A ‘velha’na literatura

>> terça-feira, 1 de junho de 2010

Toca o telefone. Desejam que me pronuncie sobre determinado produto. Respondo que já ultrapassei a idade de dar opiniões. “E não há aí alguém de 68 anos?” perguntam-me. “Não tenho a certeza, mas vou ver”. Desliguei, rindo. Pergunto-me se terei falado com um idiota ou com alguém com graça, com sentido de humor. Espero que fosse o último.
Gostaria de saber em que dados se terão baseado as agências de publicidade para concluírem que, passados os 68 anos, os velhos não têm capacidade de opiniar sobre papel higiénico ou detergente?
A história fala dos conselhos dos velhos, cuja opinião era a ultima palavra. Nos mosteiros femininos medievais, a abadessa convocava o conselho das anciãs quando havia assunto difícil a resolver.
Na literatura, que afinal procura recriar a realidade, a mulher velha pode ser má, mas raras vezes é estúpida. O tipo da ‘velha’ é aliás um dos tipos da literatura. Ou seja, literariamente, a mulher velha interessa. Ela encontra-se em contos e romances. E quase sempre como figura activa. Nos contos, é mais vezes bruxa má do que bondosa avó. Inclinada, apoiada no seu pau, arguta, capaz de prever o futuro, de adivinhar intenções. Assustadora. Foi assim que os contistas do passado viram a mulher velha.
Quando os irmãos Grimm percorreram a Alemanha à procura de velhos contos, era de preferência a mulheres idosas que se dirigiam. Sabiam que elas recordavam. Que tinham em alto grau essa faculdade.
A literatura, grande e pequena, tem construído histórias sobre a mulher velha que recorda.
Muito recentemente ouvi o Dr. Henrique Monteiro, director do Expresso, ser entrevistado sobre um seu romance, creio que o primeiro, intitulado ‘Toda uma vida’, no qual o autor faz reviver a história do século passado através da vida e das recordações de uma mulher velha.
Eu fiz o mesmo, e também no meu primeiro romance, se bem que o segundo a ser editado. Servi-me da figura de uma velha senhora para reconstruir o passado. O passado de uma família.
Já não era uma jovem quando escrevi ‘ A Morte de uma senhora’. Henrique Monteiro não é um jovem. Penso que a mulher velha não é personagem para autores jovens.
Creio que é preciso uma certa maturidade para poder – e querer – criar uma obra sobre a pessoa de uma mulher velha. Ou mesmo para a incluir entre as figuras secundárias dos seus livros.
Mas não faltou quem delas tratasse. Quem as achasse ‘interessantes’. Recordo, nos livros alemães do romantismo as avós bondosas e acolhedoras, não me esqueço da avelha camponesa russa que esperava a passagem dos comboios que levavam os prisioneiros para a Sibéria, para os confortar com a sua bênção. Das velhas francesas lembro-me de camponesas, duras, rancorosas, implacáveis.
O romance policial não se esqueceu delas. Surgem em muitas das investigações do inspector Maigret. Vê-mo-lo mais de uma vez confrontado com a astúcia e a força de uma velha mulher.
Astúcia e força são também as faculdades que Agatha Christie atribuie à sua Miss Marple. Velha, frágil, mas forte. E que recorda. Que resolve os problemas com o uso da sua memória e conhecimento dos homens.
A longevidade da mulher distingue-a do homem. Este desaparece, ela vai ficando. Velha, frágil, mas forte. Teimando em viver, reconfortante e incómoda, como aquela velha Bibiana do ‘Tempo e o Vento’ baloiçando-se na sua cadeira, observando os novos repetir as asneiras dos seus predecessores.

1 comentários:

Anónimo 8 de junho de 2010 às 13:26  

Ola Tia Teresa, so para lhe dizer que continuo leitora fiel...gostei bastante deste uso de "velha", eu tb acho isso : velha = a experiencia, sabedoria, sempre a ultima palavra era a da Avo.
Bjnhs Sofia

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