ANOTAR.

>> terça-feira, 16 de março de 2010

Quando um dia, no muito longínquo passado, nas margens do rio Tigris, ou talvez do Eufrates, alguém pegou num pedaço de barro húmido e riscou nele três riscos verticais e os cruzou com risco horizontal, ele estava a “anotar”. A sua memória já não seria já o que fora, e precisava de recordar que já fora pago de três ovelhas que vendera. Ou talvez que comprara. Anotou-o. Pôs o pedaço de barro ao sol, e adormeceu tranquilo à sombra da palmeira.
O tempo passou, as coisas evoluíram, já não anotamos em bocados de barro. Agora anotamos em elegantes livros de notas, que nos oferecem, ou, mais vulgarmente, nas costas de sobrescritos ou outros pedaços de papel. Eu sou uma grande anotadora. Sucede que nem sempre consigo decifrar o que anotei. No caso que me ocupa isso não sucede. Não tenho dúvida que “ 3 Jli.G.!!!” quer
dizer que emprestei três livros ao meu irmão G, e que preciso de lhe lembrar esse facto.
Livro emprestado não volta a casa sem ser lembrado. Até aí tudo bem. Só que as coisas mudaram depois da nota. Agora vou pedir a devolução de livros que não vou poder ler. Para quê então querê-los de volta? Não se trata de obras de valor, e, a avaliar pelo tempo que G as conservou, o meu irmão deve gostar delas. E eu não as vou ler. Pois é. Não as vou ler, mas elas vão estar nas minhas estantes, e ao pegar nelas vou saber o que lá está escrito. Agora é assim que leio. E o que dizer daqueles espaços nas estantes que clamam por serem preenchidos? Não há que hesitar. Com as devidas atenções para não o ofender – “ eu já devia saber que ele não precisava de ser lembrado” - mansamente, mas teimosamente, vou obedecer à nota: :”3 li.G !!!!” . Se o anotei foi porque a coisa era para ser lembrada.
E os livros não só se lêem, pegamos neles, folheamos, alguma palavra conseguiremos ler, e as capas. Que bonitas capas, e as lembranças, “é verdade a este comprei ali, a este em Paris e julguei comprar uma pechincha quando afinal lhe faltavam páginas. Já o devia ter despachado. Mas para onde? Enganando outro? Não é o meu género. Furiosa, contemplo-o. A “Guerra e a Paz” de Tolstoi numa edição linda, e tão barata. Só que lhe faltam páginas. Não o vou ler. Mas vou-me lembrar. E de resto: há a obra em audi- livro. Já anotei.

1 comentários:

Anónimo 18 de março de 2010 às 14:01  

Olá Tia Teresa, ainda bem que podemos contar outravez com o seu blog. Parabéns, fiquei muito contente. Um bj Sofia CB

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Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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