Livros de viagem

>> segunda-feira, 4 de maio de 2009


Livros de Viagem
Há anos um articulista do Diário de Notícias confundia - para grande indignação minha - os livros que se lêem em viagem com os livros que nos falam de viagens. Não desprezo os livros que se compram nos aeroportos para nos entreterem durante a viagem, mas não são eles os "livros de viagem": os relatos de viagens. E de descobrimentos, e de explorações.
Muitos viajantes e muitos exploradores deixaram testemunho escrito daquilo que viram, e fizeram, e sofreram. E porque o fizeram podemos viajar com os viajantes, descobrir e explorar com os descobridores. Assim, vivi os calores húmidos da Amazónia, experimentei as noites geladas e os dias tórridos dos planaltos da Ásia Central. Percorri a rota da seda com as grandes caravanas que iam à China em busca da seda e da especiaria e as traziam para os portos do Mar Negro. Descobri o deserto de Gobi com Sven Hedin, e mais tarde errei durante três anos pela Sibéria com o capitão Clemens Forell, prisioneiro de guerra alemão fugido das terríveis minas de chumbo de extremo leste da Sibéria. De onde ninguém saía vivo. Com Heinrich Harrar, outro fugitivo, estive sete anos no Tibete. Em 1849, coleccionei no Amazonas. plantas e insectos com Henry Walter Bates, e com ele parei em Óbidos e em Santarém. Os de lá, lugarejos ali plantados por portugueses anónimos, saudosos das suas longínquas terras. Em 1832 estive com o capitão Bonneville nas Montanhas Rochosas. Vi as grandes manadas de búfalos nas planícies do oeste americano. Dobrei várias vezes o cabo da Boa Esperança e o aterrador cabo Horn. Com Ibn Batúta, percorri as costas da Índia. Com o piloto Paulo Rois da Costa descobri as costas da Ilha de São Lourenço, com Magalhães circum-naveguei a terra, Fui com Cook à Austrália, e com Darwin aos Galápagos, atravessei a imensidade do Pacífico no Kon Tiki, aportei nas suas ilhas desertas, vi as suas praias e as suas lagunas. Atravessei a África com Ivens e Capelo. Vivi as perigosas calmas e as terríveis tempestades de todos os mares. Fiz incómodas viagens de comboio com Bill Bryson. Viajei calma e pachorrentamente a pé, a cavalo, em caleche, comboio e automóvel por terras de Portugal, Alemanha, Castela.
Conheci descobridores, exploradores e naturalistas, viajantes de estudo e de recreio, viajantes fugitivos e pacatos viajantes nas suas terras. Acompanhei a todos desde o momento da sua partida. E até vivi interessada os preparativos da viagem. Viajei muito. Vi muito. Sem sair de casa. Devo-o aos livros de viagem. Tenho alguns e espero escrever sobre eles em mais pormenor no andamento deste blogue. Considero a literatura de viagem uma das leituras mais satisfatórias entre tantas outras.

Observações à margem
Na mesa em que escrevo tenho um globo terrestre. Coisa modesta, globo de escola. Tenho um globo, sei quando se fez o primeiro globo, mas não pensara até hoje no que a visão de um globo teria significado para quem o viu pela primeira vez.
Em “The last voyage of Columbus” o autor, Martin Dugard, lembra que foi em 1493, ano em que Colombo regressou da sua primeira viagem, que um homem chamado Martin Behaim produziu o primeiro globo. A noção da terra ser redonda já era geralmente aceite, mas era ainda um conceito abstracto. “O globo de Behaim iria permitir, tanto a pensadores como ao comum mortal, ver o mundo de forma táctil, tridimensional”, escreve Dugard.
Martim Behaim, alemão, natural de Nueremberga, vivia em Portugal onde constituíra família, casando com uma senhora dos Açores. Em Nueremberga dizia-se que ele fazia parte dum grupo de homens encarregado pelo rei de Portugal de estudar os problemas de ordem científica da navegação e, em 1492, a cidade convidou-o a fabricar um globo terrestre. Já que ele não se cansava de afirmar que a terra tinha a forma duma esfera, pois então, que mostrasse como era, Nueremberga pagava.
Cidade aberta às grandes questões culturais e científicas do tempo, cidadãos e governadores da cidade rivalizavam uns com os outros no patrocínio das manifestações culturais. Em 1492, Hartmann Schedel, autor da Crónica Nurembergensis, obra também ali patrocinada e produzida, escrevia à margem de um dos seus livros uma pequena nota com o título: "De Globo sperico terre", onde falava do fabrico do globo por Martim Behaim, dando a entender que ele próprio participara no estudo que se fizera antes de passar à composição final e que a sua biblioteca estivera à disposição dos estudiosos. Nela tinham sido consultados, escrevia Schedel, cosmógrafos antigos como "Strabone, Pomponio Mella, Diodoro Siculo, Herodotus, Plinio secundo Novo(comensi), Dyuonisio etc," e modernos, tais como "Paulo Veneto, Petro de Eliaco (sic)" assim como os peritos do rei de Portugal, "et peritissimis viris regis Portugaliae".
Parece que há erros de distâncias no globo de Behaim, e é disso que em geral se fala. Em Portugal o homem era invejado, incomodava, e a coisa perdurou. O que importava era apontar os erros nas distâncias geográficas do seu globo. Mas o globo como objecto não mais se deixou de fabricar, e ainda hoje não há melhor forma de visualizar o mundo de terra e mar em que vivemos. Eu tenho o meu.

Das cartas à minha filha
8 de Novembro 1999
“Há dias comprei através do catálogo do Carlos Bobone dois livros óptimos. Ele não tem obras de bibliófilo, mas nos catálogos tem coisinhas variadas e muitas vezes com interesse. Um dos livros que comprei chama-se ‘The Naturalist on the Amazone’ e é da viagem e estadia de 12 anos de Henry Walter Bates, um naturalista inglês, na Amazónia no fim do século passado. A edição é de 1914 e é da EVERYMAN'S, que, apesar de ser para divulgação popular, imprimia em papel fino e bom. É interessantíssimo e as descrições são óptimas. O texto é acompanhado de pequenas gravuras tiradas do original. Confirmam aquilo que acho há muito tempo, ou seja, que os desenhos daqueles viajantes, na sua simplicidade. são mais elucidativas - ou melhor, mais evocativas - do que as maravilhosas fotografias de agora.
O outro livro é uma história da arqueologia, que ainda não comecei.

17-X-2008
“Através do catálogo da Livraria Académica do Porto comprei ........ e um livro de outra qualidade, o “Naturalist on the Amazon and the Rio Negro”, de Alfred Wallace. É uma óptima edição fac-similada do original de 1848 quando a Europa queria saber como eram as coisas em outros continentes, e, oficial e particularmente, se exploravam as terras desconhecidas. Havia mecenas que, não podendo eles ir, mandavam outros para lhes contar como era aquilo por lá. O autor deste livro colecciona animais que prepara para os museus londrinos. É agradável ler de insectos de todas as cores, tamanhos, e maior ou menor perigo para o homem, sem ter contacto directo com eles. Outros viajantes contam aventuras, este passeia-se pelas aguas do Amazonas e Rio Negro, bebendo chá e apanhando borboletas, e até agora não sofrendo grandes perigos.

2 comentários:

Anónimo 7 de maio de 2009 às 14:20  

nnnn.

Anónimo 11 de fevereiro de 2010 às 20:26  

oi, sou de óbidos no norte do Pará, onde Henry Battes colecionou insetos, adorei o relato dele e por algumas coisas não mudaram.
angele angee.br2@gmail.com

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