E porque nao um blogue?

>> segunda-feira, 9 de março de 2009


28 E porque não um blogue?
Todos os bloguistas tiveram decerto a sua especial razão para entrarem na blogo-esfera, e hoje vou falar da minha razão.
Não sei o que faríamos sem frases banais para começar artigos.
Há anos, quando um escritor tinha alguma coisa a dizer, mas não havia quem fizesse o favor de o ler, o autor, mais ou menos desanimado, punha o seu textozinho ‘na gaveta’. Era a expressão usada. Também havia, e creio que ainda há, uma expressão para dizer que o autor está momentaneamente incapaz de começar, continuar, ou terminar a obra prima que está ideando ou elaborando. O autor está ‘bloqueado’. Eu vivo de momento as duas situações. Tenho textos ‘na gaveta’, e tenho um livro preparado, estudado, pronto para ser redigido, que pretendo intitular “A curiosa história da Crónica de Zurara”, e que não consigo começar. Estou portanto também ‘bloqueada’.
Não me faltam escritos prontos: um livro histórico, que está à espera de editor --e os editores não pulam de entusiasmo perante livros de história -- um romance histórico (que eu adoro) a publicar em breve pela Presença - antigamente dir-se-ia que estava no prelo, ou seja na prensa, hoje já não deve haver prensas, e quanto a sair em breve, também é força de expressão - e ainda tenho, como disse, um texto ‘bloqueado’. Pois foi ao tentar mais uma vez pôr aquilo em letra redonda, e quando mais uma vez não o consegui, que me lembrei desta coisa que se chama blogue. Porque não escrever uma série de artigos sobre temas literários e lançá-los na tal blogo-esfera? Talvez desbloqueasse, e decerto haveria uma ou outra alma que me lesse.
Telefonei ao senhor Casaca. O senhor Casaca vive em Sesimbra, têm aí o seu escritório, e é perito em Macs. Sempre que preciso de dar um passo em frente nesta nova arte, dou uma lição com o senhor Casaca. Lição interrompida com fascinantes relatos da pesca ao largo do Cabo Espichel, porque o senhor Casaca, filho de pescador, é pescador ao domingo. E pesca pargos que são a minha inveja. Eu tenho pouco a contrapor, mas sou tratada por Doutora - o que não sou - e me dá uma certa auréola de sapiência. O senhor Casaca não ficou tão espantado com o meu projecto como eu pensava, mas avisou-me dos perigos.
--Que perigos?
–Ah, a doutora sabe lá.
Mas não era preciso preocupar-me, se algum insulto, ou comentário pouco decoroso surgisse em resposta a um dos meus artigos, o senhor Casaca apagaria o escrito infame.
--E o perfil?
--Que perfil?
--Assim como a doutora é.
Quem me lesse, perceberia que perfil era o meu, respondi.
Fotografia é que tinha de ser.
Pois vá pela fotografia.
A composição não nasceu de um momento para o outro, esperei um mês, quase dois. Aproveitei para me inteirar do que se fazia por aí em matéria de blogues literários, e constatei que na sua maioria estes se dedicam à critica ou análise de livros. Alguns textos excelentes, aliás. O que me confirmava no propósito de abordar os mais variados temas literários, talvez até do que entendo por critica, mas de, pessoalmente, evitar um tema que me assusta. Perante a abundância de blogues literários, pensei mesmo em desistir. Quem me iria ler? Mas não pensava eu o mesmo, sempre que escrevia um livro? E não continuava a escrever? Pois então. Porque não ir em diante com o blogue?
E, finalmente vi-me perante a amostra do meu futuro blogue - composição do senhor Casaca - muito mais imponente do que eu imaginara, e, quisesse ou não, tive de começar.
Os primeiros artigos foram lidos por alguns indulgentes membros de família – houve logo uns que me comunicaram que adoravam ler – enquanto a mimha filha e as sobrinhas leitoras declararam que esperavam para ver antes de se pronunciar. Mas que não pusesse a fasquia muito alta. Não é coisa que eu costume fazer em matéria literária, e não me desiludi com os poucos leitores que tive de princípio. Agora já tenho mais, mas não muitos, entre quarenta a cinquenta leitores para cada um dos meus artigos, e estou contente.
--Uns míseros quarenta a cinquenta leitores? Muitos deles provavelemente nem lêem, e está contente?
--Estou, sim senhor, e gosto do que faço.
--Porquê?
Foi o que me perguntei a mim mesma. E reparem como consigo resistir à citação óbvia.
Os artigos semanais, por pequenos que fossem, tinham de ser bem escritos e bem estudados, dariam trabalho. Mas isso não me assustava. Eu fui uma daquelas irritantes meninas que há em todas as aulas, que gostam de estudar. Creio que não chegava a irritar, porque era crime que sempre disfarcei, mas a verdade era essa: eu gostava de estudar. Até gostava de fazer os meus deveres de casa. O gosto manteve-se pela vida fora, passei de ser a menina estudiosa, para ser aquela Theresa, que tem a mania da leitura. –O que vale é que o marido também é grande leitor, acrescentava-se.
E agora sou aquela Theresa, a mãe da Isabel, que escreve livros e a quem, além de escrever livros, lhe deu na cabeça ter um blogue. Assim é, e gosto.
Gosto de pensar no artigo que vou publicar na segunda-feira, gosto de o estudar como se dependesse dele ganhar uma fortuna. Faço o possível para que aqueles que me lerem, entendam o que eu pretendo dizer, e até, se possível, se interessem pelo que escrevo.
Pierre Assouline diz no livro que escreveu sobre as experiências com o seu blog “la république des lettres”*, que um blogue é o ultimo salão onde se conversa: “Un blog est un salon. Le nouveau et le dernier salon ou on cause...........” Estava a pensar nos salões do século XVII, evidentemente, ali onde a sociedade francesa elevou a conversação a uma arte. O sentido entende-se: Tal como nos ‘salons’ literários, nos blogues conversa-se. Com uma diferença monumental. Os parceiros de então conheciam-se, na Net, os parceiros de conversa desconhecem-se. Pois sim, mas em contrapartida, o seu número e a sua variedade não têm fim.
Eu conto já entre os meus desconhecidos parceiros com alguém que conversou comigo sobre os Nibelungos, tenho alguém com quem estou falando sobre plágio e com ambos espero vir a conversar sobre outros temas. Pelo amador de um dos meus livros penetrei com ele num blogue muito masculino ali para os lados de Coimbra. Apesar de muito bem acolhida, senti-me um pouco estranha, percebi o que sentiu Alice no paiz das Maravilhas, ao encontrar criaturas de outro mundo, que pareciam do dela. Ou vice versa. Encontrei alguém que – tal como eu - lê livros sobre as batalhas medievais. E com quem espero discutir o assunto logo que tiver lido os livros de que ele me falou. Encontrei alguém que, tal com eu, ia morrendo de rir ao ler a história do tio Podger a pregar um quadro. E ainda outros que me fazem rir com os seus próprios escritos e humor. Conversei – e teria gostado de falar mais - com alguém que tem os mesmos problemas que eu quanto à arrumação de livros. Conversei com alguém que se preocupa como eu com a saúde do comissário Maigret.
Adérito, que ali me introduziu, o simpático e vigilante Cão, Britannicus, Viriato dos Santos, Tinoni, outros ainda, anónimos, ou com nome próprio, foi bom, é bom, conversar com eles.
E o que dizer de ter reencontrado, e com tanto gosto, a autora de um blogue literário, com quem há anos contactara? Devo-o ao fenómeno que é a blogo-esfera.
Quer isto dizer que não preferisse ser publicada em jornal ou revista? Foi hipótese que neste caso não cheguei a pôr, mas, citando Daniel Abrunheiro em comentário que ele me enviou, eu, tal como ele: “prefiro o papel”. Assim como prefiro a leitura com o livro na mão, à leitura no computador. Mas uma série de artigos em blogue não é um livro, é uma conversa. E eu gosto de conversa. De boa conversa. Tenho-a no mundo dos blogues, não a teria em jornais ou revistas

*Pierre Assouline, Breves de Blog. Le nouvel âge de la conversation Les arenes

2 comentários:

Anónimo 10 de março de 2009 às 13:16  

A blogosfera é, de facto, fascinante. Alguma vez me passou pela cabeça que ainda iria conversar, como diz, com a autora de um livro de que gostei tanto, de um livro que já tinha sido objecto de outras tantas conversas com outros leitores? E no entanto, vim cá dar...

Ainda à pouco tempo reli no tal blog de coimbra um texto por lá publicado sobre um quadro do pintor suíço Konrad Witz. Pois bem, surpresa das surpresas, um escritor português, um a sério, como a Theresa, passou por lá e deixou-nos um comment a avisar que tinha acabado de editar um romance sobre o dito cujo quadro. O romance chama-se O Retábulo de Genebra e o seu autor é Sérgio Luís Carvalho. Comprei-o e li-o e gostei muito. Não conhecia nem o livro nem o autor.

Umas vezes lemos um livro e aparece-nos o autor. Foi assim com A Rota da Pimenta. Outra é, ao contrario, é o escritor quem vem dar ao blog. Foi assim com o Sérgio Luís Carvalho.
A blogosfera é, de facto, fascinante...

Chapeleiro Maluco ;)

Anónimo 10 de março de 2009 às 23:01  

E o que dizer da satisfação que uma autora sente quando pode conversar com leitores do seu livro? O livro não foi escrito como experiência, mas escrevi-o na convicção que era a abordagem diferente de uma história conhecida. . Que tanto podia resultar como não resultar. Os factos eram conhecidos e quase todos estavam bem estudados. Mas as pessoas? Quem lê as fontes só se não quiser ver, é que não vê D. Francisco de Almeida, que não vê Afonso de Albuquerque. E que dizer da interacção dos interessses, do seu lado humano? Muito ficou por dizer, por analisar e comentar. Aquela ida final ao Estreito, de que tão pouco tratei, merecia só por si um livro. Digo-o , porque do outro lado está alguém que não me questiona por obrigação - o que aliás praticamente não sudeceu - mas alguém com quem estou conversando.
O caso do quadro de Witz e o romance de Sérgfio Luís de Carvalho (do qual já li uma crítica) ainda é mais extraordinário- Obrigada pelo comentário Theresa S. de CºBº

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Libri.librorum pretende ser um blogue de leitura e de escrita, de leitores e escritores. Um blogue de temas literários, não de crítica literaria. De uma leitora e escritora

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