Kroutchew. Veio a Portugal, e jantou em minha casa com uns amigos. Não se ia falar no que ele passara, e não se falou. Mas um dos presentes não resistiu, e a dada altura fez-lhe esta extraordinária pergunta:
--C´est joli, la Sibérie? --É bonita a Sibéria?-
--Mais c’est un continent!. --Mas é um continente!-- respondeu o outro, pasmado.

Read more...

Sobre este blogue

Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

Lorem Ipsum

  © Blogger template Digi-digi by Ourblogtemplates.com 2008

Back to TOP