Numero trinta

>> segunda-feira, 23 de março de 2009


30. Número trinta
.. Parece-me que os artigos dos posts anteriores eram demasiado compridos para o gosto de leitores de blogs. Tento hoje um novo modelo: alguns pequenos artigos em vez de um só.

Darwin
Desde que li a magnífica biografia de Darwin da autoria de Desmond e Moore*, não consigo esquecer que durante os cinco anos que durou a viagem de exploração em que participou, Darwin enjoou praticamente desde o primeiro ao ultimo dia de navegação.
“O objectivo da viagem era de completar a exploração da Patagónia e da Tierra del Fuego, iniciada pelo capitão King (de 1826 a 1830), de fazer levantamentos das costas do Chile e de Peru, e de algumas ilhas do Pacífico, …” , escreve Darwin no seu livro “The Voyage of the Beagle”. Ele ia naquela expedição como naturalista. Tinha vinte e três anos
Mal o ‘Beagle’ tinha largado de Devenport, (junto de Plymouth) que a miséria de Darwin, o seu pesadelo, começara, lê-se na biografia citada. “Charles misery began immediately. Nausea nailed him to the rail, and he spewed his breakfast into the swell………..it was his worst nightmare……….All through the watches he swung violently in his cabin, retching violently..” (pg. 114)
Devido ao mau tempo, o ‘Beagle’ teve de regressar por duas vezes ao porto de partida. Darwin podia ter aproveitado para desistir, podia ter ficado em terra, nada disso, heroicamente, em minha opinião, embarcou de novo. E à mais ligeira brisa enjoava, as náuseas voltavam: “Darwin was nauseous again” (pg. 124)
No dia 16 de Janeiro 1832 o Beagle, que passara as Canárias sem aí poder ancorar, chegou no porto da Praia, em São Tiago de Cabo Verde e Darwin pode finalmente pôr pé em terra firmr. Descreve as suas primeiras impressões: a terra não lhe parece de grande interesse, mas como pode ele apreciá-la? “Como é que alguém, que acabou de por pé em terra. e que pela primeira vez andou por entre coqueiros, pode julgar seja o que for, a não ser a sua felicidade?”. **
A felicidade de ver coqueiros pela primeira vez, e a felicidade suprema de estar em terra firme.
No fim desse ano, tendo atravessado o Atlântico e navegado ao longo da costa da América do Sul, no dia 24 de Dezembro de 1832, o ‘Beagle’ ancorou na ilha do Eremita, no extremo sul do continente, frente ao Antárctico. Levantou de novo âncora na véspera de Ano Novo. O vento virara a sudoeste, e o ‘Beagle’ teve de lutar milha por milha ao longo da costa sul do continente “league by agonizing league” para vencer o cabo Horn. Para Darwin foi o inferno “constantly retching at the rail”, sentia que dificilmente aguentaria aquilo por muito mais tempo.. (pg. 134)
Foi um mártir do enjôo. O enjôo praticamente nunca o largou por completo “He remained a martyr of seasickness, it never let up entirely”. (pg.183) Durante cinco anos!

*Adrian Desmond & James Moore DARWIN Pemhuin Books
** Charles Darwin The Voyage of the Beagle

Preto no branco
Há dias, para festejar o seu 19º aniversário, o director do jornal O Publico cedeu a sua rubrica a António Lobo Antunes, enquanto José Manuel Fernandes publicava como repórter, um artigo intitulado “A mais importante das barricadas: salvar o jornalismo livre etc ....”
De acordo. Mas não esqueçam o aspecto prático da questão. Os jovens são pouco dados à leitura de jornais, não é agora que os vão conquistar. Os idosos gostam de ler diariamente o seu jornal, mas não têm olhos para textos em linhas de minúscula letra cinzenta. E acha porventura a redacção do jornal que os outros leitores lêem com facilidade as suas páginas? O Publico é pródigo em artigos de opinião. Já perguntaram aos leitores em boa idade e com boa vista, quantos desses compactos, cinzentos artigos de opinião é que eles lêem até ao fim? Porque será que O Público não gasta um pouco mais em tinta, e não escreve as suas notícias e reportagens em letras pretas, em vez de cinzentas? E, já agora, em número acima daquele que usa. Assim talvez alguém lesse os seus artigos de opinião. Os quais, com excepção do artigo do fundo, o do director, e os artigos da última página, são de leitura muito pouco convidativa.

Pequenas coisas que incomodam
--Um ministro a dizer “tá bem” e “tou certo”; “tamos decididos a “
--O uso repetido, indescriminado e quase sempre sem sentido de “digamos”, e de “no sentido de”
-O uso inadequado de “Ex Líbris”..
Li há pouco que o elevador de Bica é um dos "ex-líbris de Lisboa". E já li que no Algarve há uma terreola, da qual o senhor Antunes é o ex-líbris.
Ex-líbris quer dizer “dos livros de”. É uma etiqueta, mais ou menos artística, que alguns amadores colam no interior dos seus livros para marcarem a sua posse.
O elevador da Bica não é um ex-libeis de Lisboa, e o senhor Antunes, pode ser, é sem dúvida, uma figura marcante na aldeia de Xis, mas não é o ex libeis dessa aldeia.

Das cartas à minha filha

Lisboa, 24. 6.2002 Uma história americana
“Ontem vi no canal ‘People and Arts’ uma reportagem 100% americana. Era sobre o leilão dos vestidos da princesa Diana, que alcançaram somas astronómicas nos EU. Os compradores contaram o porquê das suas licitações, e uma compradora contou que, vendera acções do seu caderno de acções, e adquirira dez vestidos como investment. Poucos dias depois do leilão, morreu a princesa Diana. A mãe da compradora acordou-a às 4 da manhã, telefonando da Florida para lhe participar o sucedido e recomendar que tomasse bem conta dos vestidos, porque com aquela morte, iriam fatalmente trepar na cotação. Note, que isto era dito pela compradora com a maior seriedade. E informou com a mesma seriedade, que, tendo querido compartilhar os vestidos com os seus conterrâneos, os levara em caravana de terra em terra. Os trajes eram expostos em museus grandes ou pequenos, e mostrados ao público ao som de música sacra, coros religiosos, etc. Acredita-se? Tem que se acreditar, porque eu ouvi. São como nós? Não.

Lisboa, 21. X. 2006 Explicação divina
“Na capa do número de hoje do semanário Sol temos uma fotografia do José Rodrigues dos Santos com o seu novo livro na mão. Não fixei o título, mas sei que explica Deus!! O mundo encontrou finalmente quem em 300 páginas resolva problemas que ocuparam e mistificaram os maiores pensadores. Não tenho duvida que o autor será entrevistado com grande seriedade, que serão questionados teólogos e filósofos - da praça de cá, já se vê – e que todos vão ficar muito contentes com a finesse dos seus raciocínios. Foi escrito em três meses, e tenho a certeza que terá um sucesso doido......”.


Terça-feira 15-01- 2008 Germanos?
“Mandei vir pela Amazon um livro sobre a história dos germanos – ‘Die Geschichte der Germanen’* – em segunda mão (mas impecável) por 11 Euros em vez de 19, que é o custo dele em novo. O livro vem a propósito de eu estar às voltas com a historiografia do século XIX.
Como os reis tinham deixado de contar, e passaram a ser substituídos pelo sentido da nação, toda a gente começou a procurar as suas origens nacionais. Os ingleses descobriram que eram o produto da invasão da sua ilha pelas tribos germânicas dos ‘Angeln’ e dos ‘Sachsen’, os alemães descobriram Tácito e ‘Arminio, o Cherusco’, que na batalha da floresta de Teutoburg derrotara as legiões de Varus e livrara a Germânia dos romanos. Quanto aos franceses, passaram a debater se para eles, gauleses, fora bom ou mau terem sido invadidos no século V pela tribo germânica dos francos. Os historiadores dividiam-se entre aqueles que achavam importante o contributo do ‘germanisme’ e aqueles que achavam que o ‘gaulisme’, com um pouco de romano pelo meio, teria sido suficiente. Antes da guerra de 1870 predominavam os partidários da primeira tese, até porque não queriam perder o seu querido ‘Charlemagne’. Ninguém em França duvidava que este (o ‘Karl der Grosze’ dos alemães), apesar de rei da tribo germânica dos Francos, se sentira tão gaulês como eles. Tivera, é verdade, a sua corte na Alemanha, na cidade de ‘Aachen’, - ‘Aix la Chapelle’ como lhe chamavam - o seu trono ainda lá se via, mas o que era isso? Quando em 1870 outras tribos germânicas – ‘les hordes de barbares’ - invadiram de novo a Gália, os historiadores partidários do ‘germanisme’, renegaram as suas anteriores convicções. Mas ficaram com Charlemagne. É interessante, é divertido, e dá que pensar. E faz-me comprar livros.”
*Arnulf Krause Die Geschichte der Germanen Campus Verlag Frankfurt / New York

Pedido de informação.
Eça de Queiroz fala em um dos seus livros das leituras das jovens portuguesas do seu tempo. Segundo ele, só liam du Terail. Em outra ocasião comenta também as leituras dos rapazes. Mas em qual dos seus livros? Se algum dos meus leitores o souber e mo quiser dizer, agradeço.

10 comentários:

Daniel Abrunheiro 23 de março de 2009 às 12:16  

Talvez nas Notas Contemporâneas ou em Uma Campanha Alegre. Não posso garantir, T.

Anónimo 23 de março de 2009 às 13:44  

T.,nao desgosto do novo formato: em vez de 1 grande artigo - aliàs sempre interessante - pequenas histoorias, criticas e apanhados. E concordo que é triste ouvir e ler o mau portugues dos nossos 'dirigentes'.

Theresa Castello Branco 23 de março de 2009 às 16:35  

Obrigada, Daniel, já encontrei, Pg, 37 do 1º volumw de Uma Campanha Alegre.Mas vou aproveitar para reler as Notas Contemporâneas. Theresa S.CºBº

Theresa Castello Branco 23 de março de 2009 às 17:13  

Anónimo. Obrigada. Vou alternar entre os dois "modelos". Ainda bem que gosta dos artigos Theresa S.CºBº

J 28 de março de 2009 às 14:52  

Excelente série de notas. Mas olhe que isso do formato dos posts acaba por ser um pouco relativo. No meu caso e de outras pessoas que conheço, os textos longos não assustam, seja na net seja nos quatro calhamaços do Don Tranquilo. Haja qualidade. No meu blog, por exemplo, posso não ter muitos leitores, mas tento não me render à ditadura das coisas curtas e da rapidez. Resulta muito bem, claro, sempre que apeteça ao escriba, como é o caso deste post-múltiplo, mas não deixe de escrever as suas preciosas longas, que também têm leitores...

J 28 de março de 2009 às 17:10  

ps: Acima de tudo haja liberdade e prazer. Da escrita e da leitura,no caso. Se cativar muito leitor, tanto melhor; se não, não é tragédia. Tem pelo menos a garantia de que os poucos são bons.

Theresa Castello Branco 29 de março de 2009 às 08:38  

Bom dia, J. e obrigada pelo seu comentário encorajante. Eu fora avisada por leitora amiga de que os meus artigos eram demasiado compridos, e se ela não me convencera totalmente, não deixara de semear a duvida. De ai o modelo B. Agora, perante a sua opinião, posso retomar o modelo A, que é aquele com que me sinto mais à vontade. Sei melhor que ninguém que em artigos de post não se levantam problemas que exijam compridíssimas exposições, abordam-se assuntos e no meu caso, pequenos assuntos literários, mas mesmo esses não os posso despachar em muito poucas linhas. Gostei de saber que tenho leitores ‘bons’, e gostava que me desse o endereço do seu blog. Theresa.

J 29 de março de 2009 às 22:19  

Boa tarde Theresa. Além do Tapor, onde escrevo também escrevo o que me vai na alma, vai ter ao meu blog se seguir o link no J em cima deste comentário.
Quando me referia à liberdade, além do prazer de escrever e ler, referia-me precisamente a essa noção, que tenho como algo bizarra, de que os blogs têm de ser assim ou assado. Tenho para mim que os blogs podem ser o que nós quisermos. E que é claro que num artigo de post se justifica uma longa exposição. Isto é, porque não?
O blog é mais uma forma de expressão, como os livros só que diferentes. Desde logo tem a riqueza de poder combinar texto e multimédia, imagens ou vídeos. E depois tem a maior riqueza ainda de ser o autor a editar e a publicar. E não um qualquer "especialista".
No entanto, se quisermos muitos leitores, como querem por exemplo os escribas de best sellers no universo dos livros, será então aconselhável rendermo-nos a esses ditames do mercado. Se quisermos ser populares, sem qualquer conotação moralista. Desde logo rendermo-nos à ditadura da Coisa Curta, da criação rápida e "leve" - porque hoje em dia, ao que parece, ninguém tem tempo para nada e tudo tem de ser feito muito depressa. Isso senti na pele quando fui jornalista, onde a partir de certa altura o totalitarismo da Coisa Curta se começou a tornar obsessão dos editores: "Textos curtos!" e zás de cortar.
Ora, a verdade é que ainda há quem tenha tempo para grandes prazeres e para parar de vez em quando durante mais tempo. Em volta de um livro grosso (ora se tanta gente para para ler os calhamaços do Rodrigues dos Santos!!!). Ou em volta de um blog interessante.
No meu blog, por exemplo, faço basicamente o que me apetece, não tenho expectativas em relação a leitores e nem ando a contá-los. Sou livre. Pelos comentários que muitos lá deixam, vou sabendo que tenho bons leitores. Mesmo que só apareçam uma vez e mesmo que não gostem. Escrevo muitas coisas curtas, mas não o faço por imperativo de mercado, para satisfazer a clientela. Porque é "assim que tem de ser". É mais porque às vezes não há muito para escrever ou simplesmente não apetece escrever muito. Mas quando apetece escrever muito, é isso mesmo que se faz.

J 29 de março de 2009 às 23:22  

Já agora, pode invocar-se, com razão, que ler num écran é mais cansativo e menos cómodo, mesmo num pc portátil. Que o digital (ainda) não é um ambiente muito amigo de grandes leituras.
No meu caso, que trabalho com computadores, quando me canso do écran e encontro algo de maior fôlego na net que me interesse ler, simplesmente imprimo e leio no sofá, ou mais tarde na cama. Pode não ser muito ecológico (o que é discutível), mas é certamente muito mais cómodo.
Isto não é um libelo anti-curtas, também é bom eventualmente, é apenas um questionar desse espartilhamento dos blogs numa lógica de marketing e de livro de estilo. Nos blogs abordam-se pequenos e grandes assuntos. Abordam-se os que nós quisermos e considerarmos importantes.
Outro assunto complementar mas diferente, mais abrangente em termos do acto e da técnica de escrever em si, é a importância de "escrever bem". E escrever bem é também escrever com alguma objectividade e economia de ideias e palavras. No sentido de tornar o nosso discurso mais fluido e perceptível. Porque é evidente que todos nós que escrevemos, quando o fazemos temos em vista um leitor. E há leitores que exigem concisão e leveza (porque não têm tempo) e há outros que procuram profundidade, seja ela curta ou longa. Por outro lado, os leitores que gostarem genuinamente das suas ideias, da sua escrita e do seu universo de interesses, esses vão lê-la seja como for. Encontram sempre tempo.
Não sei se me estou a fazer entender...

Theresa Castello Branco 30 de março de 2009 às 12:16  

Faz-se entender, perfeitamente, J. e não era por recear ter poucos leitores que hesitei neste caso de blog curto ou comprido. Escrevo com o mesmo prazer para os muitos ou poucos, o que me assustava era – digamos (!) – a perda de qualidade. Em tudo que escrevi procurei sempre que tivesse esse factor, que não me envergonhasse por falta de qualidade. Se um blog comprido demais é um blog sem qualidade, então melhor escrever blog mais curto. Mas por minha opção, não por um qualquer "especialista", como J. diz. Tem razão, e estou percebendo que é essa uma das grandes vantagens dos blogs.
Nos livros de ficção que publiquei, só em um ‘As Casas da Celeste’ não mexeram, em todos os outros tive capítulos cortados, e títulos mudados, e ainda estou por perceber os vários porquês. Na ‘Rota da Pimenta’ ficaram páginas por escrever, tem um final despachado, porque o livro não podia ficar grande demais. Os leitores…, os livros de história…. Só no meu primeiro livro histórico – edição de autor e com bolsa - estive livre de escrever sem olhar a número de páginas. Agora revi-o para uma prometida reedição (que decerto não se fará) e de minha própria vontade, fiz cortes que me parecem tornar o livro de melhor compreensão. Ambiciono ser entendida, e, se um assunto abordado se entende melhor sendo curto, então, deve-se encurtar.
“E escrever bem é também escrever com alguma objectividade e economia de ideias e palavras. No sentido de tornar o nosso discurso mais fluido e perceptível” escreve J. Da divagação sem sentido livrou-me cedo o meu professor de alemão, que nos fazia a vida negra com constantes “composições”, e as analisava com um doloroso sarcasmo. Ainda o estou a ouvir, lendo certa frase de uma das minhas composições e no fim, fixando-me com dois olhos muito azuis, e muito agudos, perguntando: “E o que quer a senhora dizer nesta belíssima frase?” Espero que os leitores do meu blog percebam as minhas frases. E obrigada, J., pela sua grande ajuda. Theresa

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