6º Planos nacionais de leitura

>> sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Publicaram-se recentemente em vários jornais artigos laudativos sobre os resultados do “Plano Nacional de Leitura” lançado há dois anos. Consta que “a leitura está a ganhar cada vez mais espaço nas escolas” e que “as crianças estão a ler mais, e isso contribui para a melhoria dos seus resultados escolares” (Publico. Artigo de Barbara Wong). Quero crer que assim é. Não tenho filhos em idade de aproveitar com esses planos, mas sigo o assunto com o interesse que merece, e há dois anos, a 2 de Junho 2006, pouco depois do dito plano ser anunciado, escrevi a minha filha o seguinte sobre o referido plano:
“Todos os anos por esta altura vem à baila a LEITURA, e a falta de leitura, e a promoção do amor à leitura etc. Desta vez reuniu-se uma comissão para promover a LEITURA, e a comissão deu a luz o “Plano Nacional de Leitura”. Segundo o dito Plano, as crianças vão ter uma hora diária de “leitura” durante os primeiros quatro anos de escola. Nos anos seguintes a hora de “leitura” será semanal. Ora por mais que digam aos meninos, que aquilo é para eles aprenderem a gostar de ler, e é tão divertido, os meninos não deixarão de achar que é mais uma aula. ...............É evidente que é bom cultivar o gosto pelo livro, mas não se consegue com “planos”. Há pessoas, grandes e pequenas, e de todos os estratos sociais, que, muito simplesmente, não gostam de ler. É o que diz José Saramago com outras palavras. Todos os anos, quando nasce a questão leitura, o escritor é ouvido, e todos os anos dá essa mesma resposta e eu, com pouco gosto, encontro-me – deve ser a única vez - ao lado de Sua Excelência.
Dito isto, passo a outro aspecto da notícia: o local escolhido para o anunciar. Como vê pela fotografia que junto, o “Plano Nacional de Leitura” foi anunciado ao mundo na sala da biblioteca da Ajuda. Para isso deve ter sido fechado o acesso aos leitores – que não serão muitos, mas existem – o que não é normal, tratando-se de uma biblioteca pública. Ou seja, na mente dos elaboradores do plano, era preciso ilustrar o Plano, era preciso dar-lhe uma imagem, um pano de fundo, de seriedade intelectual. O que mais indicado do que anunciar o plano em uma biblioteca? Alguém deve ter sugerido a biblioteca da Ajuda. A biblioteca tem poucos leitores, o nome soava bem, dava a nota de seriedade intelectual requerida, os media decerto focariam a história da biblioteca, lembrariam Alexandre Herculano, D.Pedro V. Vá para a biblioteca da Ajuda.”
Até aqui a carta à minha filha.
E para quê anunciar publicamente coisa tão natural como um projecto de promoção de leitura nas escolas? pergunto-me eu. E porquê numa biblioteca publica? Nos respectivos ministérios não faltavam decerto espaços adequados para elaborar um plano e para o participar. Só a triste ambição de espantar o ignorante, podia levar àquela aberração, que é fechar a sala de leitura de uma biblioteca para anunciar um plano de leitura. Os frequentadores de bibliotecas de referência como é a da Ajuda são pessoas que se deslocam à biblioteca por terem lá o material de que precisam para o trabalho que estão a fazer, não é admissível que se lhes feche a porta, e provavelmente - ou me engano muito - sem os avisar previamente.
Ainda quero admitir que o anúncio do “Plano” se tenha feito depois da hora de fecho da sala de leitura. Se assim foi, a decisão não deixa de ser ridícula, pueril, mas pelo menos não se prejudicaram os potenciais leitores.
Se, pelo contrário, a sala de leitura se fechou mesmo, então aqueles que tiveram a ideia, estavam a desprezar aquilo que apregoavam, o livro, a leitura. Provavam que não percebiam de leitura. Um leitor não fecharia uma biblioteca sem uma muito plausível razão, e anunciar um plano, mesmo um plano para “promover a leitura”, não é razão.
Não sei se de 2006 para cá houve outros planos de promoção de leitura na camada juvenil da população, mas este ano há pelo menos uma medida nesse sentido. Anunciou-se que ao entrar na escola cada um dos pequenos alunos receberá um livro. Óptimo. Era de prever que se lhe acrescentaria qualquer coisa “instrutiva”, e assim foi. Tanto quanto percebi, a criança receberá, junto com o seu livro, uma etiqueta, que colará no livro, e na qual deverá marcar a data em que começou a ler o livro e a data em que o acabou. Para a sacro-santa estatística, já se vê. Não há pachorra. Deixem a criança ler ou não ler. Deram-lhe um livro de presente, não deram? O livro agora é dele, não é? É! Os senhores não têm nada com o que ele faz ou deixa de fazer com o seu livro. E vamos a ver se o recebe, e quando o recebe.

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