VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº III A RAINHA, O PAPA E O BISPO

>> quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A rainha D. Teresa, recém-nomeada padroeira do mosteiro de Lorvão, como boa e prudente administradora que era, deu um Seguro ao do seu mosteiro. Dirigiu-se ao Papa, pedindo a Sua Santidade que confirmasse ao mosteiro os seus bens. Honório III acedeu ao pedido.

Na respetiva bula papal eram citadas todas as propriedades que haviam sido indicadas pela Rainha, e, para o caso de alguma ter sido esquecida, a bula garantia às monjas de Lorvão todos os outros seus bens e suas heranças, a saber: ‘prados e vinhas, terras, bosques e prados em monte e vale, e águas e caminhos e passagens’ e ainda, especificamente, ‘todas as outras liberdades e isenções devidas às mesmas propriedades’. D. Teresa iria pedir e, e obter mais ainda. A filiação do mosteiro de Santa Maria de Lorvão a Cister garantia ao mosteiro os privilégios de que a Ordem gozava em Portugal, e, em I223, D. Teresa obtinha do Papa uma Bula dispensando Lorvão de pagar a dízima à Igreja. Ou seja, não tinha de pagar à Igreja a décima parte dos produtos das suas propriedades, tanto daquelas que já cultivava, como daquelas que futuramente viesse a cultivar. Livres também de dízimas as suas hortas, os seus pomares, os seus pesqueiros, o gado que criasse. Se algum bispo, presente ou futuro, exigisse a dízima e ameaçasse as monjas ou seus criados e servidores com excomunhão ou com interdito por não a pagarem, tal sentença ou interdição seria nula. E mais. Se algum servidor ou amigo do mosteiro quisesse trabalhar para Lorvão em dia que fosse santificado na sua diocese, não seria por isso castigado. De momento que o dia não fosse santificado para a Ordem de Cister, bem entendido. A dízima, a décima parte dos frutos, ou ‘décima de Deus’, era recebida pelos bispos da respectiva diocese. A terça parte da dízima pertencia ao bispo, outra parte ao clero, enquanto a outra parte se destinava- à manutenção do culto, das igrejas, dos livros, das vestes, dos vasos litúrgicos da diocese. Com essa dispensa aproveitavam ainda os rendeiros do mosteiro, também eles não pagando dízima. Quando os mordomos do mosteiro iam avaliar a colheita dos caseiros para dela tirarem a oitava, ou a sexta ou a quinta parte que cabia ao mosteiro, a avaliação que faziam era a partir duma colheita mais avultada, já que não se lhe retirara a ‘décima de Deus’. Dado que a diocese onde as monjas tinham mais propriedades era a de Coimbra, o prelado mais afetado pelos privilégios que o Papa tão generosamente concedia a Lorvão era o bispo de Coimbra. O mesmo bispo que expulsara de Lorvão os monges negros a favor da rainha D. Teresa. Aquele D. Pedro Soeiro, que se convencera que a Rainha agiria sempre sob a sua autoridade e seguiria os seus conselhos, perdia toda e qualquer autoridade sobre Lorvão, e via-se obrigado a tratar as monjas com cuidados e atenções que nunca precisara de usar para com os monges. As restrições impostas ao bispo de Coimbra e aos outros bispos das dioceses onde Lorvão tinha propriedades, não se ficavam aliás pelas referidas medidas. De ali em diante, esses senhores não poderiam obrigar as pessoas que dependiam do mosteiro a responder ‘sobre suas rendas e bens nos sínodos e ajuntamentos públicos ou juizes seculares’. Os achincalhados prelados também não poderiam ir ao mosteiro celebrar ordens, ou tratar de dívidas, ou fazer lá, por qualquer outra razão, ajuntamento público. Já isso cortava, e de que maneira, nos rendimentos das sedes episcopais. E mais ainda se lhes cortava, não permitindo que os bispos recebessem remuneração por serviços que prestassem ao mosteiro de Lorvão: nem por consagração de igreja, nem por benção de altar ou de vaso sagrado, nem pela celebração de qualquer sacramento, antes ‘todas essas coisas faça graciosamente o bispo diocesano’. Convenha-se que era duro. Por fim, para arredondar as coisas, o Papa ainda confirmava ao mosteiro todas as liberdades e isenções, que ele próprio, ou algum dos seus antecessores alguma vez tivessem concedido à Ordem de Cister à qual o mosteiro pertencia. Os Bispos recalcitravam, exigiam que lhes fosse enviada prova de que Lorvão tinha este ou aquele privilégio, Dona Abadessa tinha dez dias para lhe enviar a carta de privilégios em que se baseava para levar as dízimas. De contrário seria severamente castigada. O que Lorvão poupava com a magnânima Bula refletia-se materialmente nos mais variados campos, com teremos ocasião de verificar.

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VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAP. II AS PRIMEIRAS MONJAS EM LORVÃO

>> terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Em l211 - pouco antes da conclusão do ‘negócio’ de Lorvão - dá-se a morte de D.Sancho I, e o seu testamento iria complicar a vida de D.Teresa, impedindo-a de se dedicar de imediato e directamente, como de outra forma decerto o teria feito, ao mosteiro de que era a novel padroeira. O testamento de D. Sancho seria contestado pelo seu sucessor, alegando o novo rei, e com alguma razão, que seu pai favorecera exageradamente as suas irmãs, com disposições que o prejudicavam a ele, e, consequentemente, ao Reino. Forte das suas razões, D. Afonso II não se mostrava disposto a largar mão das vilas e terras que seu pai destinara às Infantas. Estas, decididas a defender o que consideravam seus legítimos direitos, pegaram em armas contra o irmão.
            A luta que então se acendeu duraria mais de dez anos. D.Teresa e D. Sancha, provavelmente levando consigo sua irmã mais nova, D.Branca, e a filha de D.Teresa, que viera de Leão com a mãe, deslocavam-se ao sabor dos incidentes da contenda, vendo-se D. Teresa obrigada a delegar em outrem a administração do seu mosteiro de Lorvão. Alguns autores dizem que de início fora uma laica, uma aia da Rainha, quem administrara o mosteiro nesse primeiro tempo, outros autores afirmam que houvera uma primeira abadessa, de nome Goda. Em história monástica não se deve ignorar uma tradição oral, e creio que se podem conjugar as duas tradições. A primeira abadessa não foi uma D.Goda, isso está provado por documentos, mas é muito provável que tenha existido uma senhora desse nome, muito possivelmente aia da Rainha, a quem esta confiou o mosteiro enquanto não encontrava uma abadessa adequada. O que não tardou
      Em l213 há comprovadamente uma abadessa em Lorvão. Chama-se Vierna ou Ivierna - nome que não se encontra em nenhuma família portuguesa coeva - e foi decerto muito cuidadosamente escolhida pela Rainha padroeira. Teria de ser de grande competência e autoridade a mulher que iria tomar conta dum mosteiro que durante séculos fora de homens e dirigido por abades que haviam deixado a sua marca na vida religiosa, cultural e económica da região conimbricense. É fácil de imaginar com que desconfiança os vizinhos de Lorvão - grandes e pequenos - olhariam para a primeira cabeça feminina daquele mosteiro.
Obrigatoriamente, portanto, a primeira abadessa de Lorvão teria de ser uma mulher que convencesse, que se impusesse como pessoa e como administradora, com competência e autoridade para dirigir material e religiosamente o grande mosteiro. Caber-lhe-ia ainda uma missão especial, a de instruir as monjas beneditinas que estavam em Lorvão, nos usos e costumes da sua nova Ordem. A primeira abadessa teria portanto de ser alguém que estivesse a par dos usos de Cister. Em Portugal, Lorvão seria o primeiro mosteiro de religiosas cistercienses. Em Espanha existiam já alguns, e um deles era o mosteiro de Gradefes, que nascera em 1168 junto da capital leonesa. Fora fundado por Teresa Peres, uma viúva rica que seria a primeira abadessa do seu mosteiro.
A infanta D. Teresa, enquanto rainha de Leão, tivera forçosamente contactos com o mosteiro e a sua fundadora. Ora é sabido, que a infanta portuguesa não deixou, mesmo depois de separada, de comunicar com o seu ex-marido. Que teve fidalgos leoneses a ajudá-la contra seu irmão. Era natural, portanto, que ela tivesse procurado em Leão, e mais particularmente em Gradefes, uma mulher competente para ser a primeira abadessa de Lorvão. O nome Vierna, ou Ivierna, é indubitavelmente espanhol, e a abadessa que encontramos em Lorvão com esse nome veio quase com certeza de Espanha, e de Leão.
            Para coadjuvar a abadessa foi nomeado um monge. Aquele que é provavelmente o primeiro contrato firmado por dona Vierna, encontra-se menção de um ‘irmão Garcia’, o qual, como vicário, garantia o contrato. De ali em diante, haverá sempre um religioso encarregado de certos aspectos da administração do mosteiro. Em l213, esse administrador era designado por ‘vicarius’, em l218 encontrámo-lo com a designação de ‘comendador’, e, gradualmente, estabelecer-se-ia a designação de ‘procurador’ para o servidor masculino que se ocupava mais particularmente da administração externa do mosteiro.
            Temos pois o mosteiro de Lorvão vivendo sob o governo de uma primeira abadessa, e esta sendo coadjuvada na administração por um vigário. D.Teresa podia estar sossegada quanto ao mosteiro. No entanto, apesar das suas ocupações bélicas - ela e as irmãs em acesa luta com o rei seu irmão - D. Teresa não descurou as suas obrigações como padroeira de Lorvão. O indispensável contacto do mosteiro com a cúria romana foi estabelecido cedo, e certamente por D.Teresa. Há uma bula expedida de Roma no ano de 1213, na qual, em evidente resposta a um pedido, se ameaçava com excomunhão todos aqueles que atacassem ou violassem os privilégios da ordem de Cister, e, naquele caso particular, do mosteiro de Lorvão sob a referida Ordem.
            A protecção do Papa era muito necessária naquela ocasião. É que Cister estava a braços com uma verdadeira avalanche de vocações e fundações femininas, e a Ordem, muito longe de se congratular com tanta profusão, tentava eximir-se à obrigação de zelar por novos mosteiros de mulheres. No capítulo geral dos cistercienses de 1212, já se tinham ouvido queixas contra certos mosteiros femininos, que, no intuito de terem maiores facilidades pastorais, se tinham instalado demasiado perto de mosteiros de homens. Também houvera severos reparos quanto à liberdade de movimentos que as novas religiosas se arrogavam, afirmando-se no Capítulo, que a clausura não era devidamente guardada e respeitada pelas monjas. Em virtude de estas e de outras queixas, a Ordem iria ao ponto de decidir, em 1228, que no futuro não aceitaria a incorporação de novos mosteiros de mulheres. Só a influência do Papa conseguiria por vezes superar essa decisão.
D. Teresa mostrara estar bem consciente da tendência anti feminina que imperava em Cister quando procurou de imediato a protecção de Roma para o seu mosteiro. A ligação de Lorvão com a Santa Sé seria duradoira. Mesmo mais tarde, e apesar do mosteiro se encontrar directamente filiado a Claraval, a casa mãe da Ordem de Cister, seria sobretudo em Roma que as abadessas de Lorvão procuravam conselho e solução para os seus problemas.
      Mas isso é olhar para o futuro. De 1211 a 1223 os contactos do mosteiro com o exterior devem ter sido reduzidíssimos. Lorvão foi nesses anos um mosteiro onde pairava a dúvida, com o seu futuro dependendo da sorte da guerra que se travava entre a sua padroeira e o rei. Era forçosamente então um mosteiro unicamente dedicado à devoção, e, quem sabe se não foi naqueles anos que as monjas de Lorvão viveram os momentos mais recolhidos da sua existência, conjugando-se a natural devoção dos primeiros anos de fundação com o forçado isolamento em que o mosteiro se encontrava.
            As visitas de seculares, tão prejudiciais ao recato da vida monástica, seriam forçosamente pouco frequentes. O mosteiro estava em local muito isolado, e a incerteza dos caminhos em tempo de guerra não convidava a deslocações. Constata-se que os emprazamentos de terras e as compras e vendas que traziam muita gente ao mosteiro, transacções que tinham sido tão frequentes em Lorvão no tempo dos monges e o seriam de novo depois de 1223, que essas transacções praticamente não existiram enquanto durou a guerra entre D. Afonso II e as irmãs, a ameaça dum ataque devendo ter pairado constantemente sobre aquele mosteiro isolado. Não seria decerto isso que impedira a padroeira de residir lá. Ela encontrava-se sempre nos locais de maior perigo, mas as suas terras e castelos, mais directamente ameaçados, exigiam prioritariamente a sua presença. Nesses anos de luta entre irmãos, D. Teresa e D.Sancha devem portanto ter visitado muito pouco o mosteiro. As monjas de Lorvão não podiam ser a primeira das suas preocupações. Aliás de D. Sancha nunca o seriam. O seu empenhamento religioso foi totalmente diferente do de sua irmã mais velha. Enquanto essa foi comprovadamente sempre, e só, uma adepta fervorosa da ordem de Cisterenquanto D. Sancha protegeria dois outros movimentos religiosos: os mais avançados do seu tempo. Foi ela quem acolheu na sua vila de Alenquer os primeiros frades franciscanos vindos de Assis para Portugal, e foi ela quem se interessou activamente pelas mulheres que pretendiam viver santamente e em pobreza, mas sem se submeterem a uma determinada ordem religiosa. Ora 'religião' e 'ordo' tinham na época sentido praticamente idêntico, e fora sempre um princípio basilar da Curia Romana, que aquilo a que se chamava vida religiosas, a entrega total de alguém a essa vida, ‘se processasse obedecendo a determinadas regras e a uma ordenação fixa para poder existir no seio da Igreja’. Um movimento de mulheres que não queriam Ordem e Regra, cheirava perigosamente a herético. Poderia até ter sido declarado como tal, se não fosse o movimento ir ao encontro de aspirações latentes na sociedade, e de ter encontrado um eloquente defensor na pessoa do francês Jacques de Vitry. Em 1216, Vitry obteria autorização papal para que certas mulheres pudessem livremente viver em comum, ‘exortando-se umas às outras e fortificando-se por meio de recomendações mútuas’. O movimento das mulheres independentes em religião, das 'beguinas', instalou-se, e espalhou-se rapidamente por toda a Europa.
Em Portugal, o movimento das enceladas ou inclusas, como se designavam popularmente aquelas mulheres vivendo agrupadas em pequenas celas - no fundo em pequenas casas próprias - surgiu primeiro em Alenquer. Era uma vila que ficara praticamente despovoada depois da reconquista cristã, e onde D. Sancho I fixara gente vinda de Renânia e de Flandres, e se um movimento como o das mulheres santas, ou 'beguinas' , tinha que nascer em Portugal, era em Alenquer, com a sua população de origem germânica, o sítio onde se podia esperar que isso sucedesse. É difícil fixar exactamente a data em que se formou o primeiro grupo de enceladas. Possivelmente já existiam em embrião quando D. Sancha herdou a vila de Alenquer, e firmar-se-iam subsequentemente com o seu apoio. Ou talvez só lá se tivessem firmado verdadeiramente após 1216, quando o aval do Papa permitiu a sua existência legal dentro da igreja.
            Encontra-se contudo documentada uma primeira doação às celas de Alenquer em Novembro de 1211. Nessa data, a infanta D. Sancha dá parte do seu reguengo de Alenquer, e ainda duas outras terras suas à igreja de Santa Maria das Celas de Alenquer, portanto à igreja que iria servir as enceladas. Essa doação é acrescentada em Dezembro desse ano com outra: uma azenha com todos os seus pertences junto da ponte nova da vila. Ambas as doações foram feitas com a aprovação da rainha D. Teresa, e ambos os instrumentos de doação foram selados com os selos das duas irmãs. As duas transacções, e, particularmente, a primeira, foram testemunhadas por numerosas testemunhas, sinal de que se tratava duma doação à qual a doadora pretendia dar grande relevo. Entre os leigos que assistiram ao acto encontram-se pelo menos dois homens cujos nomes apontam para a sua ascendência franca. São eles ‘Johanes Rolan e Duran de Mozela’ ou seja ‘Johannes Roland e Duran von der Mosel.
            De Alenquer, D. Sancha levou a ideia dum agrupamento de celas para Coimbra. Em Julho de 1222, estando então com sua irmã em Montemor-o-Velho, a Infanta doou duas azenhas no local que se chamava Guimarães – Vimaranes – ‘às celas de Santa Maria que estão junto de Coimbra’, para a obra das ditas celas e em honra de Santa Maria.
            A partir daquela data sucedem-se a um ritmo acelerado as doações para sustentar as inclusas das celas, e isto não só por parte da infanta, como por parte de senhores da vizinhança, desejosos de lhe agradar. Davam-se vinhas, olivais, terras de semeadura, para as ‘celas domne regine Sancha’. Foi a sua primeira designação, o nome evoluiu, acabando por se fixar em ‘Celas de Santa Maria de Guimarães junto a Coimbra’.Tal como o fizera em Alenquer, D. Sancha mandou edificar uma igreja junto das celas, e já em Janeiro de 1223 existia autorização do bispo de Coimbra para que na igreja se rezassem os ofícios divinos. Em Agosto desse ano, a igreja era dotada com a terça parte da vila de Aveiro, uma aquisição recente de D. Sancha.
      Com igreja e terras próprias, as celas de Coimbra estavam pois, em princípios de 1223, legalmente estabelecidas e já razoavelmente dotadas, e a sua situação material ainda melhoraria consideravelmente depois da morte de D. Afonso II, quando D. Sancha pode dispor de todos os seus bens.
      O rei morreu em Março de 1223, e foi com o seu filho mais velho e sucessor, um rapaz com cerca de quinze anos, com quem as irmãs do falecido rei D.Afonso iriam resolver o litígio nascido com o testamento de D. Sancho I. Era palpável que as coisas tinham mudado com a morte de D. Afonso II. Era visível até na escolha do local onde se realizariam as conversações. Montemor-o-Velho, onde tias e sobrinho se encontrariam, era símbolo da defesa dos direitos das infantas, e mostraria a quem o quisesse ver, que o novo rei não ia tratar com vencidas.
      O número e a qualidade das testemunhas que subscreveram o tratado, que veio a sair daquela reunião, são elucidativos. O rei apresentou-se com toda a sua corte. O ‘maior domus curiae’, o primeiro senhor da Corte, era então D. Pedro Anes. Ele lá estava. Presente também D. João Mendo, "signifer", alferes mor do rei. Presentes também o Arcebispo de Braga com o tesoureiro mor da sua Sé e seu capelão. Presentes altos dignatários das igrejas do Porto, de Lisboa e de Coimbra.
            É sabido que grande parte do clero tomara parte pelas infantas contra D. Afonso II, pelo que alguns dos prelados que testemunharam aquelas pazes deviam ali estar por essas princesas. Outros porém estavam presentes porque faziam parte da administração do reino.
Toda esta gente teve de se instalar em Montemor, distribuindo-se fidalgos, cavaleiros, prelados, escrivães e sua criadagem pelas casas existentes, enquanto se armavam tendas nos arrabaldes da vila para aqueles que não encontravam lugar debaixo de telhado. Era o arraial que se armava sempre que a corte pousava e, na opinião de alguns contemporâneos, a vida nestes paços ambulantes era um verdadeiro inferno.
À falta de adequada descrição dessas situações por cronista português coevo, temos as informações que nos são dadas por um francês, o diácono Pedro de Blois, em uma das suas cartas, sobre a vida numa corte em andanças em fins do século XIII. O diácono fala do cansaço daquelas deslocações da corte, dos incómodos que lhe eram inerentes, com a comida preparada à pressa com produtos muitas vezes deteriorados pelo calor e pelas dificuldades do transporte, com o vinho estragado, o pão mal cozido, os criados do rei ávidos de gratificações, ‘aduladores sabujos, estorcionadores sem escrúpulos, infernais nas suas exigências, ingratos para com aqueles de quem recebiam, maltratando os que se negavam a dar e dar cada vez mais’. Pior que tudo isso, segundo o narrador, era a incerteza quanto à duração das estadias da corte em cada local. Sucedia, por exemplo, que o rei decidisse ficar durante algum tempo em certo local. Os arautas proclamavam a intenção do monarca, a notícia espalhava-se, o séquito do rei instalava-se. "Pois podeis ter a certeza, escreve Pedro de Blois, que o rei partirá afinal na madrugada seguinte, desfazendo todas as expectativas". Todos tinham de se precipitar, até os que tinham decidido fazer uma sangria ou tomar uma purga se punham a caminho. Partindo no meio do tratamento, arriscando a saúde. ‘Vereis os homens correrem como doidos de um lado para o outro, as mulas empurrando as outras mulas, os carros esbarrando com outros carros, um verdadeiro pandemónio’. Podia também suceder o contrário, podia suceder que o rei declarasse a sua intenção de não se demorar, de partir no dia seguinte de madrugada. ‘Pois podeis ter a certeza, escreve o mesmo narrador, que o rei mudará de propósito e ficará na cama até ao meio dia’. E lá se ficavam as mulas com as suas cargas esperando pacientemente, os carros parados, os carreiros dormitando, os mercadores que seguiam a corte em ansiosa expectativa"1
            A corte dos reis portugueses em andanças não devia diferir grandemente da dos seus congéneres franceses, e quando D. Sancho II e suas tias se encontraram em Montemor para tratar das pazes reinava lá provavelmente igual ou maior confusão do que aquela que foi descrita por Pedro de Blois. As infantas, essas, há anos que tinham a sua residência praticamente estabelecida em Montemor. Possivelmente também se tinha fixado lá comitiva daquelas senhoras. E toda essa gente lá devia ter alojamentos mais ou menos fixos. Haveria os clérigos, conhecedores de latim, para lhes rezar as missas e escrever as cartas. Já tinham porém começado a surgir letrados leigos, e um ou outro lá estaria. Presentes com certeza também cavaleiros das ordens religiosas e militares, Templários e Sapatários, a quem tantas vezes encontramos testemunhando as escrituras e os contratos feitos pelas duas senhoras. Quem comprovadamente esteve presente em Montemor nessa ocasião foi a abadessa de Lorvão. O tratado de paz firmado entre as Infantas e seu sobrinho contemplaria Lorvão de forma notável. O mosteiro viu o seu património aumentado e valorizado com uma aquisição de vulto: a vila da Esgueira. Devido aos jejuns e abstinências que obrigavam a uma alimentação onde o peixe primava, era importantíssimo para todo e qualquer mosteiro, sobretudo para um mosteiro grande, ter a garantia de um fornecimento regular de peixe. Ora Esgueira era um porto piscatório, situava-se a distância relativamente curta de Lorvão. Esgueira fora doada por D. Sancho I a sua filha D. Teresa, e, em Montemor, ficou acordado que a vila pertenceria em suas vidas a D. Teresa e sua irmã D. Branca, que esta usufruiria dos rendimentos da vila se sobrevivesse a sua irmã, e que, depois da morte de ambas, a vila passaria definitivamente para a posse do mosteiro de Santa Maria de Lorvão.Este acordo seria ligeiramente alterado na reunião de Montemor. D. Branca acordou com a abadessa de Lorvão que, no caso de ela, D. Branca, sobreviver a sua irmã e ficar com o usufruto da vila, que cederia esse direito a Lorvão contra o pagamento de 300 morabitinos por parte do mosteiro. Caso na ocasião o mosteiro não estivesse em condições de fazer esse pagamento, a Infanta retomaria a administração da vila até à sua morte. As duas contraentes puseram o seu selo no instrumento de contrato. ‘Sigillo meo et sigillo abbatisse de lorbano istam cartam facimus commuviri’.2
D. Branca e suas irmãs foram das primeiras senhoras portuguesas a usar selo próprio, e a abadessa Vierna foi certamente a primeira abadessa de mosteiro português de religiosas a tê-lo. Lorvão saiu, como se viu, engrandecido daquela reunião, e a posição que o mosteiro ali adquiriu perduraria, com altas e baixas, por seiscentos anos. A partir das pazes concluídas em Montemor, D. Teresa poderia ter-se instalado em Lorvão, mas tudo indica que não o fez. Deve ter considerado o mosteiro seguro e bem entregue, e não necessitando da sua supervisão. A partir de 1223, e enquanto a abadessa Dona Vierna viveu, não há qualquer documento de Lorvão assinado por D.Teresa, há sim numerosos documentos seus datados de Celas, o mosteiro que sua irmã D.Sancha fundara junto de Coimbra.
            Celas, Lorvão. É impossível separar a história dos dois mosteiros nas primeiras décadas do século XIII. Tão impossível como separar a história das duas irmãs que se empenharam pela fundação e vida das duas instituições. Foi ligação duradoira, que não morreria com as infantas. Lorvão iria frequentemente buscar religiosas de Celas para cargos no seu mosteiro, e sucederia por mais de uma vez, que a abadessa de Lorvão fosse parente próxima da de Celas. Não consta que alguma vez tenha existido entre os dois mosteiros a rivalidade e o quase antagonismo, que, em determinadas ocasiões houve entre Lorvão e Arouca, o outro grande mosteiro cisterciense.
            Quanto às razões que levariam D.Teresa a viver em Celas, de preferência a Lorvão, só é possível conjecturar. Celas era incomparavelmente mais salubre e risonho que o terrível Lorvão, e havia razões de ordem prática. Coimbra era então a cidade portuguesa, que mais se aproximava de uma capital administrativa do reino. Celas estava perto de Coimbra, e para poderem zelar pelas suas obras, interessava às irmãs estarem perto da corte e do rei. Fosse por essas ou por outras razões, facto é, que foi, comprovadamente, em Celas, junto de sua irmã D.Sancha, onde D.Teresa de preferência viveu, mudando-se para Lorvão só quando a sua presença ali era necessária. O que sucedeu uma primeira vez por volta de 1228, após a morte da abadessa dona Vierna. Os documentos provam que a Rainha tomou então conta do governo do mosteiro, e residiu lá por um período de cerca dez anos. Tudo indica, que essa estadia durou enquanto não se encontrava abadessa competente para suceder a dona Vierna.
             Em alguns dos documentos dessa época, D.Teresa aparece agindo só, em outras vemo-la actuando juntamente com a comunidade das religiosas. Assim, em Janeiro de l230, faz-se uma composição com o bispo de Viseu sobre o direito de visitação às igrejas pertencentes aos coutos que Lorvão possuía nessa diocese; a composição é feita, por parte do mosteiro, pelo ‘convento’ - ou seja a comunidade das religiosas -, com o consenso e sob a autoridade de D.Teresa: ‘interveniente auctoridade et consensum Regine domne Tharasie eiusdem monasterio domne et patrone’.3 No ano seguinte o mosteiro, continuando muito provavelmente sem abadessa, - dá-se a aquisição por parte de Lorvão comprava a um tal Petro Petri uma sua propriedade em Serpins. A venda è feita à rainha, ao convento de Lorvão e ao seu procurador, Frei Domingos. Em Julho desse ano há comprovadamente nova abadessa em Lorvão. É dona Sancha Gonçalves, filha de Dom Gonçalo Mendo, da linhagem dos Sousa e um fiel amigo de D.Teresa desde a infância. Talvez que dona Sancha fosse muito nova para agir só, ou talvez que a Rainha por outra qualquer razão não lhe reconhecesse autoridade suficiente, o facto é que ela não irá largar mão da administração do mosteiro. A abadessa Dona Sancha praticamente não actuaria sem o beneplacit de D.Teresa. Em todos os contratos firmados durante este abadessado, lê-se que estes eram feitos com o consenso e sob a autoridade da Rainha. No primeiro documento desta abadessa, datado de Julho de 1231, chegando Lorvão a um acordo com o bispo de Coimbra sobre a apresentação dos clérigos nas igrejas de Botão, Cacia, São Martinho da Árvore, Vilela, Figueira e Serpins, D.Teresa figura no acordo como ‘patrona, procuratore et defensore’ de Lorvão. De aí em diante, enquanto dona Sancha Gonçalves, é abadessa étodos os contratos são feitos dessa forma, pela rainha e não pela abadessa. Quando a rainha se ausenta, o que sucedeu durante esse abadessado - ela esteve em Valença de Julho de 1231 a 1 Março de 1232 em conferência com a rainha D. Berengária de Leão e, quem sabe, se não tratando de encontrar uma nova abadessa para Lorvão - os contratos são feitos em seu nome e com a sua autorização ‘de mandato Regina Domna Tharasia facimus carta’ etc.4
            Isto durará até que, em 1237, há uma nova abadessa em Lorvão. Chama-se dona Maria Afonso. Se no caso de D.Vierna, a primeira abadessa, concluímos por indução que ela viera de Gradefes, no caso de dona Maria Afonso sabemos por documento que Maria Afonso veio do dito mosteiro leonês. Ao qual D.Teresa muit provavelmente recorreu por não ter em Portugal quem lhe merecesse confiança para ocupar lugar de tanta responsabilidade. A esta abadessa, a Rainha entrega em absoluto o governo do mosteiro, os documentos respeitantes ao governo são da nova abadessa. E há prova documentada de que D. Teresa passou a viver de novo em Celas, tendo ali casa própria. Nos documentos assinados pela Rainha encontraremos homens que declaram estar ao serviço da rainha ou serem da sua casa: ‘Dominicus Pelagi de domo regina’, Pedro Pequeno ‘ostiario´’, porteiro da rainha, Domingos, homem da casa da rainha, e outros.O último documento emitido por D. Teresa é datado de Março de 1250. Foi feito em Celas, pouco antes da sua morte, e trata dum contrato entre ela e a abadessa de Lorvão para que esta dê casa e comida durante o resto da sua vida a uma protegida de Domingos, homem da casa da Rainha. À sua morte, D.Teresa deixava o mosteiro de que fora padroeira bem preparado para poder subsistir pelos séculos fora. Lorvão era não só o primeiro entre os mosteiros de mulheres, como, em ordem de grandeza, depois de Alcobaça, o segundo entre os mosteiros do reino.
            Os bens materiais do mosteiro existiam em grande parte quando D.Teresa tomou conta de Lorvão, mas foram as medidas de protecção por ela obtidas por meio de sucessivas bulas apostólicas, que garantiram a Santa Maria Lorvão a posição privilegiada de independência de que usufruiria até ao século XVI.
Apesar das afirmações dos cronistas monásticos, nada prova que a rainha D. Teresa tenha professado. Foi sem dúvida ‘religiosa’, no sentido de entusiástica adepta à Ordem de Cister, mas monja da Ordem, não foi.







1 Coulton, G. C. Life in the Middle Ages. Livro III, pgª 2
2 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-24
3 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-21
4 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-14
5 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-18

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VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAP I EXPLUSÃO DOS MONGES DE LORVÃO, ACUSAÇÃO, DEFESA, PRONÚNCIA

>> terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Nos primeiros anos do século XIII a gente de Coimbra teve ocasião de seguir um caso apaixonante na sua vizinhança: o processo que levaria à transformação do antiquíssimo mosteiro de monges negros de Lorvão - fundado por homens para homens - em mosteiro cisterciense de mulheres. Era o 'negócio de monasterio de Lorbano', como o designavam entre si os bispos que seriam chamados a interceder no caso, e que não foram poucos: o bispo de Santiago de Compostela, o de Zamora, o de Lamego, e, evidentemente, o de Coimbra.

Nunca ficou completamente esclarecido o que verdadeiramente esteve por detrás do 'negócio', mas foi assunto que fez correr muita tinta. Não era indiferente que uma das mais antigas instituições religiosas da região conimbricense sofresse uma transformação tão radical. A questão era de tão magno interesse e apaixonava tanto a gente daquelas paragens, que todos os passos do processo eram tornados públicos em Coimbra. Cartas, bulas e outros documentos que dissessem respeito ao caso de Lorvão eram proclamados na Sé de Coimbra, lidos do alto do púlpito para informação dos interessados.


           À partida os dados do caso eram estes: de um lado achava-se o antigo mosteiro de Lorvão, de monges, que se designavam por 'fratres de Laurbano' .Eram então regidos pelo abade Julião. Do lado oposto encontravam-se o bispo de Coimbra, Pedro Soeiro, o rei D. Sancho I, e a filha mais velha deste, D. Teresa, rainha de Leão, separada de seu marido. Em jogo estavam o governo e a futura posse do mosteiro e dos seus imensos bens, as terras que sucessivas gerações de fiéis tinham legado aos monges, e que os seus abades tinham aumentado com judiciosas aquisições: as igrejas de que os abades eram padroeiros, onde apresentavam o pároco e das quais recebiam a dízima, os coutos onde tinham jurisdição, as vilas, os casais, as salinas, as pescarias, os moinhos. E, evidentemente, a gente que ‘pertencia’ a algumas das terras. Quer por má administração, quer em resultado dos desastrosos anos agrícolas que tinham abalado os primeiros anos do século XIII, o mosteiro estava então sofrendo uma crise económica grave.
            
          Residia nesse tempo em Coimbra a rainha D. Teresa, filha mais velha de D. Sancho I. Ou melhor, D. Teresa vivia junto de seu pai, este deslocava-se pelo reino, demorando-se contudo mais em Coimbra, pelo que D.Teresa residiria igualmente mais tempo nessa cidade do que em qualquer outro local do reino. Casada muito nova com Afonso IX, rei de Leão, o seu casamento fora anulado. Por consanguinidade, dizia-se. Mas mais provavelmente por conveniência de um ou de outro dos conjugues. Uma separação amigável, segundo tudo indica. A rainha regressara a Portugal, trazendo consigo uma das suas filhas, ficando as outras com o pai.
            
           Foi sobre estes dados que dois cronistas monásticos do século XVII, frei Leão de São Tomás e frei António Brandão, iriam reconstituir a história de como o mosteiro foi retirado aos monges negros e confiado à rainha D.Teresa.

          No século XVII, quando frei Leão e frei António escreveram as suas obras, não se descobrira ainda a necessidade de basear afirmações históricas em documentos originais e comprovadamente fidedignos. Ainda se podia dar largas à fantasia em obras de história, e os citados autores foram pródigos nesse campo.
            
         Frei Leão de São Tomas, autor da ‘Beneditina Lusitana’, escreve sobre o caso: que a rainha D. Teresa decidira vestir o hábito branco das monjas cistercienses após a anulação do seu casamento, e que escolhera o mosteiro de Lorvão para nele passar o resto da vida como religiosa. Ainda segundo esse autor, o rei seu pai, acompanhado do bispo de Coimbra e do abade de Alcobaça, teria ido a Lorvão nas vésperas de Natal de l200, fazendo então entrega do mosteiro a sua filha e a outras senhoras que a queriam acompanhar na vida religiosa.1 A verdade é outra. O último documento do último abade de Lorvão é datado de 1205, pelo que é fantasiosa a data da entrega do mosteiro em l200. Assim como é fantasioso o quadro da Infanta entrando no mosteiro acompanhada de outras senhoras vocacionadas para a vida religiosa.
            
        O cisterciense frei António Brandão vê as coisas de outra forma ainda. Esse autor afirma que a rainha D.Teresa, tendo regressado ao Reino depois de separada de seu marido, pretendera fazer vida religiosa, e que o Rei seu pai fora do parecer que o mosteiro de Lorvão, situado perto de Coimbra, ‘em sítio recatado e acomodado à contemplação’, e cujos monges estavam em declínio espiritual, estava indicado para recolher a Infanta. E que, assim sendo, ‘convinha tirar-se do mosteiro aos monges e acomodar nele esta princesa, para que, instituindo ali monjas da nossa ordem, se desse princípio a nova religião de maior obediência qual guardavam então os cistercienses’. Na sua parcialidade para com a Ordem de Cister, frei António deve ter deduzido o que se passou em Lorvão, não a partir de documentos contemporâneos - e alguns decerto terá lido - mas a partir daquilo que, em parte, se viria a dar. Isto é: como a filha de D. Sancho viria a instalar a Ordem de Cister em Lorvão, o cisterciense frei António Brandão concluiu que o Rei instalara a sua filha em Lorvão justamente com o propósito de favorecer os cistercienses. Ora essa suposição não tem fundamento, até por ser sabido, que D. Sancho, ao contrário de seu pai, não favoreceu particularmente os cistercienses. Não tem também fundamento a outra afirmação do cronista, segundo a qual a princesa quisera ter Lorvão para fazer ali vida religiosa. A tomada de hábito por D. Teresa é mais que duvidosa. Se alguma vez o fez, foi no fim da vida, e, quanto a ter vivido em Lorvão, ela só lá residia - como adiante se verá - periodicamente, e por períodos relativamente curtos. Não foi pois com o propósito de ali residir ou de ali professar, que D. Teresa a tomaria conta do mosteiro. As razões foram outras, e o caso bem mais complicado. Uma transformação como a que se deu em Lorvão não era na época um acontecimento vulgar. Muitos mosteiros desapareciam, em geral por razões de ordem económica, por não terem bens suficientes para se manterem. Alguns desses mosteiros tinham-se convertido em simples igrejas, e assim se conservavam e se conservariam, enquanto outros desapareceram por completo, havendo notícia da sua existência por um ou outro documento.
            
         Houve ainda numerosos casos de mosteiros que aderiram a uma nova ordem religiosa para solucionar problemas vocacionais. Foi o que se deu com muitos dos pequenos conventos beneditinos portugueses, que, nos séculos XII e XIII, adoptaram a ordem de Cister, então no seu apogeu, abandonando a de São Bento, que caíra numa estagnadora mediocridade. São exemplos São Cristóvão de Lafões, que, a partir de ll69 é cisterciense, Santa Maria de Salzedas, também beneditino, que se torna cisterciense no fim do século XII, São Pedro de Águias, que ainda era beneditino em ll70 e surge como cisterciense em 1205.3 Nesses mosteiros houve mudança de observância. Em Lorvão deu-se mais do que isso. A par de mudança de observância, deu-se a transformação de um mosteiro de homens em mosteiro de mulheres, e isso é que era extraordinário.
            
   O primeiro documento relevante para este caso é o curioso balanço feito por monges de Lorvão de tudo aquilo que ao longo dos anos lhes fora tirado e usurpado pelos bispos de Coimbra. O documento é anterior à saída dos monges em 1206, e forçosamente posterior à nomeação do bispo Pedro Soeiro, que se deu em 1193, porque já se menciona um abuso cometido por esse prelado. Foi coisa sem dúvida elaborada em plena crise, quando em Lorvão já se devia pressentir que haveria uma próxima intervenção do bispo de Coimbra nos assuntos do mosteiro. Os monges vão muito atrás no tempo, começam por enumerar tudo aquilo que tinha padecido com o bispo Gonçalo, o bispo a quem os condes D.Henrique e D. Teresa haviam entregado Lorvão depois de uma primeira crise que o mosteiro sofrera.





     ‘Nos fratres de Laurbani’ recordamos todo o mal que nos fez o bispo Gonçalo, assim escrevem os monges no início do seu documento.4 Em primeiro lugar, esse Bispo apreendera-lhes muitas das propriedades que eles tinham na vizinhança de Coimbra, a saber: Vila Barrosa, Alvalade, Recaisada (sic) com seus barros; a metade da pescaria do Mondego, e a vila de Alquilada com a sua igreja; na terra de Besteiros tirara-lhes Santa Comba com sua igreja, assim como S. João de Vila Pouca e S.João das Areias com suas vilas e suas igrejas; tirara-lhes ainda a metade de Oliveira de Currelos, a quarta parte de Papízios, e duas partes de Midões, e ainda Lourosa com suas igrejas.
           
      Os Bispos - escrevem os monges - validara a anexação dessas propriedades por meio de escrituras, e tudo isso apesar da garantia que eles tinham, de que os bispos de Coimbra não se lhes podiam atravessar, ‘transmeare’, e que, caso o fizessem, seriam excomungados como Judas traidor e lançados nas profundezas do inferno. Esse Bispo, escreviam de seguida os monges, destruíra a igreja de Santa Eulália e construíra ali outra igreja para si. Da igreja de Sabugosa, que era deles, o mesmo senhor retirara tudo, edificando uma igreja sua. Finalmente, ele, Bispo, ‘forçara’ os homens deles: aos da Pampilhosa mandara ir trabalhar para a Vacariça - que era dos bispos de Coimbra - e aos homens de Freixeda fizera ir para S.Martinho.
            
Os monges enumeravam em seguida os abusos cometidos por outros dois prelados de Coimbra, os bispos Bernardo e Miguel, e, por fim, referiam o que lhes havia feito o bispo que à data governava a diocese, ‘et iste episcopu Petro’. O bispo Pedro tinha, segundo os monges, excomungado um clérigo deles em S.Cucufato por ele não lhe querer dar jantar, ‘prandium’, coisa que o bispo não podia exigir, porque nunca tal se dera. ‘Et omnes episcopi deambulant per istum forum’. E todos os bispos deambulavam por estes caminhos, eram todos iguais, concluíam os monges negros.
            
Receariam eles, ao elaborar este memorando, que a história se repetisse? Receariam eles, que os seus problemas viessem de novo a ser resolvidos pelo bispo a seu favor e proveito e contra eles, monges de Lorvão? Ou teria o memorando sido elaborado com o propósito de provar a alguém, talvez ao seu próprio abade, que não se podia confiar em Pedro Soeiro? Talvez os monges pressentissem no abade um propósito de acomodação com o bispo, e pretendessem mostrar-lhe o perigo de confiar nele. Fosse como fosse, o documento mostra que no mosteiro reinava mal-estar e desconfiança.
      
       O citado memorando é o único documento mostrando a questão do mosteiro do ponto de vista dos seus monges. É possível que tenham existido outros documentos pertinentes, mas só este se conservou no arquivo de Lorvão. Seguem-se-lhes os documentos que dizem directamente respeito ao processo de alienação em l206.
            
Em um primeiro documento, lê-se queo bispo de Coimbra participava aos fiéis, que o abade Julião lhe fizera espontaneamente entrega do seu mosteiro, e que abade e monges se tinham retirado para o mosteiro de Pedroso. Tendo o mosteiro de Lorvão, em consequência dessa saída, ficado desamparado, ele instalara lá monjas da ordem de São Bento. De São Bento, note-se, não de Cister.
            
O bispo fazia notar que, mesmo que abade e monges não tivessem renunciado espontaneamente ao mosteiro, ele poderia ‘licitamente’ ter tomado conta do mesmo, considerando a vida dissoluta dos monges e a dilapidação que eles faziam dos bens monásticos: ‘eorum vitam dissolutam et dilipidationem rerum eusdem monasterii’.5
            
          Temos pois o mosteiro abandonado por seu abade e monges - de sua livre vontade, ou não - as chaves depositadas nas mãos do bispo de Coimbra e monjas da ordem de S. Bento instaladas por este em Lorvão. Neste documento não se menciona a rainha D. Teresa, mas a transferência para as mãos desta deve ter sucedido muito pouco depois. Há dois documentos que tratam especificamente da entrega do mosteiro à Rainha. Em um deles, uma carta dirigida de novo aos fiéis, o bispo de Coimbra participa que instalara monjas beneditinas em Lorvão, e que concedera o mosteiro à rainha D.Teresa, já que não lhe era possível tratar pessoalmente da sua recuperação.
            
       A par desta comunicação, há uma carta dirigida pelo bispo a D. Teresa. Nessa carta, ressalvam-se os interesses dos bispos de Coimbra: o Bispo espera que a Rainha saberá recuperar os bens mal alijados do mosteiro, e pôr também ordem nas propriedades sobre as quais a Sé de Coimbra tinha direitos. O Bispo declara-se convicto de que a Rainha se aconselhará em tudo com ele, e que agirá sempre sob a sua autoridade, ‘vos autem cum consilium et autoritate nostra mittetis ibi ordinem’.6
            
      Outro documento pertinente é a carta pela qual os bispos de Lisboa, do Porto e de Lamego confirmam canonicamente a entrega do mosteiro de Lorvão a D.Teresa. Com essa confirmação - que subsequentemente não provaria tão válida como os bispos garantiam que era - confirmava-se, no ano de l206, a transferência do mosteiro de Lorvão para a filha de D.Sancho I.
      
       Não há nesta ocasião menção da ordem de Cister, sendo a Rainha instituída como padroeira dum mosteiro onde residiam monjas beneditinas. Em nenhum dos citados documentos se encontra referência a D. Sancho I. Pelo que, em princípio, seria lícito concluir, que o rei não tivera parte actuante em todo este processo. Uma atitude neutra de D. Sancho em tão magno assunto não parece provável, e há um documento que prova a sua participação. Trata-se do depoimento de alguns monges de Lorvão, no qual, respondendo a uma pergunta do bispo do Porto, declaram não terem sido violentados nem por D.Sancho nem por sua filha para os obrigar a saír do mosteiro. É uma prova - se bem que indirecta - que a opinião pública ligava as pessoas de D.Teresa e de seu pai ao caso de Lorvão, e que suspeitavam de ambos. D.Sancho influi muito provavelmente na saída dos monges. O que ele, à partida, talvez ignorasse, era que D.Teresa projectava filiar o mosteiro à ordem de Cister. É sabido que D.Sancho considerava exagerados os bens acumulados pelas ordens religiosas e pretendia diminuí-las. Não fazia sentido, espoliar os monges negros, que espalhavam os bens monásticos em vendas a particulares, indo ao encontro dos desejos seus, para em seguida os substituir por monjas da poderosa ordem de Cister. Que se encontrava em franca ascendência, gozando da devoção e da generosidade dos fiéis. E que se pretendia independente de todos os poderes laicos, tanto de reis, como de bispos, só reconhecendo a autoridade papal. O mais provável é que D.Sancho I ignorasse originalmente o propósito ‘cisterciense’ de D. Teresa, que ele, igual a outros pais daquele e de outros tempos, não conhecesse todos os pensamentos da filha. Quanto ao bispo de Coimbra, sabia que D.Teresa estava, tal como suas irmãs, sinceramente empenhada em obras de religião, podia pois esperar que ela, não só lhe ficaria grata, como se aconselharia com ele no que dissesse respeito à administração do mosteiro, do qual a fizera padroeira. Também o Bispo devia ignorar o propósito de futura afiliação daquele grande mosteiro a Cister.
            
     D. Teresa foi portanto instalada em Lorvão como padroeira de um mosteiro de monjas beneditinas. Mosteiro que devia administrar o melhor que pudesse e soubesse. Convicta da validade do seu patronato, D.Teresa empenhou-se de imediato na reaquirisição de bens alienados. A nova padroeira teria então à volta de vinte-e-seis anos.
            
     Porém, os monges destituídos não se tinham conformado com a sua sorte. Era verdade, como afirmava o bispo de Coimbra, que o abade Julião lhe entregara voluntaria-se espontaneamente o seu mosteiro, mas em breve se veio a arrepender de o ter feito. Muito pouco tempo depois da saída do mosteiro, ele, abade Julião, e os seus monges tinham iniciado diligências junto do Papa contra a entrega do seu mosteiro. E já na Páscoa de l206 existia uma comissão papal - composta do bispo de Zamora, do deão do cabido dessa Sé, e do abade do mosteiro galego de Moreirolas - para examinar a causa de Lorvão. A comissão convocou abade e monges a comparecer perante ela. O que estes propositadamente, afirmavam os inquiridores, iam protelando. Quando finalmente se apresentaram, recusaram ouvir a sentença papal que a comissão lhes apresentou. Bem aconselhados por homem de leis, os monjes, - que ainda se intitulavam monges de Lorvão, ‘que se dicent de Lorbano’- alegavam que os seus conselheiros, seus ‘provatores’, os tinham aconselhado a não quebrar o selo de rescrito papal, visto o mandato da comissão já ter terminado, e o documento não ter portanto validade. O bispo de Zamora era da opinião que se devia pura e simplesmente confirmar a posse do mosteiro à rainha D. Teresa, e manter lá as monjas recém-instaladas. Escrevia nesse sentido ao Papa, acrescentando porém, que nem todos os inquiridores pensavam como ele: o deão da sua Sé, por exemplo, não se queria pronunciar sobre o caso.
            
    Passam alguns anos, as duas partes mexem os seus cordelinhos, e, em Julho de 1211, há sentença apostólica e instruções sobre a forma de a executar. A execução era confiada ao arcebispo de Compostela, que seria coadjuvado pelo bispo de Lamego.
            
   A sentença admitia a restituição do mosteiro aos monges, mas em condições duma subtileza diabólica. A restituição fazer-se-ia, explicava o arcebispo de Compostela ao bispo de Lamego, não para ‘cómodo’ dos monges e em seu favor, mas sim em ‘desfavor’ dos poderes laicos e para dar satisfação aos homens das Ordens: ‘restitutionem non fit in favorem vel commodum monachorum, sito in odium potentie laicalis, et ut viris ordini satisfacit’. 7
            
Em conclusão: 

      o abade e os monges seriam restituídos ao seu mosteiro na sua totalidade, e isso pela mesma razão por que antes se procedera à sua destituição, ou seja, para impedir que se dilapidassem os bens monásticos. Porém, visto estar provado que os monges tinham sido expulsos por dissiparem esses bens, havia que providenciar a que no futuro não o pudessem fazer. Para isso proceder-se-ia da seguinte forma: primeiro seriam removidas do mosteiro, com toda a decência, as monjas que lá se achavam. Os monges seriam então restituídos ‘ad plenum’. Uma vez introduzidos no mosteiro, o Abade e os seus monges seriam reinstalados em sua posições e dignidades. E isso tanto no coro, como no cabido, como no claustro, como em todas as oficinas do mosteiro. Também se lhes faria entrega de todos os ornamentos da igreja e de todos os instrumentos de administração, tanto na cozinha, como no celeiro, como nas outras dependências. Juntamente, porém, seriam instalados no mosteiro alguns guardiões diligentes e fieis - ‘custodis aliquis diligentis et fidelis’ - que teriam à sua guarda tudo o que fosse restituído. Tanto o prior - o segundo homem depois do abade - como todos os outros oficiais poderiam, caso assim quisessem, regressar à administração, por nada do mundo se lhes confiaria qualquer decisão. Se os monges pretendessem administrar o mosteiro - e sempre, tanto Abade como monges, por via dos ministros guardiães - podiam fazê-lo, guardando, tanto na conduta como no traje, os preceitos da Ordem beneditina: O Abade mandaria nos monges, estes obedecer-lhe-iam e respeitá-lo-iam e, tanto os ministros como os guardiões, honrariam o Abade como seu abade. Todavia, caso o Abade quisesse conceder a alguém alguma coisa do mosteiro, ninguém o poderia aceitar, a não ser que o recebesse da mão dos referidos guardiões. As ovelhas, os bois, e todo o gado do campo, e todos os homens das granjas seriam restituídos ao mosteiro, mas tudo seria devidamente conservado. Do vinho que se produzisse e das outras espécies fornecer-se-ia à casa aquilo que fosse considerado necessário para sustento de abade e monges. Por fim ainda se estipulava, que, no caso dos monges se conservarem no mosteiro naquelas condições, eles teriam de acarretar com o débito deste, ou seja, com os gastos entretanto incorridos na manutenção do mosteiro. Também caberia então aos monges pagar as despesas que tinham tido com as suas deslocações a Zamora e outros locais.
      
            Havia evidentemente que ponderar a hipótese dos monges não aceitarem a restituição. Suposição mais que provável com o mosteiro transformado numa virtual prisão, e abade e oficiais superiores sem qualquer poder de decisão. O arcebispo estava tão convencido da não-aceitação, que no final da carta ao bispo de Lamego já lhe dava as necessárias instruções para o caso de assim suceder. Recomendava que se preparassem cuidadosamente os destinos dos monges, para não suceder serem enviados para mosteiros que não os pudessem ou quisessem receber. Quando fossem definitivamente conhecidas as casas que os seus destinos, elaborar-se-iam os respectivos itinerários, para que cada monge soubesse o caminho que devia seguir.

Caso os monges decidissem de facto sair do mosteiro, as monjas beneditinas que aí se encontravam, poderiam ficar no mosteiro. No entanto, a rainha D. Teresa poderia, se assim o preferisse, instalar lá monjas de outra ordem.

A sentença alcançava magistralmente todos os seus objectivos. Fazia-se a restituição do mosteiro aos monges, dando-se razão a estes e desrazão à Rainha. Satisfaziam-se portanto os homens das Ordens. A restituição era porém proposta em condições tais, que não era, nem a favor, nem para cómodo dos monges – ‘non sit in favorem vel commodum monachorum’ - já que estes eram praticamente obrigados a desistirem dela. Por último, visto os legítimos direitos dos monges serem de facto reconhecidos, a Rainha era obrigada a pagar as despesas por eles incorridas na defesa dos seus direitos, o que representava uma bofetada a D. Teresa, e que era, como se pretendia, ‘in odium potentia laicalis’.
            
          Em posse destas instruções, o bispo de Lamego reuniu as partes litigantes na Sé de Coimbra, e logo após essa reunião, que se realizou no dia 6 de Julho de 1211, o Bispo partiu para Lorvão. De lá enviou aos fieis da diocese de Coimbra uma detalhada comunicação de tudo aquilo que se passara na Sé e, subsequentemente, no mosteiro de Lorvão. Os fiéis ficariam a saber, escreveria ele, que as partes em litígio tinham ouvido a sentença apostólica, e que, após muitas altercações, se chegara finalmente a um acordo. Primeiro, a Rainha tinha pago a abade e monges 500 auros para as despesas por eles contraídas em Coimbra, Zamora, Roma, Santiago e outros locais. Depois disso, ele, Bispo, quisera restituir os monges ‘ad plenum’, como lhe fora ordenado. Mas abade e monges tinham declarado espontânea e unanimemente, ‘una ora una voce’, em presença de muita gente ali reunida, que desistiam da restituição.
             
        Em consequência disso, ele, bispo de Lamego, fora a Lorvão - onde de presente se encontrava - e, com todo o decoro, removera do mosteiro as monjas beneditinas, que ali se encontravam. Pagara as dívidas e fizera os necessários arranjos para se poder instalar no mosteiro uma comunidade de cerca de quarenta monjas cistercienses. Uma vez isso feito, reconduzira ao mosteiro as monjas beneditinas, instituindo-as agora, com permissão do Santo Padre, segundo os preceitos da Ordem de Cister. 8
            
            As primeiras monjas de Lorvão foram portanto aquelas mesmas religiosas que o bispo de Coimbra lá instalara em 1206. Que então eram beneditinas e que, em 1211, mudaram de observância, passando a ser cistercienses. Sem dúvida a gosto e pedido da rainha D.Teresa.
            
            Com estes documentos fica relativamente bem comprovada a forma como se deu a transferência de poderes em Lorvão. Há no entanto aspectos da questão, que os documentos não abordam, e não explicam. Não explicam, sobretudo, como fora possível que um importantíssimo mosteiro de homens fosse confiado a mulheres. A resposta está na novíssima posição alcançada pelas mulheres face à vida religiosa. ‘Vida religiosa’ entendida no sentido que então se lhe dava, de serviço de Deus ‘em religião’ , ou seja, dentro de uma Ordem.
      A partir de meados do século XII e prolongando-se pelo século XIII, dera-se em toda a Europa uma verdadeira explosão de fervor ‘religios’ nas mulheres. Fervor tão expressivo, que se pode falar de movimento religioso feminino. Caracterizava-se por aspiração religiosa ‘regrada’, ou seja dentro de uma Ordem, juntamente com um pronunciado desejo de independência face ao domínio masculino nesse campo. O movimento abrangeu mulheres de todas as condições e impôs-se às autoridades civis e clericais, que, a gosto ou contragosto, papa, bispos e reis, se viram forçados a ter em conta as mulheres ‘em religião’. As enérgicas filhas de D.Sancho I, D.Teresa, que tomaria conta de Lorvão, D.Sancha, que acarinhou as ‘mulheres santas’ de Alenquer e fundou as Celas de Coimbra, e D.Mafalda, que restaurou Arouca, foram em Portugal as legítimas representantes do ‘feminismo religioso’ do século XIII.
            
         Ao ser posta a questão de sanear Lorvão, aquilo que anos atrás seria inconcebível, instalar lá mulheres em vez de homens, foi considerado normal e aceitável. Havendo uma mulher de grande posição - o que era importante - interessada em administrar o grande mosteiro, não era de estranhar que o padroado lhe fosse confiado. Também não podia ter espantado que a Rainha tivesse filiado o mosteiro à Ordem de Cister. D.Teresa era uma mulher esclarecida, pragmática, moderna. Cister estava na moda. Era a mosteiros de Cister que afluíam as dádivas dos fiéis, neles que professavam as filhas das grandes famílias. Sob o padroado de D.Teresa,o mosteiro de Santa Maria de Lorvão só podia ser o que foi, um mosteiro de monjas cistercienses. 

                                     (continua)




1 Fortunato de Almeida HISTÓRIA DA IGREJA EM PORTUGAL-I-128
2 BRANDÃO, frei António CRÓNICA  DE  D. SANCHO Iº
3 COCHERIL, Recherches sur l'Ordre de Citeaux, 1960
4 T.T. COL. ESP. LORVÃO-10-36
5 T.T. Col. Esp. Lorvão-10-30
6 T-T. Col. Esp. Lorvão -10-36
7 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-26
8 T.T. Col. Esp. Lorvão -10-26

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