Ir às fontes

>> terça-feira, 13 de abril de 2010

Quando me meti a escrever história, descobri uma coisa inesperada. Descobri que a leitura dos documentos, nos quais me iria basear para escrever o livro planeado, que essa leitura era para mim um constante divertimento. É verdade, que, para os livros históricos que escrevi, consultei em geral documentos escritos à mão, e que, talvez por isso, visse sempre a mão do homem por detrás de pergaminho ou papel. Senti-me sempre próximo do feito que se registava no documento. Tanto quando, para a biografia de um militar e diplomata da Restauração, lia cartas, comunicados, actas de reuniões, missivas diplomáticas do século XVII, como quando, anos depois, li os pergaminhos dos séculos XIII e XIV, e, mais recentemente, li as cartas e missivas. E até as contas dos capitães do século XVI.
O documento medieval é particularmente vivo. O notário acompanhava o feito in loco. Quando no século XIV, a abadessa do mosteiro de Lorvão vai em pessoa tomar posse pelo seu mosteiro de uma almoínha, da qual o rendeiro não entregava a renda, o notário estava presente e anotou devidamente que dona abadessa pegara em terra e partira ramo de planta e galho de árvore, em prova de que aquela terra era sua, de seu mosteiro. E quando duas monjas do mesmo mosteiro vão a uma terra, que o mosteiro o mosteiro sabia ser sua, e o prior do Crato afirmava que era do seu priorado, pois lá estava o notário e anotando como as monjas tinham varrido o trigo no terreiro, e como um delas se sentara em cima dos fardos para demonstrar que aquele trigo era do mosteiro. E quando as freiras de Chelas contratam um caminheiro para levar a Roma as queixas que tinham do bispo de Lisboa lá estava o seu notário para redigir o contrato, e anotar como tudo se passara. A saber : que o contrato fora feito no cais do Furadouro, dali, onde ancoravam as naus de Flandres, e que o mensageiro recebera a missiva que devia entregar e o dinheiro para a viagem, e que pegara no bordão e se pusera logo a a andar, como ´homem caminhante.´ Com o que ficava bem testemunhado que ele fora pago e que aceitara o encargo.
Os documentos valem por aquilo que o pesquisador neles sabe ler. Naquele caso, estava a escrever sobre a vida da monja medieval portuguesa, centrando-me sobretudo na história de Santa Maria de Lorvão, o documento de Chelas fez com que procurasse saber o que se fazia em Lorvão quando as monjas mandavam recados para fora do reino. Não encontrei contratos celebrados com caminheiros. Do que presumi, que Lorvão enviava a essas missões alguém que estava ao seu serviço para o efeito.
Outra pessoa, que lesse o mesmo documento, tiraria dele outra informação, faria a partir dele outro raciocínio. Mas tínhamos ido à mesma fonte.
Os historiadores do século XIX descobriram que para escrever história do passado, havia que consultar os documentos originais desse passado, que havia que ir às ‘fontes’. Ignoro quem cunhou a expressão, mas dificilmente se encontraria melhor forma de designar a consulta documental para um livro de história. Há que ir às fontes.

1 comentários:

Carolina 18 de janeiro de 2011 às 20:36  

A frase é de Erasmus, o qual dizia e muito bem "ite ad fontes".

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