Ficção cientifica e eu

>> segunda-feira, 21 de setembro de 2009



Há umas semanas, sugeriram-me aqui que lesse livros de ficção cientifica. Argumentando eu que para a leitura desse género de livros seria decerto preciso ter algumas bases científicas, JPC, o leitor que me fizera a sugestão, assegurou-me que não, que qualquer um se podia abalançar.
Não me convenceu. Contudo, analisando as minhas qualificações, constatei que não era totalmente desprovida delas.
Sabia o que era um telescópio! Tinhamos um em casa de meus pais, já que o meu pai era um entusiasta de astronomia. Desde pequenos que meus irmãos e eu éramos chamados para observar através do telescópio uma especial constelação. (Que eu em geral não via.) No colégio alemão, o nosso professor de física, era outro entusiasta de astronomia, e o ano escolar não passáva sem uma ou duas noites de observação dos astros.
Numa viagem a Alemanha o nosso pai achou imperativo que eu e o meu irmão, então de 7 e 8 anos, fossemos a um planetário. Fomos a um planetário.
A escola organizava conferências para os alunos. Numa dessas conferencias conheci Hanna Reitsch, que pilotou o primeiro V2 como piloto teste de Werner v. Braun. Nem todos os leitores de ficção cientifica se podem gabar de tal.
Os discos voadores também não tinham segredos para mim. Um dia, num fim de tarde, quando ainda não havia a ponte sobre o Tejo, atravessando o rio num cacilheiro, e estando o meu carro virado para os lados de Cascais, vi no céu, vindo em nossa direcção, desaparecendo depois por entre as nuvem, uma coisa que parecia um disco amarelado. “Tem piada, pensei, então é a isto que se chama um disco voador”. Comentei-o com o meu marido e amigos e passei adiante.
Considerando tudo isto, fiquei mais tranquila. Tinha afinal alguns conhecimentos que me pareciam necessários para enfrentar aquele género de literatura.
Mas precisava de saber um pouco mais. JPC sugerira que eu lesse um artigo elucidativo sobre Jack Vance, que recentemente saira no New York Times. Li o artigo com interesse, mas Ainda achei pouco. Consultando a respectiva bibliografia, comprei o “Billion Year Series ” de Brian Aldiss, do qual o New York Times Book Review escrevia que se tratava de um estudo cuidadosamente pensado desse ramo, das suas origens, do seu impacto e das suas falhas.
Li, e abriram-se-me os olhos.
Fiquei a saber que era a uma mulher que cabia a honra de ter escrito o primeiro livro moderno de ficção cientifica. Que fora Mary Shelley, mulher do poeta desse nome, quem criara Frankenstein e o seu monstro. Não foi muito seguida, foram autores masculinos que tomaram conta do género, e não foram poucos e de pouca imaginação. Até Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes tentou o género, e o seu “The Lost World” é, segundo Aldiss, além de ficção cientifica, uma das grandes historias de aventura.
A história trata da descoberta pelo professor Challenger e seus companheiros de um enorme vulcão na bacia do Amazonas em cuja cratera, sobrevivia um fragmento do mundo pré-histórico: tribos da Idade da Pedra, homens macaco, dinossauros etc.
Júlio Verne penetra na terra no seu ‘Voyage au centre de la terre” e outro autor encontra sob a terra um corredor no qual vivia uma antiqíssima e curiosíssima civilização.
Mas foram sobretudo as viagens à lua, com estadias mais ou menos longas, que atraíram autores. Brian Aldiss conta pelo menos 250 relatos de idas, chegadas, estadias e encontros de viajantes terrestres que se aventuraram a visitar o nosso amável satélite. Curiosamente os autores falam pouco dos lunáticos.
Entre 1879 e 81 o astrónomo italiano Schiaparelli observa umas estranhas linhas no planeta Marte. Designaram-se essas linhas por ‘canais’, e ninguém duvidou que havia naquilo mão de homem. Marte passou imediatamente a ser procurado por exploradores terrestres, e os artefactos voadores nos quais estes senhores se aventuravam eram dos mais variados.
O corajoso tenente Gulliver Jones, criado por Edwin Lester Arnold, lançou-se no ar em tapete mágico impulsionado por “wish”, ou seja ‘desejo’.
Em “Across the Zodiac” de Percy Greg, publicado em 1880, a coisa é mais ‘científica’. “É possivelmente a primeira viagem inter-planetária realizada por uma nave espacial” escreve Aldiss. “Tal como J. Verne, Percy Greg cria complicados factos e figuras para a sua nave. Esta até está munida de um rudimentar sistema ‘hydroponico’ (?) para reciclar o ar e orgulha-se de paredes de metal de três pés de espessura ”.
O turismo entre Marte e terra tornou-se intenso. Retribuindo as visitas dos terrestres, surgem na terra os ‘marcianos’, entes estranhos, de preferência verdes, às vezes com escamas e em geral com olhos em forma de bolas de ping-pong dos lados da cabeça. Parece que só um autor alemão, Kurd Lasswitz, no seu “Auf zwei Planeten”, “Em dois planetas”, publicado em 1897, encontrou em Marte habitantes mais atractivos, um deles, o engenheiro Fru, tinha cabelo encarniçado. Um critico citado por Aldiss, escreveria que o autor dos “Dois Planetas” evitara nessa matéria os exageros da maioria dos autores que escreveriam depois dele.
Vivendo numa era de convulsões sociais, os autores destas obras davam a muitas das suas histórias uma nota de empenho social. Humanizavam as obras da sua imaginação, “usando o futuro para espelhar os males do presente”, escreve Aldiss. Com o resultado, de que histórias fantásticas, que aos nossos olhos, parecem destinadas a rapazes adolescentes, entusiasmavam igualmente as grandes crianças, que eram os seus pais.
A ficção cientifica sempre construíra as suas obras do futuro a partir daquilo que de momento se sabia, e, quando, com os avanços tecnológicos, muito daquilo que havia sido imaginado, se tornou realidade, os autores de ficção cientifica já não podiam impunemente ignorar os dados científicos básicos. O que, naturalmente iria fazer – e fez - as suas obras de mais difícel leitura para quem não possuísse um mínimo desses conhecimentos.
Era o meu caso, mas apesar disso, lancei-me finalmente na leitura de ficção cientifica. Para iniciação quis obra que fosse de um dos melhores autores do género. Pedi ao meu genro, conhecedor na matéria, que mo escolhesse. Escolheu “Rendez-vous with Rama” de I.F. Clarke, que se anunciava desta forma:
“Rana é uma enorme, estranha, nave espacial, que penetrou o nosso sistema solar. Um cilindro perfeito, de 50 km de comprido, rotando rapidamente, correndo através do espaço. Rama é uma maravilha tecnológica, um artefacto estranho, mistérios e profundamente enigmático. É o primeiro visitante vindo das estrelas e tem de ser investigado.”
Basicamente a história é simples. No ano de 2130 apareceu no céu um objecto que os cientistas identificam como uma nave espacial extra-terrestre. No Quartel General Planetário situado na Lua, reúne-se um conselho extraordinário de embaixadores dos planetas habitados, e a decisão é unânime, aquela estranha nave tem de ser abordada e estudada. Para o efeito nomeia-se o comandante Norton. Seria ele quem chefiaria uma equipe de especialistas da sua confiança. Até aqui tudo bem, isso até eu percebia. Norton tem uma mulher na Terra e outra em Marte, o que também aceitei, era lá com elas. Não me pareceu que a esposa de Marte fosse marciana, e ninguém me explicava o que sucedera aos primitivos habitantes dos planetas agora habitados por gente cá deste planeta. Mas conheço a história, sei como essas coisas se passam. Os meus problemas surgiram quando se entrou em astronomia, astro-fícia, e tecnologia avançada, o que naturalmente sucedeu com a aproximação da ‘nossa’ nave à outra nave. Quando se tratou da entrada nela não percebi como é que abriram aquilo que eu chamava porta, mas que tinha outro nome. E com a exploração do interior de Rana, a coisa piorou. Eu comparava tudo o que os exploradores encontravam com aquilo que havia cá na terra, e achava isto por cá bastante melhor. Não percebia porque seria que os habitantes da nave, umas curiosas criaturas feitas de uma substância que me parecia plástico, mas não era, como e porquê eles não falavam, mas estavam sempre a limpar os detritos de alguma coisa que caísse, ou se desfizesse. Uma torre de vidro na qual se amontoavam os mais diversos objectos, e que deu muito que pensar ao comandante Norton e seus companheiros, era afinal - concluíram eles - um depósito de ‘saber’. Comparei a torre da sapiência - desfavoravelmente - com a minha Enciclopédia.
Enfim, dera-se o que se devia dar. Percebi que os meus conhecimentos não chegavam quando se tratava da actual ficção científica. Que não era já unicamente uma despretenciosa fantasia, mas sim uma ficção em que as historias podiam ser, e eram, fantasiosas, mas em que os problemas suscitados eram cientificamente correctos, e a forma de os solucionar era - tinha de ser – de forma e com técnicas adequadas àquele problema imaginário.
Ora eu não só não percebia os problemas suscitados, como nunca me conseguia convencer da realidade da aventura. Nunca – como sucede em livros de aventura – esperei pela consequência que logicamente seguiria um perigo sucedido, o que pensava para comigo era: “o que irá ele (o autor) agora inventar para resolver isto?” O meu realismo terra a terra não me largava, procurava soluções terra a terra para problemas astrais, e - crime imperdoável - aquilo às vezes dava-me vontade de rir. Sucedeu às vezes, não muitas, mas algumas.
Tive de concluir que ficção cientifica não era para mim. E atrevo-me a pensar que, apesar de ter havido uma Mary Shelley e de haver agora algumas escritoras que se lançaram neste género, que, apesar disso, a ficção científica é mais apreciada por leitores masculinos, do que por mulheres, por muito leitoras que estas sejam.
Não foi no entanto inútil a experiência. É verdade que não me interessa conhecer o futuro e o que se possa sobre isso inventar, porque tenho a certeza que isso – felizmente – não se conseguirá. Mas gostava de saber se neste universo há mais alguém do que nós, e creio que isso, sim, um dia se poderá vir a saber.
Sobretudo foi bom ser levada de novo a pensar no que representa o céu estrelado que nos ilumina, e que as estrelas que hoje brilham nos enviaram a sua luz há biliões de anos e podem já não existir.
Aprendi alguma coisa com o que li, e se não fiquei adepta de ficção cientifica, percebo que seja escrita e apreciada.

1 comentários:

Theresa Castello Branco 21 de setembro de 2009 às 10:18  

Imagem.
Esqueci-me de explicar o seguinte
A imagem que ilustra este artigo é a de uma placa de bronze com aplicações de oiro que aparenta representar fenómenos astronómicos e que é considerada a mais concreta representação antiga do céu. A placa foi encontrada no dia 4 de Julho de 1999 em Nebra na Saxónia.

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