Livros de Viagem. Através dos Estados Unidos no ‘Great Pacific Railroad’. Contªº

>> sexta-feira, 5 de junho de 2009



Continuação

“Pelas duas começou-se a avistar uma cadeia de montanhas altíssimas cobertas de neve de alto a baixo e brilhando tanto com os raios de sol, que a vista não era inferior, diz o papá, a alguns dos Alpes. Mas pelas 4 horas chegou a recompensa do desapontamento da manhã e da tarde anterior: que beleza, que grandioso, que esplêndido, que encanto e todas as mais expressões lisonjeiras que queiram! Fomos para a plataforma e, como sempre, os primeiros. É impossível descrever. Imaginem montanhas que parecem chegar ao céu, cobertas de neve, deixando de vez em quando aparecer a cabeça dos pinheiros. Depois, rochedos suspensos por artes breliques breloques com uns feitios muito ratões. Uma das coisas mais curiosas naqueles desfiladeiros estreitíssimos é numa montanha muito alta haver um buraco muito fundo desde cima até abaixo, e, dos dois lados, tem dois muros de pedra que parecem ter sido feitos de propósito. Chamam a este buraco: ‘Devil slide’. A beleza que é, depois de sair dum dos túneis, ver, ou as serras por cima da cabeça, se pode dizer, e deixando apenas espaço para se passar, ou então, as torrentes de água saindo dumas grutas e passando para o outro lado por baixo da linha. Não se imagina. Depois de sairmos do último túnel, e o mais célebre, ‘Weber Canon’, entra-se num vale verdíssimo com montes brancos dos lados, e no fim vê-se Ogden, uma cidade dos mormons.
Ogden é muito pequena, mas bonita pela sua situação aos pés dos montes. Vimos aí um homem completamente vestido de branco e com uma espécie de turbante na cabeça que decerto era um dos santos porque temos ideia que alguns deles andam vestidos dessa cor inocente. Também em Ogden vimos um chinês de rabicho caído; era enorme, grossíssimo e atado nas pontas que chegavam a baixo dos joelhos com uma fita preta. Em New York tenho visto bastantes, mas todos trazem o seu querido rabichão enrolado à roda da cabeça.
Saímos d'Ogden com uma hora de atraso por estarmos à espera dum comboio que vinha atrasado, de maneira que não pudemos chegar de dia a Salt Lake. Agora, para ganhar o tempo, estamos andando num tal galope que não posso quase escrever. Como nós descemos as rampas das montanhas rochenses (!) quanto a máquina podia, mas nem por isso deixámos de ver o bonito espectáculo de ontem à tarde.
Esquecia-me dizer que vimos também em Ogden um índio e uma índia. Que figuras! E hoje na estação onde almoçámos vimos imensos: são encarnadíssimos e parecendo muito fortes, uns trazem chapéus de palha com uma grande pena espetada, outros chapéus parecendo tampos de cestos cobertos de paninho encarnado; todos os que vi andam vestidos como toda a gente, só com a diferença de ser esfarrapado e sujíssimo. Alguns têm umas mantas de cores vistosas por cima do fato. Uma mulher tinha uma criança metida numa ‘hotte’ de madeira; não foi possível consentir em ver a criança, apesar de se lhe dar por umas poucas de vezes dinheiro (era o que ela queria); a pobre criaturinha estava metida dentro da tal caixa de madeira de feitio de ‘hotte’ tão amarrada e enrolada que não se podia de todo perceber onde ela tinha a cabeça, mas depois de voltar para dentro vi-a deitar a cabeça fora dos trapicalhos; já era bastante grande. Entramos logo na Sierra Nevada. O tempo lindo.
S. Francisco 3 de Maio 1886
Jantámos antes de ontem em Humboldt, um oásis no meio do deserto. Humboldt tem talvez uma dúzia de casas ou menos mas o ‘restaurant’ é grande e a comida óptima, a água é abundantíssima, de modo que aquele lugar está coberto de erva e árvores; quem dirá que é a mesma terra árida que vimos desde manhã que produz toda aquela verdura, a água faz esse milagre. Passámos ao pé do lago Humboldt, estreito, mas muito comprido e duma cor linda. Ao pé do lago estavam imensos índios, uma mulher andava com um filho às costas e duas pequenas estavam brincando com duas bonecas de trapos metidas numas ‘hottes’ pequenas, mas de palha. O papá estava com vontade de comprar este brinquedo índio, mas afinal não o fez. À noite entrámos na Sierra Nevada; como vínhamos com perto de 3 horas de atraso, passámos às 3 horas e meia da manhã pelos pontos bonitos. O papá, que não dormiu nada nessa noite, levantou-se às 2 e meia, mas os ‘socastes’ (corredores de madeira que fazem em pontos onde há perigo de avalanche) sucedem-se uns aos outros com tão pouco intervalo que nada se pode distinguir. Às 4 foi-me o papá chamar, como eu lhe tinha pedido, porque já havia luz, e a vista já principiava a ser bonita. Descemos de escantilhão aquelas serras cobertas de árvores e de flores, que têm precipícios enormes. Sabe como é feita a linha sua conhecida? Como não puderam fazer o caminho na serra por causa da dureza da rocha, fixaram-no por fora: uns paus enterrados no chão e que na altura da linha foram encaixados na rocha por homens suspensos por cordas sustentam os rails*. A vista desse ponto tão seguro é tudo quanto há de mais bonito.
Depois de passar as serras altas, entra-se na Califórnia que é um verdadeiro parque, por toda a parte se vêem vinhas, pomares, casas de madeira muito engraçadas, com trepadeiras de cima até a baixo e jardins à roda com imensas árvores; enfim, é lindo este país, o papá acha parecido com o nosso Minho. Às 9 almoçámos no Sacramento, que pouco se vê do comboio; pouco depois vê-se o Pacífico e depois a baía, que forma como uns poucos de lagos estreitando e alargando umas poucas de vezes. É muito bonita. Em Oakland, uma cidade diante de S. Francisco passámos para um ‘ferry boat’ .

* Este ‘cabo’ era uma parede rochosa de 2.700 pés de altura, que subia a pique do ‘American River’ e que praticamente não oferecia um único ponto de apoio. Mas os chineses teceram grandes cestos de vime, marcaram-nos com sinais coloridos para afastar os espíritos, e ao apito anunciando o nascer do sol, marchavam silenciosamente para o topo do abismo. Nos paus de bambu de transporte de carga, levavam em uma das pontas os seus cestos e na outra ponta barris com chá. Eram baixados centenas de pés ao longo do penhasco nos seus cestos, cortavam lascas da rocha, formando as pequenas cavidades onde inseriam pólvora negra, depois trepavam lestamente pelas cordas acima até ao topo, puxando os seus cestos atrás de si. (traduzº de transcontinental_rr.ppt ) Continua na Segunda-feira, 8

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