3) A revelação de um retrato

>> segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Por ocasião do 4º centenário da publicação dos Lusíadas a Biblioteca Nacional organizou uma exposição de retratos de Camões. Em gravura, pintura e medalhística. Entre as pinturas figurava um pequeno quadro mostrando um homem sentado a uma mesa de pau, “No lado direito da mesa, várias folhas de papel, manuscritas, na primeira das quais se lê ( invertendo a pintura), Canto X…”. O homem tinha cara sulcada, cabelo e barba hirsutos. O retrato era, lia-se, de “Luís de Camões na prisão de Goa”.
A Drª Antonieta Soares de Azevedo revelara o retrato na revista Panorama n.º42/43, da IV série, num artigo no qual dava conta do estudo exaustivo que fizera do quadro. Não restava dúvida a quem a lesse, que aquele homem magro e feio, sentado à sua tosca mesa de pau, era o verdadeiro Luís de Camões.
….e foi do próprio…
A autora baseava a sua convicção em dístico que se lia no verso do pergaminho, que dizia em letra coeva: “Luís de Camões preso e tendo aos pés quem quis perdelo. Pintado na India e foi do próprio.” Por baixo dessas linhas havia um sinal que a Dr. Antonieta não conseguia identificar. Quanto à proveniência do pequeno quadro também havia informação. Em etiqueta colada sob o primeiro dístico lia-se em letra cursiva de fins do séc. XVIII: que pertencera ao “Sr. Marquês de Sande” e que à data o seu possuidor era o 5º conde da Ponte.
Acontecia, escreve Antónia Soares de Azevedo no seu artigo, que se publicara recentemente uma biografia do referido marquês. A biografia desse diplomata da Restauração (da autoria de Theresa S. de Castello Branco) era muito completa, e lia-se nela que o marquês deixara uma grande colecção de pintura. Seria natural, argumentava Antonieta Soares de Azevedo, que se mencionasse naquele contexto a existência de um retrato do poeta. Ora isso não era o caso. Porquê? Pela irreverência da representação do grande poeta? Era mais um dos mistérios que rodeavam a pessoa de Camões.
José António Saldanha de Meneses e Sousa, que era conde da Ponte pelo seu casamento com D. Leonor de Saldanha da Gama Mello e Torres, herdeira do título, deve ter encontrado o retrato de Camões entre os bens de sua mulher. Homem culto, seria um dos fundadores da Academia das Ciências, o conde reconhecera o interesse daquela pintura, e decidiu identificá-la. Argumentou provavelmente que aquilo só podia ter pertencido a pessoa de reconhecida formação intelectual, e na família quem melhor correspondia a esses requisitos era o marquês de Sande e 1º conde da Ponte. Espanta que não tivesse sentido a necessidade de apoiar a sua afirmação em dados concretos. Tivesse ele consultado o arquivo da família de sua mulher, e nele especificamente os papéis do marquês de Sande, e teria podido constatar que neles não existia menção de retrato de Camões.
A Drª Antonieta Soares de Azevedo fala de mistério, de mais um dos mistérios que rodeiam a pessoa de Camões. Não era mais um mistério, era uma desinformação.
Quando a Drª Antonieta Soares de Azevedo publicou este artigo eu estava há muito a tratar da organização do arquivo Ponte, e no decorrer dessa organização encontrara em inventário - alheio à família - a menção de um “retrato do Camõens”. Na altura notei o dado, mas não o considerei de grande importância. Era, e ainda sou, ignorante em problemas camonianos, ignorava que a menção documentada de um retrato do poeta era sempre de interesse e devia ser comunicada. Fui muito criticada por essa omissão, que tratei de remediar logo que soube da existência de um retrato de Camões que tinha uma ligação à casa dos condes da Ponte. Já não bastava porém revelar o documento em questão, havia que explicar a razão de este se encontrar no arquivo Ponte, falar do homem a quem o retrato pertencera, e, se possível, estabelecer a ligação que podia ter havido com o poeta.
Fiz uma comunicação na qual dei conta das conclusões a que tinha chegado, e a comunicação foi publicada pela SNI. Creio que já não devem existir exemplares. Eu própria só tenho um. Tirarei dele algumas das conclusões a que cheguei sobre um dos possuidores do retrato de Camões na prisão de Goa.

2 comentários:

Maria Amélia 14 de fevereiro de 2012 às 12:57  

Foi um 'achado| - como dizemos aqui no Brasil - quando nos deparamos com algo que nos é útil. simpático, divertido e, sobretudo, instrutivo. Assim é seu blog para mim. Diariamente tenho lido suas apreciações e idéias que está me permitindo apreciar.Encontrei-o de uma maneira curiosa, ao pesquisar a |opera omnia| de Dante Aliguieri. Caminhos indiretos para achados gratificantes. A maneira literária de narrar fatos corriqueiros, faz seus escritos serem apaixonantes. Minha admiração e carinho. Maria Amelia, desde o Rio de Janeiro

Anónimo 20 de fevereiro de 2012 às 10:41  

Obrigada pelo comentário, Maria Amélia. Gosto de saber que fui um ‘achado’. Entrei na blogolândia um pouco a rir, a pensar o que faria eu ali, uma idosa entre a miudagem. Mas estava ‘entre livros’, precisava de ter onde escrever. A minha editora não se mostrou interessada em livro sobre livros, um semanário também não. Decidi-me pelo blogue. Teria onde escrever sobre livros, leitores, leituras e anexos. Como tencionava evitar temas polémicos e seria fatalmente um pouco antiquada, não podia contar com muitos leitores, mas a isso estava habituada, e alguns sempre seriam. E são. Um dia um antecessor seu disse-me que estava aprendendo comigo. Já tinha um leitor. Fiquei contente. Como fiquei agora quando li no seu comentário que o blogue lhe é útil, e que vai ler todos os textos. Lembro-me bem dos dois primeiros, da maioria dos outros já me esqueci, nem sei se às vezes me repito. Se um dia quiser comentar algum deles cá estou para replicar. Um abraço da Theresa

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