Ironia. Aspas ou ponto de exclamaçao?

>> segunda-feira, 13 de abril de 2009



Aspas ou ponto de exclamação?
Quando eu andava na escola, usava-se nas escolas alemãs um livro, conhecido pelo “Lange” ( do autor, que se chamava Richard Lange), que continha exercícios para ensinar de como aplicar as regras de gramática, de sintaxe etc. Eu adorava o Lange, era com verdadeiro entusiasmo que me lançava naqueles exercícios. Passar frases do presente para o ‘Plusquamperfect’ – era assim que em alemão se dizia do ‘mais que perfeito’ - encaixar as frases secundárias nas principais, que delicia! E os sinais de pontuação! Quando pôr o ponto de exclamação, quando usar aspas, etc. Visto isto, não é talvez de espantar, que me viesse agora esta curiosidade pela história da escrita e as subtilezas dela. E lá voltamos à leitura silenciosa.
No livro sobre a história da leitura, de que falei num anterior post, o autor, H.J. Griep, escreve que nos primeiros anos da Roma Imperial se dera um aumento de leitores, mas que a leitura ainda não devia ser fácil para a maioria dos romanos, que aqueles que sabiam ler, o faziam murmurando, e que a leitura totalmente silenciosa devia ser ainda muito rara.
Para os que dominavam a técnica, a forma de o fazer dependeria da situação em que o leitor se encontrava – se em lugar publico, se privado - e, sobretudo - da forma em que estava escrito o texto que ele estava lendo. Se este “era todo escrito em maiúsculas, como sucedia em avisos públicos de qualquer sorte, a coisa não seria difícil. Mais difícil era a leitura dos rolos de texto, e dependia muito da forma da letra usada.” (Griep)
Em alguns dos volumes - volumina - os textos eram escritos em parte em cursivo “ou seja algumas palavras eram escritas juntas, sem que se seguisse uma regra certa”, e tanto produtores comerciais como copiadores privados colocavam a seu gosto sinais, “interpunktiones”, entre as palavras, indicando a pausa que na leitura em voz alta aí se devia fazer.
Grieb pensa que os leitores mais experimentados deviam preferir um texto neutral, no qual eles próprios podiam intercalar sinais que os ajudassem na leitura.
O ponto parece que foi o primeiro sinal a apontar. Que vem de muito longe. A simpática vírgula terá aparecido por volta do séc. VII da nossa era. De aí para diante foram nascendo e se estabelecendo os numerosos outros sinais, e com a descoberta da impressão instalaram-se definitivamente os sinais de pontuação que todos conhecemos. Que continuaram a ter por unico objectivo o de ajudar “fisicamente” a leitura. Parece que só em fins do século XVIII se reconheceu verdadeiramente a importância que os sinais de pontuação tinham para a melhor compreensão de um texto. Surgiram as primeiras obras de regras para o emprego dos sinais.* (sobre este aspecto da questão: www.la-ponctuation.com/histoire-ponctuation.html)
Levara-se séculos e séculos para ali chegar, mas finalmente lá se estava, O autor do texto podia exprimir melhor os seus pensamentos, fazer alusões, reforçar afirmações, etc Qualquer um, pensador, poeta, romancista, todo o comum mortal, que quisesse dar a entender a outro por escrito aquilo que lhe diria por palavra, passou a ter as necessárias ferramentas e regras para o fazer. Com um pouco de jeito, podiam-se transmitir de autor a leitor as mais variadas subtilezas.
Tome-se, para o exemplificar, o caso da ironia. É extremamente difícil de “dar a entender” - quer por escrito, quer por palavras – que, quando escrevemos ou dizemos isto ou aquilo, estamos a “ironizar”.
Que a ironia consiste em dizer o contrário do que se está pensando, simultaneamente dando a entender que não se quer dizer o que se está pronunciando, creio que todos sabemos. Raras vezes porém se frisa que a ironia não existe verdadeiramente sem parceiro, que precisa de parceiro que entenda que estamos a dizer uma coisa, e que na realidade pensamos o contrário do que estamos afirmando, que estamos “a ironizar”, que estamos “só a brincar” Não tendo à nossa frente quem esteja na mesma onda que nós, a coisa não é entendida.
Um exemplo. Um politico está em conversa com outro político. Acabaram de obter um exito magistral. Um diz ao outro: “como eu odeio a politica!” A sua expressão facial dará naturalmente a entender ao outro, que quer dizer o contrário, que está a “brincar”, mas o outro nem precisaria de lhe ver a expressão para perceber que o colega pretende dizer o contrario. Porque ambos estão na mesma onda.
Mas alguém que os oiça, que não esteja na mesma onda e que não faça ideia do que seja ironia, poderá tomar o dito à letra, e se for jornalista, escreverá com convicção no seu jornal: “o senhor ministro XX declarou ontem publicamente que odeia politica”.
Outro exemplo, mais comezinho: ao almoço, em minha casa, aparece um assado que cheira a esturro. Desculpo-me às minhas convidadas: “desculpem, o chefe não está nos seus dias”. Como as convidadas são minhas sobrinhas, percebem que o chefe é a empregada a dias. Percebem, porque me conhecem, e sabem que sou useira e vezeira desse tipo de ironia, de exagerar por ironia. Uma desconhecida que por acaso me ouvisse, podia pensar que a minha cozinha era presidida por cozinheiro de barrete branco na cabeça.
Em resumo: ironia falada completa-se quando quem a ouve está na mesma onda e quando é alguém que sabe o que é ironia e a aprecia. Ironia precisa de parceiro certo.
E quem diz ironia falada, diz ironia escrita.
Queremos dar a entender a outro, que certa frase ou palavra que escrevemos tem outro sentido: ou que é o contrário do que afirmamos, ou que com ela exagerámos ou a qualidade, ou o tamanho, ou a quantidade de determinada coisa? Colocamos a palavra, a afirmação, entre aspas, ou fazemo-la seguir por uma série de pontos de exclamação ou de pontinhos. Se o leitor estiver na nossa onda, perceberá a nossa intenção, perceberá que se trata de ironia. Se não o estiver, ou não souber o que seja ironia, não nos entenderá. Ironia pede sintonia nos conhecimentos.
Veja-se o que se passa com a nossa Europa nas mãos de Vasco Pulido Valente.
Vasco Pulido Valente tem imenso dó da velha Europa, escreve: “Europa”; VPV acha a Europa um caso perdido, escreve: “Europa”, VPV acha que os portugueses têm ilusões quanto a este continente estar quase unificado, escreve: “Europa”.
Eu entendo a classificação pelo que é, por ironia, mesmo que não concorde e em geral não concordo - com ela. Mas não tenho duvida que muito bom leitor pensa que Europa se escreve agora com aspas
VPV usa aspas para exprimir a ironia, eu também, e até em exagero, segundo me dizem. Um amigo meu usava pontos de exclamação. Três, quatro, mais, por vezes. Fazendo-lhe eu um dia uma observação sobre o seu uso imoderado de pontos de exclamação, ele observou que se comparava favoravelmente com o meu uso demesurado de aspas. Calei-me.
Esse utilíssimo sinal, que por cá se designa por aspas, designa-se em francês por ‘guillemets’, em atenção a mestre Guillaume, impressor do seu ofício, que, em 1523, achando que fazia falta um sinal que sinalizasse uma citação, ou alguma expressão pouco usual, teria inventado esse duplo sinal, que se coloca antes e depois da citação.
Há agora autores que não reconhecem o mérito dos sinais de pontuação, não gostam de aspas, desdenham o ponto e a vírgula, escrevem sem parágrafos, e praticamente sem pontuação. Perdem uma leitora. Eu quero pontos, quero vírgulas, quero parágrafos colocados pelo escritor, não quero ser obrigada a colocar eu as vírgulas e os pontos e os parágrafos. Não vejo razão para me exigirem esse esforço. Ainda admito que não se goste da vírgula, mas quando se trata de parágrafos todo a minha mente, solidamente nutrida de exercícios do Lange, revolta-se. Porque razão havemos nós de regressar à Idade Média em matéria de escrita?
* www.la-ponctuation.com/histoire-ponctuation.html)

Observações à margem
Ainda a ironia
Para exprimir a ironia nem sempre se requerem sinais. Que melhor exemplo do que a primeira frase de “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen: “É uma verdade universalmente reconhecida, que um homem, solteiro, possuidoe de uma boa fortuna, tem de estar à procura de mulher”.

1 comentários:

Anónimo 30 de maio de 2010 às 03:37  

Muito bom Senhora Castello Branco =D.
Gostaria de saber se a senhora publicou algum tipo de livro e se sim poderia me passar o nome?

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