VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº XV A VISITAÇÃO

>> quarta-feira, 20 de abril de 2016


De tempo em tempo batia à porta do mosteiro uma cisita muito especial: o ‘visitador’. Vinha conversar com a abadessa e as monjas, examiná-las, averiguar como estavam as coisas lá dentro. Vinha fazer a 'visitação'. No fim da sua visita, o visitador redigia uma acta, composta a partir dos apontamentos que seu secretário fizera durante a visitação. As actas dos visitadores – as que existem, porque muitas foram destruídas - são uma importante fonte de informações sobre a vida religiosa, moral e material dos mosteiros.

O Bispo Visitador
A forma de a fazer a visita obedecia a regras preestabelecidas. A abadessa do mosteiro que iria ser visitado, recebia, com certa antecedência um aviso do visitador, participando a visita e anunciando a data desta. Permitia desta forma que no mosteiro se arrumasse a casa e que as religiosas se preparassem mentalmente para as questões que lhes seriam postas, e aquelas que elas se propunham apresentar. O visitador e o seu séquito eram recebidos à porta do mosteiro pela abadessa e pelas principais oficiais. Dirigia-se depois para a igreja onde fazia uma curta oração, e em seguida era conduzido cerimoniosamente à sala de capítulo. Ou à outra dependência, que naquele mosteiro servisse para as reuniões capitulares.




Sala do Capítulo Lorvão
O visitador fazia ali uma primeira exortação – um ’capítulo’ - de admoestação e de exortação. Ou seja, dirigia-se às religiosas reunidas em capítulo, lembrando-lhes a obrigação de aceitarem a visita, e de colaborarem com os visitadores.
A cantor-mor devia então ler a acta da visita anterior e a ‘forma visitations’, o documento no qual se expunha a forma de fazer a visita. Uma vez terminada a leitura, o visitador lembrava às religiosas a obrigação de obedecerem ao espírito da visita, denunciando os males que porventura existissem no mosteiro e apontando todas as deficiências por elas observadas. Normalmente seguia-se a inspecção dos locais, primeiro a igreja e a sacristia, depois os dormitórios, e todas as outras dependências e oficinas do mosteiroA esta primeira parte da visita, toda ela dedicada a aspectos materiais, seguia-se a parte espiritual e moral da visitação, com o interrogatório à abadessa, oficiais, e todas as outras monjas. Havia sido preparado um local adequado onde se instalava o visitador com o secretário que o acompanhava e lhe servia de escrivão. E que tinha jurado guardar segredo de tudo que viesse a ouvir. Sentava-se à mesa preparada para o efeito, abria o livro das actas, aparava a pena.
O escrutínio começava pela abadessa seguida de todas oficiais e monjas. Instadas a falar, aquelas senhoras não se coibiam. Falavam, queixavam-se, acusavam. O secretário escrevia, o visitador ouvia. Quando um caso tinha de ser mais aprofundado, chamava-se de novo alguma das monjas para ser interrogada sobre esse caso em particular.
Se as monjas tinham a razão de queixa da sua abadessa, queixavam-se ao visitador quando este vinha à sua anual visita. Este senhor daria o devido desconto a uma queixa, mas quando as queixas se multiplicavam, tomava a coisa a sério, e fazia severas recomendações à abadessa.
O bispo de Viseu, D. Jorge de Ataíde, fez severas reprimandas à abadessa do convento de Santa Eufémia de Ferreira d’Ave, quando da sua vissitaçãi; ‘achamos por visitação, que abadessa não toma conselho, e leva a mal quando lho dão. Mandamos-lhe que se emende, aliás procedemos contra ela como desobediente e dissipadora do mosteiro’ A partir do que ele ouvira e vira, e do que apreendera da leitura e consulta dos livros da casa, o visitador tirava a sua conclusão e ditava ao secretário a ‘Acta da Visitação’. Acta que no fim da visita era lida à comunidade, chamada de novo, ‘por campa tangida’, para a sala do capítulo.
Para que as recomendações feitas na Acta não fossem esquecidas, esta devia ser periodicamente relida, função que cabia à cantor-mor. Se o Visitador encontrara tudo em bom estado, despedia-se da comunidade com um ‘Omne bene’ e, sendo caso para isso, tinha alguma palavras de louvor O direito de visitação ao mosteiro por parte da autoridade eclesiástica estava estipulada nas constituições, e diferia de Ordem para Ordem, e até de mosteiro para mosteiro.
O visitador podia ser o bispo da diocese, e podia ser um religioso superior da Ordem à qual o mosteiro pertencia. Ou era, como se dava nos mosteiros cistercienses, o abade da casa que se dizia ‘mãe’ do respectivo mosteiro. A abadia de Alcobaça era filha da abadia de Claraval, e era mãe do mosteiro de Odivelas. O abade de Alcobaça era visitado pelo abade de Claraval e, por sua vez, visitava Odivelas. No caso de Lorvão, já se disse que a rainha D.Teresa filiara o mosteiro directamente a Claraval. Lorvão era portanto visitado directamente pelo Abade de Claraval, ou por alguém por este nomeado para o efeito. Um documento, datado de 1273, resolvendo um diferendo entre os mosteiros de Arouca e de Lorvão, atesta que nesse ano os dois mosteiros tinham sido visitados pelo então abade de Claraval.
A autonomia dos mosteiros cistercienses em relação aos bispos das suas dioceses não era por eles apreciada, e, por mais de uma vez, eles tentavam impor a sua visita. Pelo menos aos mosteiros feminino da Ordem. No caso de Lorvão não consta que o tenham conseguido.

            Além dos cistercienses, havia outros mosteiros de mulheres dispensados da visita episcopal. Dispensa que tinham obtido por privilégio papal, ou por outra forma, e que sabiam defender. O mosteiro de Chelas defendeu-se por mais de uma vez da visitação do seu convento pelos bispos de Lisboa, a quem não reconheciam esse direito. Uma grande contenda deu-se no século XIV, entre 1350 e 59. O bispo de Lisboa visitara, indevidamente, na opinião das Donas de Chelas, o seu mosteiro, e as religiosas avisaram o Bispo, que se queixariam ao Papa se o caso se repetisse: Escreveram nesse sentido ao bispo: ‘Receosas de ser agravadas no futuro por vós, Reverendo em Cristo, pai e senhor, Lourenço, pela Graça de Deus e da Sé apostólica, Bispo de Lisboa, como é evidente pela vossa intercessão, que na véspera fizeste ao dito mosteiro; aquela visitação, e o modo da visitação excedendo contra a Regra da dita Ordem e costumes do próprio mosteiro’ etc. Nova querela dá-se em 1426. As donas de Chelas mandam um emissário a Roma para levar à mais alta instância eclesiástica a sua queixa contra D. Jorge, bispo de Lisboa, que pretendia que elas lhe pagassem visitação, o que o bispo, segundo elas, não lhes podia exigir por elas estarem isentas disso por privilégio antigo do Papa.

No mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde, as monjas negaram-se a receber a visita do Bispo de Ceuta, nomeado por D. João III para visitar e reformar os mosteiros de religiosas em Portugal. Era uma visitação um pouco diferente das outras. O bispo apresentou-se diante do mosteiro, acompanhado do corregedor e de outras entidades, e a visita foi-lhe negada de maneira pouco cortês. Como se fica a saber pela carta que o bispo dirigiu nesse mesmo dia ao rei. Ele e os seus acompanhantes tinham-se aproximado da porta do mosteiro, escreve o bispo. As freiras tinham vindo à janela, e ele, Bispo, tentara fazer-lhes ver razão: ‘eu lhes disse muitas coisas mui mansamente. Que quisessem ir à grade da igreja para ele lhes fazer algumas perguntas e que então poderiam dizer o que lhes aprovasse’. As religiosas tinham respondido, que já haviam dito e mandado dizer, que não abririam qualquer porta, nem da igreja, nem do convento. Que ouvissem pelo menos as cartas apostólicas que ele tinha na mão, insistira o Bispo, entregando as cartas ao corregedor para este as ler. O homem começara a leitura, mas não se conseguira fazer ouvir, as freiras berrando que não queriam ouvir as ditas cartas.
O Bispo dera-lhes então três horas para lhe abrirem as portas e o receberem, caso contrário as excomungaria. Mas não acreditava que a ameaça as fizesse ceder, escrevia ele ao rei: ‘creia Vossa Alteza que elas não hão de abrir’. As portas estavam fechadas ‘com travessas de dentro e pregos grandes cujas pontas saem fora’, acrescentava ele. Sua Alteza que lhe dissesse se queria que se quebrassem as portas ou não.1 Estas revoltas eram excepecionais, mas existiram, e existiram em particular em mosteiros femininos.

Uma obra do século XVI, o relato da visita que o abade de Claraval fez a Portugal em 1533, e do qual adiante se trata, narra vários casos de Visitação mal recebida




 4 B.N. Visitação de D. Jorge d'Athaide. COL.POMBALINA, 741
Peter Whitfield  History of European Art
1 T.T. Corpo Cronológico. Mº 10, Nr.135

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