1867 - Conselhos; impostos; agitação

>> segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

91* Do 8ºconde da Ponte para sua filha Theresa em Paris Lisboa, 21 de Março 1867 Minha querida filha ……………… Em pouco Paris deveria estar cheia de portugueses (para a Exposição Industrial), mas talvez assim não aconteça. Os espíritos estão tão agitados, que duvido muito que a Família Real saia em Abril. As propostas dos impostos têm alterado os ânimos, mas o que mais agita é a lei do tutor (Martens Ferrão, tutor de sobrinhos seus) para a nova distribuição dos Governos Civis e Concelhos. Eu sempre vaticinei que as propostas do Ministro do Reino (o dito tutor) seriam as mais difíceis de fazer vingar. Ele encerrou-se no seu gabinete, escreveu, escreveu, escreveu, ideou, ideou, ideou, e os povos, que estão habituados a formarem um Conselho, não querem ligar-se com outros, com os quais muitas vezes têm inimizades. Inimizades ridículas por certo nos olhos de um filósofo e de qualquer com senso comum, mas que fazem as paixões dos rudes camponeses. Seja como for, no Porto há meetings permanentes, em Lisboa se projecta um para Domingo, sendo os influentes o marquês de Niza e o conde de Peniche. Se dos meetings se passar à revolta, teremos de sofrer muito, provavelmente a bancarrota, e em seguida a perda da independência. O Iberismo sopra nestes cavacos para atear o fogo. Como falei no marquês de Niza, digo que se verificou o que eu havia prognosticado à Constança (sua irmã, mulher do marquês de Niza) quando ela anuíu na venda do Paul. Efectivamente, o marquês recebeu parte do dinheiro, os credores, uns verdadeiros, outros falsos, receberam a outra parte, e o remanescente, que devia ser empregado na compra de inscrições averbadas às pequenas, sumiu-se, e tanto, que ainda reclamam credores 38 contos. …………Teu pai muito amigo João 93* De D. Teresa de Saldanha da Gama para seu pai Lion sur Mer, 29 de Março 1867 Meu querido papá do coração. Deu-me a carta que recebi esta manhã notícias aterradoras do nosso país. Permita Deus que os seus vaticínios se não realizem. Não fiquei percebendo se os meetings são em consequência dos novos impostos, ou do projecto de lei para a nova distribuição dos Conselhos. Revoltas, bancarrota são grandes calamidades, mas o pior me parece é estarmos expostos a perder a independência. Não posso crer que as ideias loucas de união ibérica vão adiante, custa-me a persuadir que haja portugueses que a desejem. Diz-se que é um dos pensamentos de Napoleão (III), mas não me parece que ele possa tanto como os seus adoradores, que não são muitos, o apregoam. Decerto tem seguido os debates que houve no Corpo Legislativo (em França). Houve magníficos discursos, sendo, para mim, os melhores os do Thiers. Um dos meus grandes desejos é ouvir este orador e o Jules Favre. Há grande dificuldade para alcançar admissão no Corpo Legislativo, sobretudo quando a sessão promete ser interessante, mas por Mr. de Flahaut alcançarei decerto. Diz-se que na véspera do dia em que devia falar o Thiers se começou a reunir gente à porta da Camara para alcançar entrada……Filha e maior amiga Thereza (Extrato das Cartas 91 e 93 do 1º volume de “Uma Época, uma Sociedade, uma Família. O séc.XIX na correspondência de D.Teresa Sousa Botelho, condessa da Ponte e suas filhas 1834-1911”)

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Germânico; Anglo Saxónicos

>> segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Quando das Olimpíadas ouvi um comentador desportivo português tratar desportistas alemães de ‘Germânicos’. O comentador pensava decerto estar a traduzir o inglês ‘german’. Para isso devia ter dito ‘germanos’. Germânico é germanic em inglês e refere-se ao conjunto dos povos de origem germânica, alemães, ingleses, holandeses, dinamarqueses, luxemburgueses, franceses, flamengos etc… Pouco depois ouvi um comentador de economia, tratar de ‘particularmente anglo-saxónica’, certa atitude económica inglesa, contrastando-a com a correspondente atitude continental, ou seja alemã. Não sei se estava consciente que anglo-saxónicos e alemães têm as mesmas raízes, são ambos germânicos. Creio que a coisa merece uma tentativa de explicação. Quando, nas brumas do longínquo passado, por razões de clima ou de curiosidade, alguns povos das planícies a norte do Himalaia abandonaram as suas terras e se dirigiram para leste, ocupando gradualmente uma península que viria a ser conhecida por Europa, alguns, vindo primeiro, espalharam-se ao sul, ao longo das férteis margens do Mediterrâneo. Muito mais tarde, crê-se que penetrando do Norte, vieram outros habitantes das encostas do Himalaia. Ocuparam as terras a norte dos Alpes. Eram na sua maioria ‘Ger-Mannen’, homens que caçavam e lutavam com o ‘Ger’, o dardo. Eram ‘germanos’. Individualistas, formaram inúmeras tribos: Francos, Saxões, Bajuvaros, Godos, Teutonos, Alemanos, Suabos, e muitos outros. Um general romano que venceu uma dessas tribos de germanos a sul do Danúbio, tomou para si o sobrenome de ‘Germanicus’, vencedor de germanos. Gradualmente as diferentes tribos germânicas foram se fixando no espaço a norte dos Alpes. A tribo dos Anglos, residente nas costas do mar ‘germânico’, decidiu atravessar o mar em procura da grande ilha que sabiam aí existir. Acompanharam-na membros da grande tribo dos Saxões. Foram os ‘anglo-saxões’. Aos primos que ficaram no Continente trataram de ‘germans’. Estes ‘germans’ não se tratam a si por Germanen, tratam-se por ‘Deutsche’, de ‘Teutonen’. Adoptaram para a generalidade das tribos do seu espaço o nome de uma tribo vencida no sul da actual França por outro general romano. Vendo os seus homens feitos prisioneiros as mulheres teutónicas suicidaram-se com os seus filhos. Em sua memória o império de Carlos Magno designou-se por ‘Sacro Império Romano de nação teutónica’. Muito falta por dizer, fica para outra vez.

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Itálico

>> segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Devido a problemas de visão uso para apontamentos a escrita do escriba medieval: alinho letras maiúsculas bem separadas. Há dias escrevendo um pouco mais depressa, inclinei as letras e, automaticamente, liguei-as. Foi isso que há meio milénio sucedeu a um escriba da corte papal chamado Luigi Arrighi. Realizou que tinha descoberto uma forma de escrever com mais fluência e revelou essa sua descoberta num pequeno livro intitulado “La Operina”. O editor veneziano Aldo Manuzio adotou essa forma de escrever nas suas edições de obras latinas e chamou a essa escrita ‘itálica’. As enciclopédias esqueceram Luigi Arrighi, itálico é atribuído a Aldo Manuzio. Eu quero recordar Luigi Arrighi.

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Maria Teresa Horta e o Prémio

>> segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Maria Teresa Horta é uma autora feminista de esquerda, a quem os eleitores literários que por cá substituíram os críticos já reservaram uma cadeirinha no Parnasso. Recentemente a autora recebeu o prémio D. Dinis pelo seu poema em honra da marquesa de Alorna. Sucede que esse prémio deve ser apresentado pelo Primeiro Ministro em função. Maria Teresa Horta não gosta do presente Primeiro Ministro, não quer receber o prémio de suas mãos. Rejeita então, em nobre revolta, o dito prémio? De maneira nenhuma, quer prémio mas outro presenteador. Aceitá-lo-ia das mãos da Drª Assunção Esteves, sente que esta senhora tem qualquer coisa de feminista. Do Presidente da República também se inclina a aceitar. O homem ocupa posição oficial. Sugere ainda outra figura possível. Dado que se trata de figuras com ligações institucionais ao rejeitado doador, estas figuras, por mais vontade que tenham de agradar a Maria Teresa Horta, terão dificuldade em aceitar a honra de lhe dar o prémio em mãos. Receio que a poetisa tenha de esperar por mudança de governo.

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Aprender

>> segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Adriano Moreira fez noventa anos, e o prof. Marcelo Rebelo de Sousa comentava no Domingo, com admiração, o facto de Adriano Moreira, apesar dos seus noventa anos, se interessar por coisas novas, de ele ainda gostar de aprender. Nesta matéria sei mais que o Professor, posso esclarecê-lo. Esta coisa espantosa que se chama cérebro humano é feita para acumular saber. Fá-lo ao longo dos anos, quer o dono do cérebro o queira ou não. Não para aos noventa anos, sou disso testemunha, já que poucos meses me separam de Adriano Moreira. Não aprendemos para fins de ordem utilitária. Não aprendemos com qualquer fim em vista. Aprendemos porque sim. Enquanto o nosso cérebro trabalha, aprendemos e gostamos de saber.

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Bilhete Postal Ibérico

>> segunda-feira, 16 de julho de 2012

Não sou filatelista, mas não seria compreensível, se, depois de ter lido, copiado, e organizado uma enorme coleção de cartas do século XIX, eu não tivesse notado alguma particularidade na evolução do envio nesse século de cartas e bilhetes pelo correio. Os primeiros selos portugueses são de 1853, mas notei que mesmo depois da sua existência, nem todas as cartas levavam selo, que muitas continuavam a ser franqueadas com um selo estampado, uma ‘estampilha’. A carta ainda não se colocava em envelope; era dobrada de forma a se poder fechar sobre si, e, num rectângulo da página exterior, escrevia-se nome e morada do destinatário. O correio estampilhava a carta nesse ‘sobrescrito’. Faltava pagar. Não sei bem como a coisa funcionava, mas sei que o porte podia ser pago pelo destinatário. Tenho a certeza que as cartas de 9 e 10 páginas, que as irmãs de D. Maria Joaquina Saldanha da Gama lhe escreviam para a Madeira não eram pagas pelas autoras das cartas, mas pela sua destinatária. Talvez essas cartas fossem marcadas de distinta maneira. Não sei, e de presente não me vou dar ao trabalho de aprofundar a questão. Do que quero falar é de dois postais, que me apareceram, e que me espantam. O ‘Bilhete Postal’ nasceu em meados do século XIX. Um professor vienense sugeriu em artigo de jornal a criação de um meio de enviar pequenas mensagens, dispensando a carta, talvez um cartão, com espaço para endereço e mensagem. Alemães e ingleses gostaram da ideia, e executaram-na, discutindo ainda hoje quem fora o primeiro. É coisa corrente entre aqueles primos. O facto é, que a ideia pegou. Para comunicarem um ao outro uma pequena notícia, o correspondente do século XIX não precisava de carta, passava a ter um ‘bilhete postal’. Portugal gosta de ponderar bem os prós e contras das grandes questões, e faz muito bem. Levou-se portanto algum tempo a introduzir aquela novidade. Assim, quando em Junho de 1878, a condessa de Rio Maior se prepara para uma viagem que a levaria a Paris, ela compra postais para mandar frequentes notícias às amigas. Não sabia ainda como a coisa funcionava e que não se podia deitar o postal português em qualquer estação espanhola. Que este tinha de levar estampilha espanhola. “A Maria ia munida de postais para escrever nas estações”, lemos numa carta, “dispunha-se a mandá-los de Espanha. Acho que não se capacitou com o que a tia lhe disse, que os nossos bilhetes não podem lá servir por causa da estampilha”. Sem estampilha a coisa não ia. Mesmo quando o postal – e aqui é que nasce o meu espanto – mesmo quando num postal de 1905 se podem ler, em elegante banda verde, as palavras: ”Portugal e Espanha”. E um selo de D. Carlos. Provavelmente toda gente instruída sabe que assim era, e tem a respectiva explicação à mão de semear. Eu não sabia, continuo a não saber, não tenho explicação e acho curioso.

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Cartas do Século XIX

>> segunda-feira, 11 de junho de 2012

Vou enviar a quatro editoras o CD com o texto do 1º volume de um livro de correspondência feminina do século XIX. O livro intitula-se: UMA ÉPOCA, UMA SOCIEDADE, UMA FAMÍLIA O século XIX na correspondência de D. Maria Teresa Sousa Botelho Condessa da Ponte, e suas filhas 1834-1910 1º Volume Pensei inicialmente em publicação de autor, mas a releitura que fiz agora das cartas, convenceu-me que era errado não contactar as editoras. O interesse humano e histórico das cartas é tal, que a minha modéstia neste caso, não se justificava, e que não consultar editora seria um erro. Quatro mulheres, inteligentes, cultas e espirituosas, contam à filha ou à irmã ausente, em enormes cartas o que se passa no seu dia-a-dia, o que aconteceu, ou está por acontecer na sua imensa parentela, o que esta, ou aquela, disse e fez. Falam de festas que começavam ao almoço e terminavam de madrugada, de noivados e casamentos, de doenças e dos que as tratavam. Lemos de curiosos tratamentos aconselhados por médicos, que hoje dão nomes a ruas e estabelecimentos hospitalares. Não faltam apreciações de actos e personagens da vida pública, de deputados, jornalistas, de ministros e diplomatas, de reis e rainhas e daqueles que os rodeavam. A sociedade que este livro dá a conhecer desapareceu da cena com a implantação da República em 1910. Mas esse mundo existiu, e merece ser conhecido nas suas grandes virtudes e nas suas enormes fraquezas. O facto de se tratar de correspondência, não deve assustar o leitor. Pode esquecer que está a ler cartas. Está a ouvir conversas. A ouvir contar histórias por vezes alegres, por vezes tristes, por vezes divertidas, por vezes absurdas. De gente que viveu há cem ou cento e cinquenta anos. Observação à margem: O livro tem comentários e notas indispensáveis à sua compreensão, mas ainda me faltam algumas. Haverá algum leitor deste blogue que me possa dizer quem era a figura tratada em uma das cartas por “D. Magnífico”? O contexto não permite reconhecer de quem se trata, se o sentido é irónico, e o sobrenome dado pela autora, ou se era corrente. É citado em carta de 1875: Fulano ia “ao sarau político de D. Magnífico,..”

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Sentido de História

>> segunda-feira, 14 de maio de 2012

História – mesmo designada por Ciências Sociais - não é uma ciência. Se amanhã um grande cientista declarasse que tinha estado a pensar, e que chegara à conclusão, que dois e dois não eram quatro, e sim quatro e qualquer coisa, o senhor seria respeitosamente conduzido ao mais próximo manicómio. Porque dois e dois são quatro, e se assim não fosse, e como tal reconhecido, ainda vivíamos em cabanas de lama ou cana. No caso da História a coisa é diferente. Se um eminente Historiador declarasse que certa batalha decisiva do passado não se dera afinal no dia e ano que todos conheciam, mas dois anos antes, alguns auditores encolheriam os ombros, o homem não estava bom da cabeça, mas não vinha dali mal ao mundo. Dias depois ninguém pensaria mais no caso. A não ser, possivelmente, uma daquelas curiosas criaturas que se gabavam de ter ‘sentido de história’. A esses todo o problema histórico interessava. Bom proveito. A maior parte da humanidade passa muito bem sem conhecer o passado, o homem europeu é que começou muito cedo a desejar desvendar, como disse o poeta, as brumas do passado. Queria saber como aquilo fora, e a questionar o porquê de ter sido de uma, e não de outra forma. Um dia, respondendo a esse interesse, nasceu uma disciplina chamada História, na qual se ensinava aos meninos como é que as coisas se tinham passado em tempos idos. Alguns desses meninos optariam um dia por estudar História a fundo, seriam professores ou escritores de História. O que não lhes dava automaticamente aquilo que designo por sentido de História. Trata-se de um sentido, e um sentido ou se tem, ou não se tem. Não se aprende. Ter sentido de História pressupõe naturalmente conhecimentos históricos. Aqueles que são básicos, e aqueles que se vão adquirindo pelos estudos, e estes aliados à imaginação, à curiosidade e à reflexão. A História passa a estar presente no pensamento, tem-se o sentido da História. Associam-se acontecimentos dos nossos dias a factos e dados do passado, e a este não se considera particularmente estranho ou maravilhoso. O passado não espanta a esses curiosos. Sentem-se nele à vontade. Creio poder dizer que tenho esse sentido. Não maço com ele, não impinjo a ninguém doutas reflexões ou associações históricas, é de uso particular. O que se segue é a excepção que confirma a regra. Um dia leio no arquivo do mosteiro de Lorvão de monjas cistercienses, um documento de contrato de arrendamento do século XIV. Na substância o documento não difere de muitos outros que já li. Noto porém que a letra é mais bicuda do que a usual, e que há no latim em que é redigido um ou outro termo que não é de ‘latinório’ português, que é latinório de estrangeiro, e, com toda a probabilidade, de um alemão. Tem graça, pensei. Vi em imaginação um religioso alemão de passagem por ali, imaginei o procurador do mosteiro ocupado e um contraente impaciente, querendo o seu contrato sem demora. O monge alemão oferece os seus serviços. O procurador aceita. Nada mais natural. O caso não afectava qualquer aspecto da história monástica, se dei por ele, foi por saber alemão e português. Apreciei-o contudo, achei-lhe graça, e anos passados ainda me lembro daquilo. Atribuo-o ao ‘sentido de História’.

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Sequóias

>> segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não penso diariamente em sequoias, mas quando elas me vêm á ideia, incomodam-me. Constatei-o de novo, recentemente. Procurava a gravura do século XIX da ponte de Brooklyn em Nova York. Sabia que estava em ‘Six mois aux États Unis’ de Albert Tissandier, mas não encontrava o livro. Lembrei-me finalmente, que a dada altura mudara o livro de lugar. Onde o pusera eu? Se os livros falassem, aquele decerto me teria avisado: “A senhora não me tire deste lugar, o que me está a dar não é para mim, e quando precisar de mim, não me encontra”. Não lhe teria dado ouvidos, porque em matéria de mudanças de livros, sou teimosa e sempre certa de que nenhuma prateleira é mais indicada para aquele particular livro do que aquela particular prateleira que acabava de escolher. E foi assim que o livro da viagem de A. Tissandier pelos Estados Unidos saiu da estante dos livros de viagem onde estava muito bem acompanhado, e foi parar ao cacifo de uma estante onde tenho uma miscelânea de livros ligados à História Natural. Onde também está, constato, muito bem. É que o autor dedica um capítulo, acompanhado de extraordinárias imagens às ‘grandes árvores’, as ‘big trees’. O livro era – também - de História Natural. Até meados do século XIX aquelas árvores eram desconhecidas dos europeus. Quando foram descobertas houve naturalmente que lhes dar nome - o século descobrira a nomenclatura botânica - não podia deixar aquelas gigantes da natureza sem nome próprio. A coisa não foi fácil. Um texto publicado no Google, intitulado ‘Discovery and naming’, conta a história daquela nomeação. Os nativos americanos designavam a espécie por Wawona, Toos-pung-ish e Hea-mi-withic. Nomes difíceis, que não agradaram aos que vieram depois. Uma primeira referência à árvore por um europeu é do explorador J. K. Leonard, e data de 1833. Leonard menciona no seu Diário a descoberta das árvores, mas não lhes dá nome, e a descoberta não chamou a atenção. Sabe-se que houve em 1850 outro europeu a ver as árvores. Foi um tal John M. Wooster, que deixou as suas iniciais em uma das árvores. Em 1852 as árvores foram vistas e descritas por Augustus T. Dowd e começariam a ser verdadeiramente conhecidas. David batizou-as de 'Discovery Tree'. Mas ele não era botânico, a árvore precisava de nome científico. O inglês John Lindley tratou disso em 1853. Chamou à arvore ‘Wellingtonia gigantea ‘ em honra do general Wellington. Não podia ser, o general já dera o nome a outra planta. Seguiram-se outras nomenclaturas. Tissandier fala de Sequoia gigantea, e o nome tendo sido dado pelo austríaco Endlicher. Sequoia era o nome de um indiano Cheroquee, que publicara um dicionário da sua língua. O nome parece ter pegado entre os leigos, mas não entre os cientistas. Só em 1939 haveria a designação científica que a árvore requeria. A proposta aceite foi de J. Bucholz e era Sequoiadendron giganteum. Os ingleses não se conformaram, Continuaram a tratá-las de ’Wellingtunian gigantorum’. Às próprias a coisa pouco deve ter afectado. Nada as deve afectar. E é isso que as faz tão assustadoras. Não falo da sua imensa largura e altura. Essa é conhecida. Falo do que é desconhecido. Elas viram os dinossauros? Desde que estes apareceram? Viram-nos desaparecer? Viram-nos aparecer a nós? Ainda ali estarão quando nós desaparecermos? Serão eternas? As sequoias assustam-me, incomodam-me.

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Polémica

>> terça-feira, 17 de abril de 2012

O que é?
Segundo o Larousse, define um ‘debate mais ou menos vivo, por vezes violento’.
Estivemos quase a ter uma polémica, mas a coisa não foi por diante.
Quando o professor Marcelo Rebelo de Sousa opinou que o Chefe da Oposição mudara estatutos do seu Partido, em ocasião e de forma a favorecer os seus interesses, o Dr. António José Seguro veio à liça, declarando a sua honra afrontada. Não admitia, disse, tão vil, e insultuosa acusação. Dado que os duelos estão proibidos, era possível antever uma Polémica! Ou seja, Larousse dixit, um debate vivo e até agressivo entre duas pessoas. O que seria uma agradável diversão dos enfadonhos debates políticos que a TV oferece ao seu público. Ficou-se pelo desejo. Não houve debate polémico. O Professor matou a coisa à nascença, informando o Dr. Seguro, que um Chefe de Oposição - tal como um Chefe de Governo - não pode entrar em discussão polémica com um comentador político. O doutor António José Seguro, que provavelmente ignorava esse detalhe, deve ter suspirado de alívio. Aceitou a lição, e não insistiu. Houve decerto ouvintes desapontados, e, no meu caso o desejo de saber um pouco mais sobre o que seja afinal a tal polémica.
Creio que o Professor usou uma força de expressão ao falar de ‘polémica’ a respeito do que – perante os dados conhecidos – nunca poderia ser mais do que um debate, uma discussão política.
Polémica é guerra de palavras escrita ou falada, é exercício intelectual, e é público. Oferece ao ouvinte ou leitor, caso o tema em questão o interesse, um entretenimento intelectual e, possivelmente, uma causa. Exige intenso esforço intelectual, é desgastante e, no íntimo dos polemistas, só termina com a morte.
Quando Galileu declarou a sua convicção de que a terra se movia, e insistiu teimosamente na afirmação, ‘eppur si muove’, tinha contra si a convicção oposta da Igreja e de muita outra boa gente. O que se seguiu não foi uma discussão, nem um debate, foi uma coisa muito diferente, foi uma Polémica.

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Caldo de Quaresma

>> segunda-feira, 2 de abril de 2012

Pensava escrever sobre ‘sentido de História’, e o artigo está adiantado, mas dei-me a pensar que certa afirmação talvez não fosse muito certa, que talvez… etc. Desisti do artigo, estou demasiado ocupada em meditar no que dar ao almoço de Domingo de Páscoa para me poder concentrar sobre o que seja ‘sentido de História’. Passo da História à Culinária. Não vou descorrer sobre essa grande Arte, vou unicamente dar uma receita de cozinha histórica. É a receita do caldo que as monjas do mosteiro cisterciense de Santa Maria de Lorvão tomavam em Sexta-feira Santa. O caldo levava: 4 alqueires de tremoços, alqueire e meio de grão e alqueire e meio de ameixas, ou seja, aproximadamente, para dois quilos de tremoços, 750g de grão e 750g de ameixas… Devia ter em vista penitência máxima, como o dia pedia.
*Observação à margem
Diz-me a Maria Amélia, atenta leitora do Rio do Janeiro, que aprecia o aspecto literário dos meus textos. Procurei desde o início, que fossem de agradável leitura. Obrigada, Maria Amélia por me dizer que o consegui.

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10.000!

>> segunda-feira, 26 de março de 2012

libri.librorum está a chegar ao 10.000 visitantes, pareceu-me que merecia reflexão. Eu sei que não fui lida, ou consultada 10.000 vezes. Houve 10.000 vezes que alguém veio parar ao blogue. Uns tantos visitantes dariam uma espreitadela e seguiam em diante, alguns leriam. Entre estes houve alguns simpáticos comentários. Não tinha meio de saber mais. Até que chegou a Segunda-feira e o dia da Constança. A Constança é minha sobrinha neta, e agora, que perdi parte da visão, minha leitora, colaboradora artística na composição do livro de Correspondência que estou preparando, e, ainda, e sobretudo, é competente viajante no mundo virtual. Como eu lhe dissesse que não me lembrava quantos textos escrevera, e sugerisse uma via pouco virtual para chegar a alguma conclusão, a Constança olhou-me com comiseração, clicou, clicou, e, oh espanto - vi-me, como Alice no País das Maravilhas. Uma mão generosa, sem que lho tivesse pedido, por puro amor virtual, dizia-me tudo que queria saber – e que nunca me lembrara de perguntar - sobre o blogue que eu lançara no seu espaço. Contemplei maravilhada e comovida os gráficos coloridos que me informavam, um mostrava os textos até aí mais procurados, outro mostrava em que meses o blogue era mais ou menos lido. Era uma paisagem de montanhas planas, desgraciosas, cortadas por fundas ravinas. Indicava-se-me que pelo ano fora era lida sem grandes altos e baixos, e que duas vezes por ano era abandonada. Os senhores leitores estavam na praia e, mais tarde, ocupados em compras de Natal. Também fui informada que a hora dos meus visitantes é pelas 10 e meia da manhã. Chegam ao seu gabinete e sentem a necessidade de leitura. Lêem libri. Fazem bem. Se eu me questionasse acerca dos locais geográficos em que era lida, eu diria – sempre contando as distâncias em quilómetros – Lisboa e arredores, talvez Coimbra. Pois não, sou lida no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia! Que surpresa. Surpreendeu-me também o gráfico – uma paisagem de estalactites - mostrando quais os textos mais lidos. Escrevi sobre livros clássicos e ligeiros, sobre livros antigos e modernos, sobre livros ilustrados, sobre formas de escrever, sobre editores e escritores, toquei em problemas literários. E para quê? Para que os meus leitores dessem a sua preferência a um artigo sobre livros policiais e um livro de cozinha.
Não vou obedecer ao gráfico. Não vou, mudar de temas, nem estilo, vou ser talvez um pouco menos prudente. Fiz o propósito de evitar temas polémicos. Cumpri. Fi-lo para me poupar a discussões que seriam inúteis e incómodas, não porque me faltassem temas dessa espécie, e não por ser de natureza avessa à discussão de problemas. Não procurarei temas polémicos, mas se me vierem à ideia, não os afastarei por completo. Talvez publicando algum texto, para não faltar às promessas editoriais do meu ameno blogue, sob o título de ‘Cartas a um Director’.

Náutica. Ironia. Resposta a dois comentários.
Constatei que houve dois comentários aos quais não respondi. É que não os li. O primeiro foi de ‘Maria Amélia’. Será a mesma Maria Amélia que me comentou recentemente? A primeira pergunta-me o que acho sobre o caso da Escola de Navegação que é suposto ter existido em Sagres. Estou convencida que é um caso de wishful imagination da parte dos primeiros historiadores que se ocuparam dos Descobrimentos. Era ainda nova a historiografia, ainda se lançavam teorias agradáveis e às vezes poéticas como factos. O que me parece ter sido o caso em relação à escola náutica de Sagres. Não estudei o problema, mas li a Crónica de Zurara. Quanto ao problema da ciência náutica tenho um pequeno trabalho que talvez a possa interessar. Parece-me que ainda haverá exemplares na Livraria Bizantina, em Lisboa. Chama-se “Regimento do Astrolábio, Proveniência e Data”
Ironia
Também o meu artigo sobre Ironia teve um comentário. Deve ter sido escrito muito depois da publicação, só agora o li. Creio que o meu livro “As Casas da Celeste” é um livro irónico. Nasceu da visita a uma casa trágica. Uma casa onde uma mulher perdida na província, recordava o seu passado de vida fácil em quarto forrado de fotografias de si própria. Decidi escrever um livro sério, talvez grave, saiu outra coisa. Creio que é irónico, talvez ache graça. Theresa

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Camões e Vasco Fernandes Homem

>> segunda-feira, 12 de março de 2012


Resta a questão de quando e como o retrato de Camões teria entrado na posse do Dr. Gregório Mascarenhas Homem. No verso do retrato lê-se que este fora “do próprio”. Sendo assim, é lógico concluir ter sido o próprio quem dispôs do seu retrato. Também me parece lógico pensar que o tenha dado, ou vendido, a alguém da família do Dr. Gregório. Resta procurar prova, ou indício, de ter havido ligação entre Camões e alguém da referida família. Creio que houve a dada altura ligação, talvez só informal, mas não menos real.
Vasco Fernandes Homem, avô do Dr. Gregório, e Luís de Camões eram contemporâneos. Os dois estiveram em Goa quando do governo de Francisco Barreto, e
aí podem ter-se encontrado, mas onde se encontraram forçosamente foi em Moçambique no ano de 1569.
Segundo se lê na ‘Pedatura Lusitana’, Vasco Fernandes Homem foi com Francisco Barreto à conquista, ou exploração de Monopotapa, o lendário reino ao Sul do Zambeze, de cuja riqueza aurífera se contavam maravilhas. A coisa fora decidida em princípios de 1569 ou fins de 68, sendo Francisco Barreto nomeado para comandar a expedição. Abaixo dele ia Vasco Fernandes Homem, e as instruções eram, como subsequentemente se soube, que ele sucedesse a Francisco Barreto em caso de morte deste.
Em Abril de 1569 saem de Lisboa três naus com rumo a Moçambique e a Monopotapa. Ventos contrários deitam duas das naus, entre elas aquela em que ia Francisco Barreto, para o outro lado do Atlântico, indo parar ao Brasil. A nau de Vasco Fernandes manteve a rota, e, em Junho aportou a Moçambique. Nesse mesmo ano, em Fevereiro, tinha saído de Goa, de volta a Portugal, a armada do vice rei D. Antão de Noronha. A armada não conseguira dobrar o Cabo, e tivera de procurar abrigo em Moçambique. Quando lá chegou já não trazia o vice-rei, que morrera pouco antes de se avistarem as ilhas de Angoxe. Quem o relata é Diogo de Couto, que vinha nessa armada, e estava nela em Moçambique quando Vasco Fernandes Homem lá chega no mês de Julho.
Couto escreve que Vasco Fernandes ficara era Moçambique à espera de Francisco Barreto, sem o qual não queria iniciar a exploração de Monopotapa.
A ilha e fortaleza de Moçambique eram então comandadas por Pedro Barreto. Este resolvera largar o governo e regressar a Portugal ao saber que seu parente Francisco Barreto fora escolhido por cima dele para ir a Monopotapa. Com esta decisão Vasco Fernandes Homem ficava sendo a primeira, ou pelo menos, caso Pedro Barreto só largasse o governo no momento da partida, a segunda autoridade em Moçambique.
Sempre segundo Couto, quando ele chegara naquele ano de 1569 a Moçambique encontrar a lá “aquele príncipe dos poetas do seu tempo, meu matalote e amigo Luís de Camões, tão pobre, que comia de amigos, e, para se embarcar para o reino lhe ajuntámos os amigos toda a roupa, e houve mister, e não lhe faltou quem lhe desse de comer”. Temos pois Luís de Camões e Vasco Fernandes ao mesmo tempo, no mesmo local; e não em cidade grande, onde podiam não se ter encontrado. Na pequena fortaleza de Moçambique, os contactos eram forçosos. Até porque Camões necessitaria de contactar as autoridades para regressar ao Reino. E estas eram então Pero Barreto e Vasco Fernandes, ou este só.
Há quem afirme que Camões esteve preso em Moçambique por ordem do mesmo Pedro Barreto, e se assim foi, ser-lhe-ia duplamente necessária a influência de Vasco Fernandes para conseguir a vinda para Portugal na armada desse ano. Talvez lhe tenha dado o retrato em sinal de gratidão, ou em pagamento de serviço prestado. São conjeturas. Sem uma prova documental não se pode afirmar que foi por Vasco Fernandes, que o retrato veio parar às mãos de seu neto. Não fiz mais pesquisas, porque tinha na altura outra coisa em mão, e ninguém parecia interessado naquele Camões desbragado .
Sei no entanto o que há a fazer em matéria de pesquisa documental para apurar se Gregório Homem obteve o retrato por herança. A secção “ Testamentária”, na Torre do Tombo é como o nome indica uma coleção de testamentos e de inventários de bens feitos em caso dos herdeiros serem menores. O que era frequente em época de vidas curtas e arriscadas. Os documentos estão classificados pelo primeiro nome do testador. É possível que se encontrem os testamentos de Estevão Homem ou de Vasco Fernandes, e, se tivessem tido, um ou outro, filhos menores, pode haver inventário dos seus bens e menção – ou não – do retrato de Camões. Maçador? Com certeza. De duvidoso resultado? Sem dúvida. Melhor esquecer aquele Camões, e recordar o outro, elegante, sorridente, que nos saúda de livros e monumentos?
É uma opção.

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4) O dono do retrato de Camões

>> segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012


Um arquivo de família é, como qualquer outro arquivo, um depósito de documentos. Que neste caso são documentos que interessam àquela família. Há nele contratos de compra e venda de propriedade, contratos matrimoniais, certidões de nascimento e de morte, testamentos, inventários de bens, e, naturalmente, todo e qualquer documento que diga respeito a uma concessão de honra e às regalias materiais, que em geral as acompanhavam. Se algum membro da família exercera cargo oficial, há sem falta papéis dessa actividade no arquivo. E em todos eles surgem papéis dispares, que não parecem ter a ver com a família, e para os quais há que procurar explicação. No arquivo Ponte fui encontrando documentos referentes a propriedades que não tinham a ver com algum dos ramos da família.
Um arquivista oficial – catalogando os documentos pelo seu conteúdo - provavelmente não teria considerado notável haver papéis de gente alheia à família no seu arquivo. Mas eu não era arquivista oficial, estava interessada na história da família e, consequentemente, optara por uma arrumação dos documentos pela sua pertença aos diferentes ramos da família.
Quando me vi com inúmeros papéis de uns senhores chamados ‘Gomes da Silva e Brito’ e outros chamados ‘Mascarenhas Homem’ percebi que aquilo não tinha a ver com a nossa família. Pois foi entre estes papéis que encontrei a menção do retrato de Luís de Camões.
Aqueles documentos tinham pertencido a uma senhora chamada Inês Josefa de Castro, que fora casada com José Gomes da Silva e Brito, e, em segundas núpcias, casada com Luís Saldanha da Gama, de quem por sua vez era segunda mulher. Quando casou com Luís de Saldanha, D. Inês trouxe consigo os papéis do primeiro marido (os Gomes da Silva e Brito) e, naturalmente, os da sua própria família.
D. Inês era filha de Gregório Mascarenhas Homem e D. Isabel de Sousa, vindo a ser, por morte de um único irmão, a herdeira universal de seus pais. O pai morre em 1650 e, tendo deixado filhos menores, houve que abrir um processo orfanológico (creio que é assim que se diz). Para tal fez-se um primeiro apanhado dos bens de Gregório Mascarenhas Homem. O processo definitivo, com a avaliação dos bens, foi feito posteriormente, e sabe-se que estava no cartório de Francisco Madureira Cardoso, escrivão dos órfãos da cidade de Lisboa. Não procurei esse inventário, refiro-me, sempre ao apanhado acima mencionado. É um documento de 15 folhas intitulado: “Rol das coisas que há nesta casa da senhora D. Isabel de Sousa para se declararem no inventário que há-de fazer-se”. O rol não é datado, mas deve ter sido elaborado logo após a morte do Dr. Gregório, portanto ainda em 1650.
A fl.5 e 5v do rol encontram-se enumeradas as seguintes obras de pintura: “seis painéis de fábulas, mais um painel grande com moldura da deosa Venos (sic), o retrato do senhor Vasco Fernandes Homem, o retrato do senhor D. Rodrigo de Castro, o retrato da rainha D. Catarina, o retrato do Camõens (sic), um paiinel de uma fábula. Um pouco abaixo, a obra estaria em outra divisão, mencionam-se ainda “cinco painéis de penturas (sic) de framengos compridos”, dois mapas, mais três painéis mais pequenos de pano pintado..”
Existe uma lista de legados posteriormente deixados por D. Inês a várias pessoas, e uma lista de objectos seus que se venderam para pagamento de despesas, em nenhuma dessas listas figura o retrato de Camões. Este retrato, bem livre e pessoal de D. Inês, não foi por ela legado, e não foi vendido pelos testamenteiros; passou sem sombra de dúvida para o seu enteado e herdeiro João Saldanha da Gama, e deste para seu filho, o 4º conde da Ponte. A filha única deste, D. Leonor Saldanha da Gama, herdeira do título, é 5ª condessa da Ponte. Casa com José António de Saldanha e Sousa, que encontra o retrato de Camões em casa de sua mulher, o aprecia, e escreve no verso – erradamente como se viu – que o quadrinho pertencera ao marquês de Sande.
Na realidade o retrato pertencera a Gregório Mascarenhas Homem, filho de Estevam Homem da Silva Gago e D. Inês de Castro. Era neto materno de D. Rodrigo de Castro e paterno de Vasco Fernandes Homem.
Gregório Homem ocupou de 1634 a 40 interinamente o cargo de guarda-mor da Torre do Tombo, foi desembargador da Casa de Suplicação em 1642, e no mesmo ano deputado canonista no Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens. Em 1644 é nomeado contador mor das contas do Reino e Casa da cidade de Lisboa, sucedendo ao Dr. João Pinto Ribeiro. Foi familiar do Santo Ofício, fazendo para isso as suas provas em 1647. No alvará pelo qual D. João IV recompensa a viúva e filhos do Dr. Gregório pelos serviços deste, o rei enumera os numerosos cargos em que este o servira, fora, cito: “outros negócios de grande importância e segredo de que foi encarregado”.
Se o Dr. Gregório tinha o retrato de Camões junto dos retratos dos seus avós era decerto porque o apreciava. Mas o mesmo talvez não se desse com sua mulher. D. Isabel de Sousa enumera os retratos que o marido possuíra, identificando com grande respeito todas as personagens retratadas, com excepção do grande poeta. Temos o retrato da rainha D. Catarina, o retrato do senhor Vasco Fernandes Homem, o retrato do senhor D. Rodrigo de Castro, o retrato do Camões.
Ignora-se se foi por herança, ou de outra forma, que Gregório Mascarenhas Homem obteve o retrato. A hipótese de herança parece-me possível. Como tentarei demonstrar.

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3) A revelação de um retrato

>> segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Por ocasião do 4º centenário da publicação dos Lusíadas a Biblioteca Nacional organizou uma exposição de retratos de Camões. Em gravura, pintura e medalhística. Entre as pinturas figurava um pequeno quadro mostrando um homem sentado a uma mesa de pau, “No lado direito da mesa, várias folhas de papel, manuscritas, na primeira das quais se lê ( invertendo a pintura), Canto X…”. O homem tinha cara sulcada, cabelo e barba hirsutos. O retrato era, lia-se, de “Luís de Camões na prisão de Goa”.
A Drª Antonieta Soares de Azevedo revelara o retrato na revista Panorama n.º42/43, da IV série, num artigo no qual dava conta do estudo exaustivo que fizera do quadro. Não restava dúvida a quem a lesse, que aquele homem magro e feio, sentado à sua tosca mesa de pau, era o verdadeiro Luís de Camões.
….e foi do próprio…
A autora baseava a sua convicção em dístico que se lia no verso do pergaminho, que dizia em letra coeva: “Luís de Camões preso e tendo aos pés quem quis perdelo. Pintado na India e foi do próprio.” Por baixo dessas linhas havia um sinal que a Dr. Antonieta não conseguia identificar. Quanto à proveniência do pequeno quadro também havia informação. Em etiqueta colada sob o primeiro dístico lia-se em letra cursiva de fins do séc. XVIII: que pertencera ao “Sr. Marquês de Sande” e que à data o seu possuidor era o 5º conde da Ponte.
Acontecia, escreve Antónia Soares de Azevedo no seu artigo, que se publicara recentemente uma biografia do referido marquês. A biografia desse diplomata da Restauração (da autoria de Theresa S. de Castello Branco) era muito completa, e lia-se nela que o marquês deixara uma grande colecção de pintura. Seria natural, argumentava Antonieta Soares de Azevedo, que se mencionasse naquele contexto a existência de um retrato do poeta. Ora isso não era o caso. Porquê? Pela irreverência da representação do grande poeta? Era mais um dos mistérios que rodeavam a pessoa de Camões.
José António Saldanha de Meneses e Sousa, que era conde da Ponte pelo seu casamento com D. Leonor de Saldanha da Gama Mello e Torres, herdeira do título, deve ter encontrado o retrato de Camões entre os bens de sua mulher. Homem culto, seria um dos fundadores da Academia das Ciências, o conde reconhecera o interesse daquela pintura, e decidiu identificá-la. Argumentou provavelmente que aquilo só podia ter pertencido a pessoa de reconhecida formação intelectual, e na família quem melhor correspondia a esses requisitos era o marquês de Sande e 1º conde da Ponte. Espanta que não tivesse sentido a necessidade de apoiar a sua afirmação em dados concretos. Tivesse ele consultado o arquivo da família de sua mulher, e nele especificamente os papéis do marquês de Sande, e teria podido constatar que neles não existia menção de retrato de Camões.
A Drª Antonieta Soares de Azevedo fala de mistério, de mais um dos mistérios que rodeiam a pessoa de Camões. Não era mais um mistério, era uma desinformação.
Quando a Drª Antonieta Soares de Azevedo publicou este artigo eu estava há muito a tratar da organização do arquivo Ponte, e no decorrer dessa organização encontrara em inventário - alheio à família - a menção de um “retrato do Camõens”. Na altura notei o dado, mas não o considerei de grande importância. Era, e ainda sou, ignorante em problemas camonianos, ignorava que a menção documentada de um retrato do poeta era sempre de interesse e devia ser comunicada. Fui muito criticada por essa omissão, que tratei de remediar logo que soube da existência de um retrato de Camões que tinha uma ligação à casa dos condes da Ponte. Já não bastava porém revelar o documento em questão, havia que explicar a razão de este se encontrar no arquivo Ponte, falar do homem a quem o retrato pertencera, e, se possível, estabelecer a ligação que podia ter havido com o poeta.
Fiz uma comunicação na qual dei conta das conclusões a que tinha chegado, e a comunicação foi publicada pela SNI. Creio que já não devem existir exemplares. Eu própria só tenho um. Tirarei dele algumas das conclusões a que cheguei sobre um dos possuidores do retrato de Camões na prisão de Goa.

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‘O retrato do Camões’

>> quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

1) Cruzamento de dados
Com a crise e a austeridade entraram novas expressões na linguagem televisiva e jornalística portuguesa. Uma dessas expressões é ‘cruzamento de dados’. Usa-se em geral em relação à actividade do Fisco, e à forma como esta amável entidade descobre as prevaricações dos contribuintes. Quando recentemente fui avisada que na minha declaração de IRS para o ano de 2008 houvera um erro, e o fisco fora lesado em 21, 08 Euros, explicaram-me que o erro fora detectado ‘por cruzamento de dados’.
Sucede que, praticamente na mesma ocasião, me foi dado observar o frontispício da luxuosa edição dos Lusíadas mandada executar em Paris por pelo morgado de Mateus. O frontispício tem a imagem do poeta devidamente coroado de louro. Lembrei-me do tão diferente retrato de Camões na prisão de Goa, de como um dos problemas do retrato seria resolvido pela troca de informações de duas investigadoras, ou seja, como hoje se diria, ‘por cruzamento de dados’.
Fui uma das protagonistas do caso, e houve um momento em que me poderia ter gabado, sem receio de ser desmentida, ser a única pessoa que podia dizer, com prova documental, quem fora um dos primeiros possuidores do dito retrato. Não era aquele indicado no verso do mesmo, mas era por ele que se chegava à verdade. A coisa tem uma certa graça, e creio que merece ser contada. O que tentarei fazer no próximo, ou próximos textos.
2) Coroas de louro
O século XIX gostava de recordar de forma decente os seus poetas. Mesmo que os falecidos em vida tivessem frequentado de preferência as tabernas aos salões eram recordados em efígie de casaca e até de chapéu alto. Para com os poetas do longínquo passado, de quem se desconhecia a fisionomia, imaginava-se esta sempre com respeito. E foi assim que por volta dos anos vinte do século XIX, quando das comemorações camonianas, surgiu em gravura e escultura um Luís de Camões de agradáveis feições e elegantemente ataviado à moda de fins do século XVI. Um perfeito cortesão. A coroa de louro com a qual por vezes o figuravam, não parecia descabida. É esse Camões que todos conhecemos, e raras vezes nos questionamos se ele teria sido de facto assim. Não era. Há um retrato do poeta que mostra um homem muito diferente.

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Economia Doce

>> segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Nos primeiros anos do século XIX a mulher portuguesa viajava pouco e se viajava era acompanhada, que assim é que devia ser. Maria Teresa e Isabel de Ornelas (irmãs de Ayres de Ornelas e primas de minha mãe) não se importavam muito com a opinião pública. Eram grandes viajantes e viajavam sozinhas. Inteligentes, curiosas do que se passava fora de Portugal seguiam conferências, visitavam exposições, falavam com gente de toda a qualidade e por toda a parte, e segundo consta, ao menor pretexto enalteciam as virtudes do seu país natal. Eram perfeitas – e gratuitas – embaixadoras culturais e económicas. Sucedeu que em Paris parassem um dia diante da montra de uma pastelaria e constataram com espanto e não pequena satisfação que a montra expunha doces regionais do Algarve. Pequenos cestos de vime com frutos em massa de amêndoa, Dons Rodrigos. Outros. Olharam encantadas. Depois baixaram os olhos, em letras doiradas sobre fundo negro leram: ”Faits par les sauvages dês cotes du Portugal”. Conta-se que entraram na pâtisserie, e em perfeito francês disseram o que tinham a dizer.
Esta velha história lembrou-me – não sei porquê – o enaltecimento económico do pastel de nata.

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