VIDA QUOTIDIANA DAS MONJAS NO MOSTEIRO MEDIEVAL - CAPº X GRANDE PROPRIETÁRIA
>> quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
As abadessas dos grandes mosteiros tinham, como se disse, casa própria. Casa grande com cozinha própria, quarto de dormir da abadessa e da sua acompanhante, e quarto ou quartos de trabalho visto ser aqui que se centrava a administração do mosteiro. Não existia ali a separação de homens e mulheres que se mantinha no corpo principal do mosteiro. A abadessa tinha de falar com o seu procurador, tinha de receber homens que vinham tratar de assuntos ligados à administração. Em 1298, passando Lorvão por uma crise financeira, a abadessa Dona Maria Joanis empresta uma vasta soma de dinheiro seu ao mosteiro. O documento é assinado na casa da abadessa. ‘in dicto monasterium coram camara abatiss pelo alfaiate João Gomes, pelo carpinteiro do mesmo nome e por dois monges do mosteiro de Tarouca, que ali se encontravam de passagem.
As abadessas tinham visitas próprias, membros da sua família, que ali estivessem de passagem, albergavam-se naturalmente na casa de abadessa, e prolongavam por vezes exageradamente a sua estadia. Monjas que não cabiam nos dormitórios dormiam em casa de dona abadessa. Com isto, queixava-se o visitador de Claraval em 153, ‘a camara da abadessa é dormitório, e não, como devia ser, ‘lugar de negócios.’ Porque era para esse efeito que a abadessa tinha casa própria, para tratar dos negócios da administração do seu mosteiro, para administrar os seus bens.
Uma das primeiras tarefas da abadessa recém-eleita era decerto de se inteirar dos bens materiais de que dispunha para a manutenção do seu mosteiro e das suas monjas. Muitas delas mandaram fazer apanhados de bens existentes, pediam treslados de contratos de arrendamentos, mandavam copiar cartas de doação. O primeiro desses apanhados foi feito logo após a tomada de posse da primeira abadessa. É um rol muito explícito destinado à abadessa, de tudo aquilo que o mosteiro recebia em géneros e serviços na região de Coimbra. Havia cavalariças, havia arrendamentos urbanos a dinheiro. Havia contribuições em espécie de cerca de quinhentos casais. Em fogaças de uns, em galinhas ou ovos de outros; em alqueires de vinho, em oitavas, ou sextas partes de pão ou de vinho; em oitavas ou sextas partes de linho. E tudo diferente de caseiro para caseiro. Havia as vinhas que pertenciam a outros, que não aos caseiros, havia foros, havia as ‘eyradigas’, que alguns dos foreiros tinham de pagar além do seu foro, havia foro de trigo ou de milho debulhado na eira, de vinho saído do lagar. E ainda havia terras por desbravar.
Em rol redigido um pouco mais tarde, lê-se que Lorvão recebia foros e rendas em trigo, cevada, vinho, galináceos, ovos e outros géneros de 523 casais, que havia rendas, em geral pagas em dinheiro, de casas que o mosteiro tinha em Lorvão e em Coimbra. Havia ainda os produtos das quintas e das granjas amanhadas por homens do mosteiro. Havia rendimentos dos moinhos d'água e dos lagares, das marinhas de sal e dos pesqueiros no Mondego. E havia lucros de várias outras fontes: de serviços que rendeiros e foreiros, assim como os habitantes de algumas vilas que pertenciam a Lorvão, eram obrigados a prestar ao mosteiro. Havia emolumentos da justiça, tais como as coimas ou multas que o mosteiro recebia nas vilas onde as abadessas tinham jurisdição própria. E que deviam ser importantes porque, como dizia quem sabia, ‘justicia magna emolumenta est’. Havia proventos ocasionas, como, por exemplo, as ‘lutuosas’, um imposto sucessório de triste memória, que a família do falecido tinha de pagar ao senhor da terra, ou, no caso de Lorvão, de igrejas, pela morte do seu sacerdote. Seria bom poder pensar que as abadessas de Lorvão não se aproveitavam desse benesse, mas a verdade é que ele era tido em conta. Menciona-se a lutuosa como uma das obrigações de determinada pessoa, e, um caso concreto, ficou documentado. Em 1415, tendo morrido Miguel Bartolomeu, prior da igreja de Cassia, o procurador de Lorvão recebeu de seus testamenteiros: uma tassa de um marco de prata, ‘que o dito mosteiro havia de haver de lutuosas da dita igreja de Cassia, donde o finado fora Prior.’ A tassa fora escolhida ‘porquanto esta era a milhor cousa que fora achada’ do dito Prior à hora da sua morte’17
Outros proveitos do mosteiro eram as ofertas, que, por uso e costume, eram devidas ao mosteiro em determinadas ocasiões. Assim os juízes das vilas nas quais Lorvão tinha jurisdição tinham, ‘por costume’, levar, após a sua eleição, um presente à abadessa. Em 1314, quando se discutia entre D.Afonso IV e a abadessa de Lorvão a quem pertencia a jurisdição da vila da Esgueira, a abadessa alegou que ela e o seu convento estavam em posse da jurisdição da dita vila, e que proviam ali o juiz da seguinte maneira: ‘que os homens bons da dita vila moradores se ajuntavam em cada hum ano por hum dia certo, e que elegiam entre eles o juiz’. Os juízes eleitos apresentavam-se em seguida em Lorvão, e a abadessa passava-lhes ‘carta de confirmação’. Era uso e costume, que o juiz, quando ia buscar a sua carta d confirmação, levasse à abadessa ‘uma boa marrã e mais dois capões de receber”.18
Lorvão tinha ainda receitas em portagens, em moinhos, em serviços que lhe eram devidos, e gozavam de privilégio que a rainha D. Teresa lhe havia obtido do Papa Honório III, e que lhe poupavam encargos incalculáveis, prejudicando diretamente o bispo de Coimbra, que perdia direitos valiosíssimos. Esse senhor não poderia obrigar as pessoas que dependiam do mosteiro a responder ‘sobre suas rendas e bens nos sínodos e ajuntamentos públicos ou juízes seculares’. Os achincalhados prelados também não poderiam ir ao mosteiro celebrar ordens, ou tratar de dívidas, ou fazer lá, por qualquer outra razão, ajuntamento público. Já isso cortava, e de que maneira, nos rendimentos das sedes episcopais. E havia mais. Não era permitindo aos bispos receberem remuneração por serviços que prestassem ao mosteiro de Lorvão: ‘nem por consagração de igreja, nem por bênção de altar ou de vaso sagrado, nem pela celebração de qualquer sacramento’, antes ‘todas essas coisas faça graciosamente o bispo diocesano’. Convenha-se que era duro. Por fim, para arredondar as coisas, o Papa ainda confirmava ao mosteiro todas as liberdades e isenções que ele próprio, ou algum dos seus antecessores alguma vez tivessem concedido à Ordem de Cister à qual o mosteiro pertencia.
Tudo indica que as abadessas de Lorvão com uma ou outra excepção aproveitaram dos privilégios concedidos e administraram bem as suas propriedades, más administradores alternando com as boas.
Os monges seus antecessores tinham cultivado eles próprios as suas terras, as monjas não podiam fazer o mesmo, iriam gradualmente aforando as terras incultas herdadas dos monges, ou que algumas delas traziam em dote. Fizeram-se aforamentos de casais isolados e de grupos de casais. Registavam-se obrigações e deveres em contratos. Um dos primeiros forais documentados é de 1260.
Os foros eram contratos pelos quais, a troco de uma certa contribuição anual, os bens aforados passavam para sempre a pertencer ao contraente. Era para o foreiro um primeiro passo para a propriedade. Quando lhe era aforado casais, esses ‘caseiros’ e ‘cabaneiros’ passavam a pagar muito menos do que tinham pago até ali pelo cultivo do seu torrão. Quando antes tinham de dar ao mosteiro um quarto do seu produto em trigo ou em linho, davam agora um oitavo pelo mesmo terreno. O mosteiro não perdia, porque camponeses proprietários da terra, com liberdade de plantar e semear, produziam mais do que o faziam como dependentes. Arroteavam mais terras, cultivavam-nas melhor e com produtos mais variedades. O foro que pagavam ao mosteiro aumentaria em proporção do seu esforço.
a décima |
Foral sec. XII |
Estão uniformemente encadernados em tábuas cobertas de coiro, e todos seguem o mesmo modelo na exposição do texto: A fl. 1, têm uma tarja ornada de flores, a letra inicial da carta de foral iluminada a oiro e cores, com o escudo real ao centro. Os Forais foram concedidos entre o século XII e o século XVI. Era determinante para assegurar as condições de fixação e prosperidade da comunidade, assim como no aumento da sua área cultivada, pela concessão de maiores liberdades e privilégios aos seus habitantes.
0 comentários:
Enviar um comentário