De livros esquecidos, mal lembrados ou ignorados

>> segunda-feira, 3 de agosto de 2009




Em francês há as fábulas de La Fontaine, em alemão o ‘Muemmelmann’ de Hermann Loens, em inglês o ‘Dchungelbook’ de Kipling, em português o ‘O Romance da Raposa’ de Aquilino Ribeiro. Livros que têm os bichos por protagonistas e que nas suas respectivas línguas fazem parte da memória literária. Parece-me injusto esquecer ‘Impala’ de Henrique Galvão, a história da amizade entre Impala, a gazela ferida, que não pode acompanhar a manada, e Jamba, o elefante escorraçado da família por velho e rabujento.

“ ......mal relançou a vista pela baixa estacou surprendido, de olhos arregalados, o queixo descaído. Via e não acreditava!
Toda a ‘chana’ onde olhos de homem enxergavam, surgia revestida de estranho tapete: uma manada prodigiosa, compacta, tremenda, que parecia escorrer de lonjuras do horizontee cobria inteiramente a planície.
À distancia em que se encontrava dava a impressão de um corpo só, ou lago ondulado crispado por brisas leves. E era da cor rica de certa terra lavrada, acabada de revolver e logo refrescada pelos orvalhos.
Da superfície macia rompiam, como liras negras, milhares de cornos - apontados ao céu, firmes, graciosos e altivos.
O Sol golfava sobre o quadro maravilhoso caudais de luz - o Sol já despojado de bruma, magnificamente nu e verdadeiro, flutuando no sangue como vivo da alvorada. E os seus raios, ainda húmidos e orvalhados, chispavam no dorso dos bichos, rasgavam-se nas pontas das hastes, e deixavam, onde passavam, o esplendor matinal das linhas e da cor.
O próprio garrano parecia assombrado: narinas frementes, golfando vapores, orelhas inquietas, olhos espavoridos -- tremia e suava.
O homem boquejou por fim:
-As impalas!
E ainda lhe custava a crer! Já vira grandes manadas de impalas, de centenas de milhar talvez, umas vezes paradas, de cornadura erguida, como antenas à escuta, outras vezes no pasto, passeando tranquilamente a sua graça aérea - e ainda em corrida, galgando em saltos incríveis de airosidade impecável, os obstáculos e a distância. Mas não imaginara sequer que todas as manadas juntas, que vira durante largos anos, compusessem multidão tamanha!
A ‘chana’ pejada, léguas de impalas.
Apeou-se novamente e pôs-se a andar com o cavalo pela rédea, cuidando de ocultar-se, até à orla da mata. Depois desceu o suave declive, com a brisa da manhã a bater na face, por entre troncos e arbustos, sem despregar a vista da ‘chana’.
Era a ocupação total. Nem um palmo de terra se bispava. As próprias lagoas, que havia algures, tinham desaparecido sob a multidão dos corpos. A menos de trezentos metros dos primeiros bichos, parou. E teve outra vez a impressão de um corpo só - um bicho estranho com milhares de patas e milhares de cornos - e cada impala apenas uma célula indissociável do grande corpo. Os indivíduos não existiam, nada significavam. O único ser real e total que ocupava a ‘chana’, era a Manada!”

“Também o Jamba e o Impala andavam preocupados.
Não bebiam a seu contento há três dias!
A região tornava-se inóspita.
No entanto, todos esperavam ainda condoímento do céu, presos a sentimentos terrenhos e bairristas.
Mas certa manhã começaram a passar, em bandos e formações compactas, chusmas de patos e egretes – habitantes conhecidos das águas do lugar ou hóspedes assíduos das lagoas onde a seca chupara toda a linfa.
Depois seguiram pelicanos e marabus, jandas e garças -- um êxodo de asas abertas esfarrapando o azul.
Os alcoviteiros da floresta espalharam a nova: -vão-se todos embora. E para onde vão não falta água com certeza, que eles não são bichos que a possam largar.
E uma noite, depois de um dia seco e ardente – o céu nu como o deserto – saíram os primeiros emigrantes no rumo das aves ribeirinhas: uma vara de ‘facocheros’, duas famílias às quais os lameiros já não cediamfrescura nem conforto. Largaram pela ‘mulola’ fora, a um de fundo, o macho mais velho na frente.”

“.....Quebrou-se a resistência do Jamba, aos embates da sede. Tinha agora uma cor suja e encardida de terra esterroada há muito - e o próprio Impala mostrava-se baço de pelugem e trôpego no andar.
-Vamos, Os patos têm razão.....”

“Andaram, andaram..”

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